As ações afirmativas para negros e o sistema de acompanhamento e avaliação da Lei nº 12.711/12

Antonio Gomes da Costa Neto

Doutorando em Ciências Sociais (CEPPAC-UnB)

Este artigo aborda o programa de ação afirmativa nas instituições de ensino superior (IES) federais e institutos federais de ensino técnico (IFET) de nível médio com o advento da Lei nº 12.711/12, que criou a cota sociorracial. Constatou-se a inexistência de relatório de monitoramento, acompanhamento e avaliação do Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio. Logrou identificar disparidades entre as informações fornecidas pelos órgãos do Poder Público, demonstrando que os dados iniciais noticiados se referiam a possíveis vagas e com objetivo promocional e não pelo critério de eficiência. Verificou-se a diferença entre as respostas ofertadas pelas instituições de ensino que indicam situações exitosas sem apresentar as causas, razões, motivos e fatos que ensejaram esses resultados. Demonstra a necessidade de análise pormenorizada de cada caso concreto, não apenas de forma consolidada, com o risco de não garantir a efetividade do programa. Na ausência de relatório de acompanhamento e avaliação, não há como verificar se o ingresso de negros (pretos e pardos) e índios no programa em todos os cursos e suas variáveis, como letalidade, evasão escolar, pobreza, tempo de conclusão, ingressos por curso, idade e gênero. Estados e municípios, como responsáveis pela Educação Básica, não participam dos Comitês de Avaliação. As divergências das informações são atribuídas à inexistência de relatório de acompanhamento e avaliação caracterizada pela ineficácia estrutural do órgão de gestão, significando omissão e risco de comprovação do não cumprimento do dever-poder do Estado do acesso aos diversos níveis de ensino. A ausência comprovada de relatório de avaliação pelos critérios de eficiência, eficácia e efetividade demonstra a necessidade de responsabilização.

Introdução

Gomes (2001, p. 135) conceitua ação afirmativa como “conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”.

No Brasil, o programa de ação afirmativa (cotas) para negros nos sistemas de ensino é recente; sua discussão envolveu os movimentos sociais e o Poder Judiciário brasileiro e, como política pública, ainda encontra barreiras; sua aceitação ainda permeia discussões na sociedade e ainda deve durar muito (Feres Júnior, 2006), especialmente pelo não reconhecimento da existência do racismo.

A discussão em torno da aprovação pelo Congresso Nacional.

Em relação à polêmica envolvendo o livro Caçadas de Pedrinho no Supremo Tribunal Federal, objeto do Mandado de Segurança nº 30.952.

Trata-se da ação direta de inconstitucionalidade questionando a regulamentação da titulação das terras ocupadas em favor dos quilombolas.

O acesso de negros no ensino superior (via sistema de cotas) constitui-se o “principal tema do noticiário sobre a questão racial publicado pela imprensa escrita brasileira” (Andi, 2011, p. 38); outros assuntos individuais não tiveram o mesmo nível de repercussão, exceção aos debates envolvendo o Estatuto da Igualdade Racial, o caso Monteiro Lobato e a questão Quilombola.

Quando da contestação do sistema de cotas e do julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186, no ano de 2012, foi considerada legítima e legal, porém, condicionada ao tempo da “exclusão social que lhes deu origem” (Brasil, 2009). Vale acentuar o posicionamento do ministro Joaquim Barbosa destacado no início do julgamento sobre a temporalidade da ação afirmativa:

O maior expoente hoje, sem dúvida, no mundo inteiro, é o presidente dos Estados Unidos. Daí a conclusão que podemos tirar: a que pode levar uma política de ação afirmativa em tão curto espaço de tempo. São meros cinquenta anos (grifamos).

O ministro Carlos Ayres Britto, em resposta, assinalou “ou menos”, e na sua réplica o ministro Joaquim Barbosa afirmou: “Sim. Talvez se contarmos do Civil Rights Act,de 64/65”, daí o objeto do presente artigo, abordar o programa de ação afirmativa previsto pela Lei nº 12.711/12, que entre suas definições afirma que haverá responsáveis pelo “acompanhamento e avaliação” e a “revisão do programa” no prazo de 10 anos.

Conforme Igreja e Agudelo (2014), sobre as novas formas de combate à discriminação racial e ao racismo na América Latina, discutem entre essas abordagens o estabelecimento de cotas raciais nas universidades, ainda que insuficientes, mas devem ser consideradas como:

políticas compensatórias que visam reparar as injustiças do passado, herdeiras da escravidão, e promover a inserção dos afrodescendentes em espaços os quais são excluídos e que são fundamentais para a inclusão social. (Igreja; Agudelo, 2014, p. 21).

Nesse contexto da ação afirmativa em favor dos afrodescendentes na América Latina, o tema levantou debates na sociedade e no Judiciário, quando questionado em 2009, porém com a busca de uma aplicação temporal minimizada, apesar de quatro séculos de escravidão legal; verifica-se que muito ainda há de se problematizar.

Buscamos estudar, a partir da inclusão como lei, sua operacionalização junto às instituições de ensino superior (IES) federais e institutos federais de ensino técnico (IFET) de nível médio, no tocante ao sistema de acompanhamento e avaliação atribuído ao Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio (Brasil, 2013).

Da ação afirmativa à Lei nº 12.711

O direito da política à ação afirmativa tem reconhecimento mundial (Féres Júnior, 2006), destacando o processo embrionário na Índia (1950); a experiência mais significativa para o caso brasileiro pode ser a dos Estados Unidos da América, fato ratificado pela leitura dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADPF 186.

No Brasil, de acordo com Silva (2012), o sistema de ação afirmativa nas IES teve seu início nas Universidades do Estado do Rio de Janeiro e do Norte Fluminense (2001), seguido pela Universidade de Brasília (2003), Universidade Federal do Mato Grosso (2004) e Universidade do Estado da Bahia (2005); a autora aponta que no ano de 2012 havia 83 universidades com ações afirmativas no Brasil, com uma diversidade de programas adotados, não havendo uma regulamentação única para todas.

O primeiro projeto de lei sobre ação afirmativa em instituições de ensino foi de iniciativa da deputada federal Nice Lobão (PFL-MA), tombado sob o nº 73/99 (Figueiredo, 2008), acrescido o aspecto étnico-racial em 2004 pelo Executivo Federal (Peron, 2012) no Projeto de Lei nº 3.267/04 (Exposição de Motivos nº 28/04).

Nesse passo, o projeto originário da Câmara dos Deputados seria destinado às universidades federais e estaduais; por sua vez, o enviado pelo Executivo Federal foi tão somente destinado às instituições federais de ensino superior e técnico de nível médio, resultando no modelo de ação afirmativa de cunho sociorracial.

É importante ressaltar que o mesmo ocorreu quando da edição da Lei nº 12.990/14, que instituiu a reserva de vagas para negros na Administração Federal; na época da promulgação não alcançou os demais entes da Federação, bem como não contemplou os Poderes Judiciário e Legislativo; o caso foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 33.072; atualmente encontra-se em grau de reclamação na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela sua não extensão aos demais poderes, bem como pelo não reconhecimento do princípio da proporcionalidade de gênero.

A aprovação desse Projeto de Lei e a edição da Lei nº 12.711/12 resultaram na aplicação nas instituições federais de ensino; não atingiram os estados como proposto na redação originária, fato verificado nos processos de ação afirmativa apreciados nos últimos anos não atribuídos à prerrogativa de normal geral e com aplicabilidade aos órgãos da administração pública federal.

Sua regulamentação se operou pelo Decreto nº 7.284, de outubro de 2012, e pela Portaria nº 18, de outubro de 2012, ambos no sentido de orientar as IES e IFET no tocante à aplicação das normas de acesso pelo certame, porém o tema do artigo tem referência com o Comitê de Acompanhamento e Avaliação instituído pela Portaria Interministerial nº 11, de agosto de 2013.

Percebe-se dessa forma que o sistema de ação afirmativa para negros (pretos e pardos) e indígenas está consagrado como norma legal, possui reconhecimento pelo Judiciário, tem cunho sociorracial, uma vez que as vagas não preenchidas por negros (pretos e pardos) e indígenas “deverão ser completadas por estudantes” oriundos das escolas públicas e na ausência destes as vagas são convertidas ao sistema universal, além da vinculação à renda familiar. Essa característica é igualmente identificável no Programa de Desenvolvimento Abdias Nascimento (Portaria 1.129/2013), de graduação e pós-graduação em que o mesmo tem como objetivo atingir a população de estudantes autodeclarados pretos, pardos, indígenas e estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, tem-se que a destinação de suas vagas é de preenchimento “preferencial” e não obrigatório.

Há de asseverar que a lei não inclui os cursos de pós-graduação em suas diversas modalidades (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado); inexiste proposta do legislador no sentido de inclusão de medidas sociorraciais nessa esfera de ensino ou a omissão foi deliberada, fato que não será objeto de nossa análise, deixando o questionamento para outra oportunidade.

O campo científico de investigação

Bourdieu (2004, p. 28): “esta arte de antecipar as tendências, observada por toda parte, que está estreitamente ligada a uma origem social e escolar que permite apossar-se dos bons temas, boa hora, bons lugares de publicação [...] é um dos fatores que determinam as diferenças sociais mais marcantes nas carreiras científicas”.

A criação de uma lei de ação afirmativa (cotas) e seus efeitos na sociedade beneficiada deve o pesquisador e dentro dos diversos campos (Bourdieu, 2004) da produção científica, identificando lacunas, atento a essas situações e se possível antecipar situações que devem ser objeto de outras investigações, se necessário cabendo ao pesquisador resolver os “quebra-cabeças” (Kuhn, 1975).

Se por um lado houve debate sobre a legitimidade e a aplicabilidade da lei nas instituições de ensino, qualquer política e sua análise são realizadas pelos órgãos de controle governamental pelo critério de efetividade, ou seja, como o benefício ofertado produz condições de modificar a situação dos beneficiados.

A conquista da ação afirmativa tem relação com a militância de movimentos sociais e de mobilizações nacionais e internacionais (Igreja; Agudelo, 2014), em razão da ausência de inclusão de parcela da população historicamente excluída; portanto, necessária e obrigatória, não havendo razões para procrastinação.

A forma usualmente adotada pelo sistema de gestão do Estado brasileiro caracteriza-se por análise de problemas sociais resolvidos por procedimento técnico; todavia, nesse caso específico, os mesmos devem respeitar a complexa relação entre o social e os interesses do Estado (Falero, 2014).

Verifica-se que o sistema do Estado para a educação segue o modelo mundial do critério de normas, o controle dos recursos e a avaliação dos resultados, quase sempre sem atuação nos aspectos vinculados ao ensino ou na alteração da vida dos interessados (Saforcada, 2014).

Nesse prisma, as avaliações da ação afirmativa quando da sua formulação, implementação, monitoramento e avaliação deverão ter sua validação e verificações observados os critérios de eficiência, eficácia e efetividade (Torres, 2012), em que o tema haverá de incluir a justiça social.

O objeto da pesquisa

O programa de ação afirmativa (cotas) nas IES e IFET federais, em nossa análise inicial, foi verificar a existência do acompanhamento e avaliação (controle governamental); considerando a lei e as normas regulamentadoras, identificamos a existência de um Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio.

O Comitê foi designado em agosto de 2013, tendo como seus membros dois integrantes da Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), dois membros do Ministério da Educação (MEC) e um pertencente à Fundação Nacional do Índio (Funai), os quais deveriam acompanhar e avaliar o programa; nesse prisma localizamos tão somente o trabalho inicial “Balanço da Política de Cotas” pelo ministro da Educação referente a 2012-2013.

Verificada a ausência de divulgação eletrônica dos dois órgãos sobre a existência de relatório de monitoramento e avaliação pelo Comitê, procedemos à consulta por meio da Lei de Acesso a Informação (LAI), ferramenta à disposição de qualquer interessado pelo sistema eletrônico de consulta, com o seguinte questionamento:

O fornecimento do Relatório de Acompanhamento e Avaliação enviado ao ministro da Educação pelo Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio referente à reserva de vagas prevista pela lei nº 12.711/12 c/c Decreto 7.824/12, referente aos exercícios de 2012, 2013 e 2014.

Processo Administrativo nº 23480006016201561, com resposta em 01/06/2015.

Dessa consulta após o trâmite normal e recursos internos, foi verificada a inexistência de relatório de avaliação realizado pelo Comitê, inicialmente alegando a existência de uma “declaração consultiva da Sociedade Civil”; por derradeiro, veio a resposta definitiva pelo ministro da Educação :

Cumprimentando-o cordialmente e retificando informações das instâncias precedentes, comunico a Vossa Senhoria que os relatórios de acompanhamento referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014 encontram-se ainda em elaboração no âmbito do Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas instituído pelo art. 6º do Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. Tão logo recepcionados neste Ministério, os referidos relatórios serão objeto de publicação em nosso Portal (http://portal.mec.gov.br/index.html), ficando então disponíveis para acesso por toda a sociedade.
Atenciosamente,
RENATO JANINE RIBEIRO
ministro de Estado da Educação

De acordo com o sítio institucional do Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Superior (Sesu) é a “unidade do Ministério da Educação responsável por planejar, orientar, coordenar e supervisionar o processo de formulação e implementação da Política Nacional de Educação Superior, a manutenção, a supervisão e o desenvolvimento das instituições públicas federais de ensino superior (Ifes) e a supervisão das instituições privadas de educação superior, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)” (MEC, 2015).

Porém, o primeiro documento enviado diz respeito ao “Relatório elaborado por esta Sesu após consulta às IES a respeito da implementação da Lei nº 12.711/12 até o segundo semestre de 2014” dizia respeito apenas às universidades, não informando sobre os institutos federais.

Porém, o balanço do ministro da Educação faz alusão aos institutos federais, o que já comprova a ausência de sistematização; o documento traz apenas a relação entre o número de vagas ofertadas pelo sistema universal e sua proporção em relação às cotas.

Desta feita, iniciamos o procedimento de consulta individual às universidades; não foram selecionadas todas as universidades, em razão da temporalidade dos resultados, uma vez que, apesar do processo de acesso à informação ser eletrônico, não é comum o respeito aos prazos, bem como as respostas não contemplam os pleitos, e o encerramento da conclusão do artigo já indicavam a inexistência do relatório.

Selecionamos: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Tocantins (UFTO), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), que responderam ao seguinte questionamento:

Qual o percentual de atingimento/preenchimento das vagas ofertadas pela implementação da Lei nº 12.711/12 informado ao Ministério da Educação (Sesu – Secretaria de Educação Superior e Comitê de Acompanhamento e Avaliação), referente ao 1º e 2º semestre de 2013, 1º e 2º semestre de 2014, especialmente:

  1. em relação a candidatos pretos, pardos e indígenas;
  2. de vagas remanescentes, não preenchidas em relação a pretos, pardos e indígenas;
  3. em relação às vagas remanescentes, caso não preenchidas, qual a sua destinação.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) não responderam aos questionamentos e se encontram em fase de recurso administrativo para apreciação por não cumprimento do prazo de atendimento; as universidades dos demais Estados não foram consultadas em razão de a amostra inicial completar o objetivo do artigo.

Dos dados recolhidos

Algumas hipóteses surgiram à medida da evolução da investigação; inicialmente, os dados do ministro da Educação seriam apenas sobre o quantitativo de ofertas de vagas de forma global? Houve o atingimento do percentual de candidatos e sua matrícula no curso? Há metodologia de análise de dados pelo Comitê de Avaliação? Decorridos quatro certames de vestibular, ainda não se consegue fazer uma análise preliminar?

Inicialmente, buscamos verificar as similitudes entre os fatos expostos pelo ministro da Educação em agosto de 2013 e os documentos fornecidos pela Sesu; em primeira análise comparativa com a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), verificou-se que os dados são os mesmos e se referem ao quantitativo de oferta de vagas pelo sistema de cotas; portanto, a informação inicial é tão-somente em relação à oferta de vagas; no tocante ao percentual de ocupação, total de vagas preenchidas, essas não foram computadas; portanto o objetivo inicial foi de divulgação.

Esse fato é demonstrado quando a divulgação de dados pelos órgãos de Educação (MEC) e Igualdade Racial (Seppir) em sua divulgação sobre os três anos do sistema de ação afirmativa, realizado em agosto de 2015, não faz alusão ao Relatório de Monitoramento e Avaliação, apenas apresenta dados gerais tendo como característica a simples divulgação do programa.

No caso, existem três cursos com nenhum preenchimento no exercício de 2013 e quinze cursos com 100% de ocupação; os demais variaram entre 40% e 95%; em 2014, houve sete cursos com nenhum preenchimento e treze cursos com preenchimento integral, inclusive alegando que alguns excederam o número de vagas ofertadas. Nos dois exercícios ficou evidente o não preenchimento das vagas disponibilizadas em diversos cursos.

Partimos então para consulta diretamente na UFMT; encontramos a ausência de consolidação dos dados, pois houve a necessidade de recurso postulando a informação de forma precisa; em sua retificação, apresentou tabela com o número por curso e o total de ocupação , além das vagas não preenchidas.

Buscamos então a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstrando a existência de diferença entre os números apresentados pelo ministro da Educação e o relatório da universidade; a UFRJ apresenta que a oferta de vagas foi superior ao informado pelo ministro, o que comprova a hipótese de que o “balanço” ministerial foi apenas no sentido de informar o quantitativo possível de vagas que seriam disponibilizadas.

Todavia, em relação ao preenchimento das vagas pelo sistema de cotas, o relatório da Sesu informa o percentual alcançado no 1º semestre de 2013 (13,77%) e no 2º semestre de 2013 (13,92%); todavia, a UFRJ afirma de forma diversa (1º/2013, 91,05%; 2º/2013, 93,45%). O mesmo ocorre em relação ao exercício de 2014: o MEC destaca 1º/2014, 34,88%; 2º/2014, 34,40%, e a UFRJ apresenta dados diversos (1º/2014, 92,05%; 2º/2014, 92,89%).

Buscamos a Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS); mais uma vez os dados diferem do balanço do ministro da Educação. Neste caso, seriam ofertadas 1.736 vagas para o exercício de 2013, enquanto o total fornecido diretamente pela UFFS foi de 856.
No tocante ao percentual de preenchimento, a Sesu dispõe que o percentual no exercício de 2013 foi de 1º/2013, 84,42%; 2º/2013, 83,09%, e a UFFS apresenta dois dados distintos (1º/2013, 84,42%; 2º/2013, 83,09%) para estudantes com renda inferior ao valor estipulado pela lei e alunos que cursaram o Ensino Médio em escolas públicas (1º/2013, 56,46%; 2º/2013, 53,97%).

Selecionamos também uma universidade que não integra o “balanço” do ministro sobre as cotas; nesse passo, nossa primeira análise se operou junto à Universidade de Brasília (UnB), em razão de ela ter sido contestada em ação judicial sobre seu processo de ação afirmativa pela ADPF nº 186 no Supremo Tribunal Federal.

Também é de se observar que a UnB mantém um sistema independente de ingresso no vestibular para autodeclarados negros e indígenas, porém essa instituição de ensino revela a complexidade das análises.

Pela informação prestada pela UnB no ano de 2013 o total de vagas ofertadas e preenchidas pelo sistema de cotas foi de 1º/2013, 20,33%; 2º/2013, 48,28%; porém, os dados da Sesu são diferentes (1º/2013, 14,37%; 2º/2013, 13,15%). A mesma discrepância é verificada no exercício de 2014 nas informações da Sesu (1º/2014, 22,34% 2º/2014, 25,45%), diferentes da UnB (1º/2014, 83,11%; 2º/2014, 83,31%).

O dado mais revelador dessa consulta foi o fato de não haver o preenchimento integral das vagas ofertadas para o ingresso na universidade pelo sistema universal, escola públicas, negros e indígenas, cujo maior índice alcançado foi no ano de 2014 (2º/2014, 83,31%), o que já indica que o problema de acesso ao ensino superior possui outras variáveis.

Em relação à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), os dados são completamente contrários aos informados pelo ministro da Educação (1º/2013, 14,70%; 2º/2013, não possui); a UFAM destaca “que todas as vagas oferecidas nos anos de 2013 e 2014, por meio do sistema de cotas, foram 100% preenchidas”.

Nesse caso, poder-se-ia inferir o melhor exemplo de que se tem notícia na esfera nacional, porém em grau de recurso foi questionado se o percentual de 100% foi preenchido por “negros, pardos e indígenas”, na forma considerada pelo órgão em relação à identificação dos candidatos, com a seguinte resposta:

por um lado, é possível que todas as vagas reservadas a candidatos a cotistas autodeclarados pretos, pardos e indígenas foram preenchidas (e que todos os assim autodeclarados que tenham se classificado em tais cotas foram contemplados); não é possível, por outro lado, aferir precisamente quantas dessas vagas foram preenchidas por candidatos a cotistas autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Isso porque, no caso de ter havido sobra de vagas (apesar de todos os referidos autodeclarados aprovados terem sido convocados), elas podem ter sido redistribuídas a candidatos de outras categorias.

Notadamente, há divergência entre os dados divulgados pela Sesu, no “balanço” do ministro, bem como pela ausência de precisão na informação da UFAM, demonstrando a falta de garantia dos dados para análise.

De igual sorte, esteve a Universidade Federal do Tocantins (UFTO) no tocante às informações da Sesu em 2013 (1º/2013, 23,90%; 2º/2013, 25,97%); por sua vez, a UFTO traz os quantitativos de ofertas e total de vagas preenchidas (1º/2013, 42 vagas, preenchidas 63; 2º/2013, 83 vagas, preenchidas 57), em que as informações destacam que “houve remanejamento de vagas, conforme previsão. Desta forma, a ocupação foi acima da oferta” em relação ao 1º semestre de 2013.

Mais uma vez uma universidade alega ter alcançado a integralidade da ocupação das ofertas de vagas, porém nenhuma notícia foi destacada pelo órgão da Educação ou pelo Comitê de Acompanhamento e Avaliação, e talvez o fato tenha relação com os exercícios seguintes, cuja oferta de vagas não foi preenchida (2º/2013, 83 vagas, preenchidas 63; 2º/2013, 83 vagas, preenchidas 57).

Também questionamos a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e se verifica a existência de diferença entre os dados informados pela Sesu (1º/2013, 15,50%; 2º/2013, 10,85%; 1º/2014, 25,95%; 2º/2014, 25,52%), enquanto a UFMG trouxe outros dados, indicando apenas o número de vagas e o total de ocupação (1º e 2º/2013, 585 vagas, preenchidas 582; 1º/2014, 560 vagas, preenchidas 542; 2º/2014, 431 vagas, preenchidas 427), porém, não informou a destinação das vagas não preenchidas.

Na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), as informações advindas da Sesu (1º/2013, 13,51%; 2º/2013, 25,70%; 1º/2014, 25,65%; 2º/2014, 38,01%) estão em contrariedade à universidade (1º e 2º/2013, 68%; 1º e 2º/2014, 75,00%), bem como narra que as vagas não preenchidas são “disponibilizadas nos processos seletivos de movimentação interna, transferências de outras IES e portadores de diploma”.

Por derradeiro, foi consultada a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), cujas informações da Sesu são de 1º/2013, 25,00%; 2º/2013, 24,8%; 1º/2014, 30,88%; 2º/2014, 39,25%, enquanto a Unilab apresentou o total de vagas e sua ocupação de 1º/2013, 72 vagas, preenchidas 73; 2º/2013, 73 vagas, preenchidas 103; 1º/2014, 109 vagas, preenchidas 119; 2º/2014, 148 vagas, preenchidas 121 e traz como adendo que “o decréscimo de ocupação de vagas [...] no ingresso de 2014.2, deve-se à baixa ocupação nas matrículas dos cursos ofertados no Campos de Malês (Bahia)”.

Percebeu-se mais uma vez que outra universidade alega ter alcançado a integralidade do preenchimento das vagas dos cursos ofertados, todavia nenhuma nota técnica ou informação pela imprensa foi localizada sobre esses dados, bem como as duas instituições de ensino superior, ou mesmo o Estado e o Município da região fazendo alusão à situação dos alunos e sua origem sociorracial.

No noticiário dos três anos da política da lei, observou-se que nas informações destacadas pelos órgãos de Educação e Igualdade Racial a “medida já ofertou 150 mil vagas” (Brasil, Seppir, 2015), e que o número exato de vagas “estará disponível apenas em 2016”. Destaca ainda que o consolidado das informações referente aos exercícios de 2013 e 2014 mostra que a lei está sendo cumprida; de fato, a lei não está sendo descumprida, o que não está ocorrendo é uma avaliação do programa.

Da análise do caso

Nossa investigação inicial buscava analisar a existência de relatório de acompanhamento e avaliação do programa de ação afirmativa (cotas) nas instituições de ensino superior federais e nos instituto federais de Ensino Médio em relação ao critério de eficiência, eficácia e efetividade.

Como bem afirmou o ministro Joaquim Barbosa quando do julgamento da ADPF nº 186, qualquer programa de ação afirmativa deve ter duração não menor que cinquenta anos, até pelo fato de que a simples alegação de haver atingido em alguns casos o índice de 100% de ingressos não significa que tenha efetividade.

Estamos considerando jovens de 15 a 29 anos, conforme prevê o Estatuto da Juventude.

Nesse sentido, é de observar que os jovens negros são as maiores vítimas da letalidade e que o percentual cresceu significativamente desde 2002 (100,7%), conforme aponta o Mapa da Violência de 2014 (Waiselfisz, 2014).

Por outro lado, também é importante considerar o acesso ao mercado de trabalho; qualquer justiça social implica verificar o ingresso desses profissionais em atividades laborativas; vale acentuar que a própria política de ação afirmativa no mercado de trabalho para negros não tem regulamentação para a iniciativa privada, ainda que previsto no Estatuto da Igualdade Racial.

Recentemente, em 2015 o Supremo Tribunal Federal adotou a reserva de vagas para concursos, o Tribunal Superior do Trabalho aos cargos do órgão e ao Conselho Superior do Tribunal Superior do Trabalho, o Conselho Nacional de Justiça ampliou os concursos destinados à magistratura e serventuários.

http://g1.globo.com/ politica/ noticia/ 2014/05/ senado-tera-cota-de-20-para-negros-em-concursos-publicos-diz-renan.html.

Nesse caso, na Administração Pública Federal há previsão de reservas de vagas; no Poder Judiciário , somente a partir de 2015; no Legislativo, sem previsão, ainda que tenha sido anunciado em 2014, mas não logramos localizar qualquer decisão nesse sentido, fato inclusive observado nos autos do Mandado de Segurança nº 33.072 perante o Supremo Tribunal Federal em relação ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados.

Observa-se, das informações prestadas, que os dados diferem entre o órgão de acompanhamento e as próprias instituições de ensino, nesse tocante, pela ausência de controle governamental sobre os dados com precisão.

Duas universidades alegam ter preenchido em oportunidades distintas o percentual integral da ocupação de vagas pelo sistema de ação afirmativa e não há notícia desse fato, o que pode gerar certa confusão entre os interessados, pois, se houve a integralidade, seria motivo de comemoração.

Esse fato deveria ser divulgado e de interesse por qualquer gestor público, o que leva à necessidade de confrontar os dados com o próprio Comitê de Avaliação; todavia, como o mesmo até o exercício de 2015 não havia sido emitido, não há como considerar como efetivo.

Por outro lado, os dados fornecidos pela UnB revelam que muitas vagas dos concursos de vestibulares não são preenchidas, incluindo as vagas do sistema universal, o que representa que o problema deve ser considerado como outra variável importante.

Se não existe o preenchimento das cotas nem o sistema universal, o mesmo pode estar ocorrendo em todas as instituições de ensino; a UFMT trouxe informações de que alguns cursos não houve nenhum aprovado pelo sistema de cotas, o que precisa ser verificado de forma individual e se o mesmo problema ocorre em todas as instituições de ensino.

Algumas instituições informaram que as vagas não preenchidas são destinadas ao sistema universal, fato previsto na lei, o que caracteriza o sistema de cotas da lei não como racial e sim sociorracial, o que leva a demonstrar que o objetivo de acesso de negros e índios não é real.

A investigação, em preliminar, comprova a ausência de relatório de acompanhamento e avaliação pelo Comitê devidamente designado para esse desiderato, não havendo nenhuma explicação para essa ausência até o presente momento.

Vale acentuar que as próprias notícias sobre os três anos de vigência da lei têm cunho de divulgação do programa, ausente qualquer Relatório de Acompanhamento e Avaliação, bem como a inexistência de qualquer meio de divulgação desses dados.

Se por um lado existem ações individuais que alegam ter conseguido êxito integral, isso deverá ser objeto de detida análise, pois se os percentuais se referem a estudantes “pretos, pardos e indígenas” oriundos de escola pública e com baixo poder aquisitivo, tem relação com a formação na Educação Básica.

Por outro lado, se os locais que alegam ter atingido esse percentual não conseguem afirmar que o mesmo foi preenchido exclusivamente de “pretos, pardos e indígenas”, há de se verificar por dados precisos as informações prestadas.

Ocorrem então duas situações: a Educação Básica dos jovens que ingressaram no certame tem conseguido alcançar os objetivos desse nível de ensino ou, pelo contrário, o que ocorreu foi o não preenchimento das vagas e elas foram destinadas ao sistema universal.

Nesse caso, também se faz necessário avaliar se a instituição de ensino preencheu o total de vagas ofertadas no vestibular, pois que, se não preenchidas por negros, o sistema de ação afirmativa não teve o objetivo inicial, já que transformou o sistema de garantia de negros em modelo universal para fins estatísticos.

Esses dados também revelam que a Educação Básica como um todo não tem conseguido promover o acesso às universidades; o dado mais importante é da UnB: quando não preenche as vagas pelo sistema de cotas nem o universal, em síntese demonstra que, se a universidade garante o acesso, cumpre aos sistemas de ensino buscar meios de alcançar esse êxito, mas também não fazem nada para mudar essa realidade.

Os dados demonstram a ausência de monitoramento, o risco de no futuro demonstrar que o programa pode não dar ou não está dando os resultados esperados; instituições como Unilab e Ufam terem narrado 100% de aproveitamento seria motivo de reportagens, incluindo o próprio Governo Estadual, pois afinal os estudantes seriam oriundos das escolas públicas. Por outro lado, quando não se informam os dados dos institutos federais no tocante ao acesso ao Ensino Médio, cujo “balanço” ministerial alega números exacerbados de oferta, eles seriam de fundamental importância, caracterizando a ausência de relatório de avaliação e ineficiência do Estado.

Ainda há de asseverar que, se a população autodeclarada negra constitui-se cerca de 51% da população brasileira, qualquer percentual de preenchimento de vagas que não alcance exclusivamente negros deve ser considerado ineficiente ou pelos menos indique a origem do problema.

A análise, ainda em preliminar, demonstra que a inexistência de informações detalhadas do Comitê tem relação com o fato de que o problema pode estar relacionado à Educação Básica; nesse caso, pelos estados e municípios, a omissão é deliberada em não dar publicidade da situação do programa.

Caberia ao Ministério da Educação, na sua função supletiva, caso reconheça alguma precariedade na Educação Básica, prestar o devido auxílio aos estados e municípios, seja financeiro ou de qualquer outro meio, com urgência e de imediato. Bem como, se existem outras situações externas ao sistema de ensino, fato a que o órgão de avaliação não pode ficar omisso, ou mesmo seria o reconhecimento da falha do programa e do órgão avaliador em não sanar as medidas, bem como em relação aos possíveis êxitos a adoção de medidas similares.

Fica patente na análise que os dados do Ministério da Educação divergem daqueles fornecidos pelas instituições de ensino superior; inexiste relatório de acompanhamento e avaliação e revela ainda que haja necessidade de aporte nos sistema da Educação Básica, bem como que o sistema de cotas para negros é ineficiente por não conseguir alcançar o total de vagas ofertadas.

Da política

Na América Latina, a inclusão da população nas políticas por mecanismos de proteção e promoção social busca o chamado bem-estar social, todavia de predominância populista e clientelista (Acosta, 2014), especialmente para um mercado de trabalho que exclui o negro. Nesse passo, na América Latina houve processos de industrialização, modernização, desenvolvimento e dependência; é nesse aspecto que se insere a ação afirmativa a partir dos anos 1990, em que a sociedade civil reclama por direitos (Acosta, 2014), por meio dos movimentos sociais.

Para tanto, esses movimentos depararam com uma gestão de Estado neoliberal, ainda que alguns autores classifiquem certos governos como progressistas (Falero, 2014) pela sua suposta neutralidade técnica, no qual o tema ação afirmativa deve ter rigorosa avaliação, sem o qual fica patente o descaso.

Nesse sentido, o programa de ação afirmativa em sua análise preliminar já demonstra ser lento, burocrático, sem controle social, marcado pela disponibilização de cargos em função da questão eleitoral, pois não há preocupação em demonstrar a efetividade das políticas.

Percebe-se que, na região da América Latina, a proteção social decresce, a informalidade aumenta, ocorre a precarização do mercado laboral, em que a ação afirmativa em favor de negros, dada a ausência de avaliação e controle governamental de cunho neoliberal desses programas, pode levar a neutralizar seus protagonistas (Kataz, 2014; Valdés, 2004).

Existe ainda o risco de todo o processo de avaliação ser transformado em consultoria, em que a colonialidade e o racismo implícito nos critérios de avaliação são transformados em incógnitas, cuja agenda política não faz rigorosa análise dos problemas originários (Boron, 2005).

Nesse prisma se insere a Ação Afirmativa no Direito à Educação pela inclusão, cuja negação de grandes setores e parte da população aos níveis mais básicos de escolaridade (Gentili, 2010), quiçá o acesso à educação superior em instituições de ensino federais são recorrentes.

Gentili (2014) aponta que as políticas neoliberais, em rigor, produziram níveis de oportunidade de acesso à educação; todavia, como no caso em análise da ação afirmativa, revela um problema complexo que produz exclusão perante a América Latina.

Por um lado, se existe a oportunidade de acesso, porém, não é a garantia de acesso a uma educação de qualidade que garanta condições de efetivo exercício e de acesso às oportunidades; significa que a exclusão foi transferida para o interior do sistema de ensino.

Notadamente, se assemelha com a nossa pesquisa, pois se o programa de Ação Afirmativa é “exitoso” em algumas localidades, sem considerar algumas variáveis (letalidade, evasão escolar, pobreza, tempo de conclusão, ingressos por curso, idade, gênero etc.), verificam-se em análise preliminar adequações não justificáveis.

Do mesmo modo, Gentili (2014) destaca as grandes conquistas populares, porém, como bem assevera é demasiado apressado considerar um direito com a “superação parcial” das condições que negavam no passado e sem uma análise detalhada o resultado pode ser um processo enganoso.

Nesse sentido, percentuais tão díspares entre instituições de ensino superior e a da ausência de um relatório de avaliação com metodologia explícita, inclusive de reconhecimento internacional, revelam a fragilidade dessas possíveis conclusões.

Por outro lado, a análise preliminar demonstra que a sistematização dos dados pode revelar as possíveis lacunas, visto que a educação superior, especialmente, no Brasil, cujo sistema de ensino mantido com recursos federais, é considerado um privilégio, o que aumenta a desigualdade no sistema educativo.

Gentili (2014) destaca que para os afro-latinos e indígenas a desigualdade na educação é maior, especialmente, em função do racismo dentro do sistema de ensino, pela discriminação pedagógica e curricular e pela falta de oportunidades educativas.

Percebe-se que o programa de ação afirmativa, utilizando-se do critério sociorracial, constitui-se na forma técnico-burocrática de consagração e manutenção do mito da democracia racial, pela ausência de relatórios de avaliação, especificação de metodologia adotada, transferências de vagas, publicidade dos dados, o que representa o risco para a justiça social e igualdade.

Nesse aspecto, os dados foram analisados considerando o accountability no sistema educacional, como bem assevera Saforcada (2010), pela necessidade de responsabilização pelos resultados realizados pelos novos modelos de gestão, utilizando o controle social.

Se por um lado as instituições possuem autonomia para suas decisões, de igual sorte são submetidas à legislação nacional no cumprimento da lei de ação afirmativa a ser avaliado pelos órgãos de controle governamental e pela sociedade.

Conclusão

O Programa de Ação Afirmativa (cotas) para negros vem se aprimorando nos últimos anos e encontrando barreiras na implementação; sua discussão ainda demonstra o não reconhecimento da existência do racismo, chegando inclusive a ser contestada sua legalidade perante o Poder Judiciário; todavia, é considerado legítimo e legal. Atualmente está regido no âmbito Federal pela Lei nº 12.711/12 e tem caráter sociorracial.

Entre as novas formas de combate à discriminação racial e ao racismo na América Latina, este artigo buscou verificar como vêm se operando as cotas sociorraciais nas instituições de ensino superior (IES) e nos institutos federais de ensino técnico (IFET) de nível médio a partir do relatório de acompanhamento e avaliação do programa.

Verificou-se a inexistência de relatório de avaliação pelo Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio, bem como a falta de monitoramento de como tem sido a avaliação da política de cotas até o exercício de 2015, não havendo justificativa para sua não emissão.

Na busca de dados disponíveis para consulta pública, constatou-se a ausência de informações sistematizadas, sendo necessário o levantamento de dados pela Lei de Acesso a Informação (LAI), constatando divergências entre os dados disponíveis pelo Ministério da Educação, das instituições de ensino, hipótese da ausência de acompanhamento do Comitê de Avaliação proporcionando disparidades entre cada órgão do Poder Público.

Em análise das informações de acesso público (Balanço Ministerial), ficou demonstrado que os dados noticiados na época da divulgação do sistema de cotas se referiam a possíveis vagas que seriam ofertadas, tinha como objetivo apenas divulgar a proposta com fins promocionais, não havendo análise pelo critério de eficiência, comprovando a ausência de acompanhamento e avaliação.

Indagadas as universidades públicas sobre a informação disponibilizada pelo órgão da educação, constatou diferença entre as respostas ofertadas, narrando algumas haver alcançado percentual de ocupação de 92% a 100%, inclusive em anos consecutivos, fato não divulgado como práticas exitosas perante os órgãos de monitoramento.

Por outro lado, em alguns cursos não houve ingresso pelo sistema de cotas, de sorte que as vagas quando não preenchidas foram revertidas ao sistema universal, revelando a necessidade de análise pormenorizada de cada curso e não apenas de forma consolidada, conforme busca o órgão de Estado apresentar à sociedade, demonstrando que a ausência de divulgação está na não garantia de efetividade do programa.

Infere da investigação, caso comprovado o êxito de algumas instituições, há de buscar o acompanhamento de forma rigorosa sobre os fatos, motivos e razões que levaram a esses resultados, uma vez que o programa tem critério sociorracial e implica o reconhecimento da atuação dos estados e municípios, responsáveis pela Educação Básica.

Do mesmo modo, caso não comprovado o ingresso de negros (pretos e pardos) e índios no programa em todos os cursos destinatários da educação superior, observadas possíveis variáveis como letalidade, evasão escolar, pobreza, tempo de conclusão, ingressos por curso, idade, gênero, dentre outras, fica patente que o critério de efetividade não está sendo alcançado, demonstrando a necessidade de análise detida.

Como se observa dos dados, é clara a divergência das informações pela inexistência de relatório de acompanhamento e avaliação, com falha estrutural do processo de gestão, ausente qualquer informação sobre a influência da Educação Básica, significando possível omissão pelo risco de comprovação de ser um problema não só de ofertas pelas instituições que cumprem a lei, mas sobre o papel do Estado no direito à Educação, correndo o sério risco de transformar o programa de ação afirmativa na forma técnico-burocrática de consagração e manutenção do mito da democracia racial.

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Publicado em 29 de setembro de 2015

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