Clicando aprendizagens: relato de experiências coletivas no Projeto Click Maré

Ailza de Freitas Oliveira

Fernando Antonio Abath Luna Cardoso Cananéa

Maria Cely de Sousa Silva

Soraya de Souza de Oliveira

Motivações iniciais: clicando aprendizagens

Buscar motivações que movimentem e qualifiquem as aulas de Arte na educação é um desejo constante dos que desenvolvem projetos pedagógicos escolares. Apesar do lugar social de discriminação em que a disciplina Arte é colocada diante do vasto currículo escolar brasileiro, muitos são os(as) arte-educadores(as) qualificados(as) e conscientes da importância do apreciar, fazer e refletir artístico mediados por profissionais amantes do exercício sensível de Arte como parte do currículo.

Nossa disciplina vem sofrendo, ao longo de seu existir no currículo brasileiro, vários ataques de cunho racional e insensível que desqualificam o fazer artístico, propondo que sejam ministradas ações referentes ao ofício ou ao livre fazer, como passatempo, entretenimento e distante da seriedade do aprender sobre Arte como necessidade para a formação humana dos indivíduos. No recente golpe parlamentar, ocorrido no Brasil em maio de 2016, tivemos uma série de modificações na legislação educacional, dentre elas mais uma demonstração de ataque à disciplina e aos que nela acreditam, com a proposta de torná-la optativa (Medida Provisória nº 746/16) e depois o advento da Lei nº 13.415/17, que modifica o Art. 6º, fazendo com que o Art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passe a vigorar com as seguintes alterações:

IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do Art. 36.

Mesmo, e talvez, por vivenciarmos esse quadro discriminatório com a disciplina, motiva-nos, como artistas e professores(as) de Arte, promover nas escolas em que trabalhamos ações que auxiliem nesse pensar crítico sobre a História da Arte e sua prática atual consciente e criativa. Na condição de equipe de arte-educadores(as), estamos envolvidos(as) em projetos pedagógicos fundamentados na tríade proposta por Ana Mae Barbosa (1998) ao defender a proposta triangular, que consiste em abordagens para se construir o conhecimento em arte: contextualização histórica, fazer, apreciação.
São três ações que fortalecem e ampliam a aprendizagem em Arte-Educação: observar, fazer e refletir, num movimento espiral, contínuo, atuante, em que ver, praticar e pensar se misturam, dando origem a novos olhares, diferentes práticas e outras reflexões. A autora fundamenta teoricamente nossa tentativa de atuação com o Projeto Click Maré junto aos envolvidos, em que todos aprendem e reaprendem.

Para realização do projeto que fundamenta esta reflexão, pautamo-nos na busca por conteúdos didáticos que fomentem o interesse coletivo. Assuntos variados foram elencados, numa tempestade de ideias coletivas que culminaram na seleção unânime do conteúdo fotografia. Ação que conflui com a concepção de Barbosa, quando ela entende que

a metodologia de análise deve ser de escolha do professor e do fruidor; o importante é que obras de arte sejam analisadas para que se aprenda a ler a imagem e avaliá-la; essa leitura é enriquecida pela informação acerca do contexto histórico, social, antropológico etc. (Barbosa apud Benelli, 2009, p. 39).

Desta feita, observamos que a fotografia, como ferramenta educacional, tem um poder de conquista imediato entre os(as) estudantes, uma vez que eles(as) nasceram e cresceram em plena expansão tecnológica. Por outro lado, as tecnologias midiáticas e digitais contemporâneas são cada vez mais acessíveis. Não é mais necessário ter um equipamento fotográfico específico para a realização de boa captura de imagens; os aparelhos celulares permitem essa captura de forma mais simples (amadora) e está presente tanto no ambiente escolar como no cotidiano dos(as) educandos(as) independente do nível social.

Por essas razões, o projeto Click Maré tem uma aceitabilidade que faz fluir os temas abordados e a participação integral de todos(as) nas escolas participantes, desde corpo docente ao discente. Pincelando atividades práticas de clicar, fotografando de acordo com os temas sugeridos, com atividades teóricas, que fundamentam desde a história da fotografia até o movimento artístico selecionado em cada edição do projeto, vamos aprendendo de forma interativa.

O que é o Projeto Click Maré

O projeto é uma ação da organização não governamental (ONG) Maré Produções Artísticas e Educacionais. Com outros 12 projetos, a Maré promove ações de autoformação contínua entre seus aproximadamente 30 membros; os projetos são autofinanciados pelos integrantes e acontecem de forma sistemática, planejada e independente de esferas públicas e/ou privadas.

Descrição: C:\Users\Ailza\Documents\mare\logo maré.jpg

Logomarca criada por Cely Souza, membro da Maré.

O projeto consiste em um concurso cultural fotográfico entre escolas onde membros da Maré atuam como professores(as), pautando um tema teórico que norteia a prática da fotografia. Além das temáticas selecionadas em cada edital, antes da execução prática das fotografias os professores(as) incluem em suas aulas conteúdos como a história da fotografia – paraibana, nacional e mundial – e planos fotográficos.

Click Maré é um projeto que surgiu em 2015 diante do desejo de alguns dos integrantes da Maré de colocar em prática experiências que pautassem teoria em torno de conteúdos de interesse dos estudantes atendidos por professores(as) da disciplina Arte que integrassem a ONG. A logomarca, criada pela artista plástica Cely Sousa, que é coautora deste artigo e está presidenta da Maré, é uma imagem que, a nosso ver, transmite a essência desse fazer pedagógico em Arte-Educação.

Logomarca criada por Cely Sousa.

Selfie é um neologismo em inglês com origem no termo self-portrait, que significa autorretrato; é uma foto tiradapela própria pessoa que aparece, com um celular e compartilhada na internet. Disponível em: https:// www.significados.com.br/ selfie/. Acesso em: 03 jun. 2017.

Em sua terceira edição, o projeto já trabalhou com as temáticas: Selfie Criativa (2015), Patrimônio Cultural (2016) e Natureza Urbana, em 2017. Os conteúdos programáticos são selecionados coletivamente, entre os(as) arte-educadores(as) participantes; os temas abordados e os materiais que darão suporte pedagógico são separados e compartilhados, copiados (em caso de vídeos, músicas, slides e demais mídias digitais) ou utilizados em forma de rodízio, quando se trata de objetos artísticos, câmeras analógicas antigas, jogos pedagógicos sobre os temas, livros, gravuras e impressos em geral. Isso ocorre em reunião presencial após encontro de formatação do edital.

Após formatado, o edital é apresentado às escolas e explicado aos estudantes; um rodízio dos materiais é feito com cronograma de uso entre os membros dos objetos que nortearão a teoria abordada. Geralmente, o cronograma é elaborado paulatinamente em rede social dos membros, obedecendo às demandas peculiares de cada escola e a data limite do edital para entrega das obras – no caso, das fotografias produzidas.

Relato de experiências pedagógicas coletivas

Nosso relato de experiências pedagógicas é coletivo porque envolve quatro das pessoas integrantes da Maré que estão diretamente envolvidas com o projeto desde sua origem, bem como reflexões sobre depoimentos de estudantes premiados, além do registro visual das fotografias premiadas e dos membros da comissão do júri. O grupo de jurados(as) que compõe as edições do projeto é formado por professores(as) integrantes da Maré que atuam com Arte na educação nas diferentes modalidades de ensino, com experiência em sensibilidade artística e envolvimento teórico nas temáticas selecionadas para cada edição do projeto.


Julgamento das fotografias selecionadas de cada escola participante.

As temáticas selecionadas são trabalhadas em cada escola participante do projeto; após a execução das fotografias, ocorre em cada unidade escolar uma pré-seleção fotográfica, em que corpo docente e discente, de acordo com a temática abordada, em exposição interna, seleciona, votando abertamente, as 10 fotografias que serão encaminhadas à comissão de seleção do projeto. Diante das imagens de cada escola participante, a comissão elege os três primeiros lugares de cada escola e os três primeiros lugares gerais entre todas as escolas participantes de cada edição.

De acordo com o edital, os(as) estudantes premiados(as) em 1º lugar receberam um tablet, certificado, kit de leitura e escrita; que os 2º e 3º lugares receberam certificados e kits de leitura e escrita. Na edição de 2015, a temática Selfie Criativa, teve como premiados os trabalhos dos estudantes Lucas Cavalcante (7º ano A da Escola Municipal Carlos Neves da Franca, em João Pessoa) no 1º lugar geral; Lais Ribeiro (8º ano A da Escola E. M. Rosa Figueiredo, em Cabedelo) no 2º lugar geral; e Suzane Esther (8º ano A, da Escola Municipal Carlos Neves da Franca, em João Pessoa) no 3º lugar geral.


1º Lugar                                         2º lugar                         3º lugar
Lucas Cavalcante                        Lais Ribeiro                     Suzane

Para Lucas, a sua participação no projeto oportunizou um conhecimento mais profundo nas técnicas e na história da fotografia; ele diz “Eu gosto muito de tirar selfie, mas quando participei das aulas eu nem sabia que ia ganhar esse prêmio [...]; os conteúdos foram muito importantes porque minha tia é fotógrafa e eu quero entrar nesse ramo de fotografia”.

Além do aspecto da aprendizagem dos conteúdos que envolvem a execução desse projeto, pontuamos, por meio de um recorte da entrevista do aluno, a importância dessa ação educativa para a elevação da autoestima do estudante, pois ele, apesar de carinhoso, sempre era comparado ao irmão de forma negativa, ou seja, o irmão era o inteligente, um precoce e promissor saxofonista, e ele era apenas um menino que dava trabalho. Essa reflexão pode ser observada no fragmento da entrevista:

Professora: Lucas, diante da sua surpresa de ter ganhado, quando você foi receber o prêmio lá na Energisa, no lançamento do livro, na frente de tantas pessoas, o que você sentiu?
Lucas: Eu me senti muito importante, tanta gente inteligente lá... Que não sou acostumado ganhar prêmios assim... E sobre fotografias... Me senti inesperado, também surpreso, vergonhoso também.
Professora: Como você se sentiu diante dos seus colegas quando todo mundo ficou sabendo que você, considerado um menino levado e traquino, ganhou o prêmio principal (a máquina fotográfica) por um trabalho seu, única e exclusivamente seu?
Lucas: Quiseram tirar fotos também comigo e... Alguns quiseram tirar fotos criativas também de novo, outros, fotos normais. Acho que me deram moral...
Professora: Muito obrigada, Lucas! Fico muito feliz por você, não só pelo prêmio, pois ele foi uma consequência de todo conhecimento que você adquiriu. Realmente sua selfie foi muito criativa. Obrigada!


Lucas Cavalcante – 1º lugar na edição 2015.

O projeto premiou estudantes das modalidades Educação de Jovens e Adultos (EJA), Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio de escolas das redes municipal, estadual e privada de ensino situadas no municípios de João Pessoa, Cabedelo e Santa Rita.

As cerimônias de premiação ocorreram no Teatro Santa Catarina, em Cabedelo/PB; no Espaço de Cultura da Piolin, em João Pessoa; e no Espaço Cultural da Energisa, também em João Pessoa. Foram eventos públicos em que escolas, familiares, membros, simpatizantes e público em geral se fizeram presentes, os(as) representantes de cada escola, professores(as) e estudantes premiados(as) são convidados(as) ao palco, com muita emoção.

          
Cerimônia de premiação dos(as) estudantes na Usina Cultural Energisa.

Do processo à ação: refletindo sobre a prática

Estarmos juntos como grupo que deseja aperfeiçoar continuamente o fazer pedagógico nas escolas e demais espaços de aprendizagem onde atuamos é um de nossos desafios e desejos. Click Maré é um dos vários projetos que juntos formatamos, executamos, refletimos, avaliamos e reaplicamos de acordo com os ajustes necessários a uma outra ação no caminho cíclico de aprendizagem anos letivos afora.

Marc Prensky (2001) denomina “nativos digitais” essa geração que nasceu e cresceu com a expansão das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e vive conectada a essas mídias. Ele denomina “imigrantes digitais” as pessoas que não nasceram no mundo digital, mas em algum momento da vida se sentiram fascinadas e utilizam as várias faces das manifestações tecnológicas contemporâneas, como as midiáticas e digitais.

Une-nos o desejo de aprender cada vez mais, de praticar Arte na escola com prazer e seriedade, com criatividade e fundamentação. Esse desejo e prazer de aprender nós observamos em nossos(as) estudantes quando introduzimos a selfie nas atividades práticas dos(as) alunos(as). Foi muito instigante e prazeroso para eles(as), pois essa fotografia transveste um caráter de suma importância no cotidiano das crianças e adolescentes; é o autorretrato não apenas físico, mas também emocional. Nessa cultura de tecnologia midiática e digital, a selfie tem se tornado a voz de nossos(as) aprendizes, faz parte da essência da cultura desses(as) "nativos(as) digitais".

Para Gokhale (1995), a aprendizagem colaborativa é um método de instrução/aprendizagem no qual os estudantes trabalham juntos, em pequenos grupos, em torno de um objetivo comum. Os alunos são responsáveis pelo aprendizado uns dos outros, de modo que o sucesso de um ajuda o sucesso dos outros.

Outra questão de suma importância é a forma colaborativa presente durante todo o processo de ensino e aprendizagem. Nós, educadores(as), somos “imigrantes digitais” e, portanto, não temos a mesma facilidade de manusear e compreender as tecnologias midiáticas como nossos(as) estudantes; por outro lado, conhecemos o contexto histórico e social da fotografia e conteúdos afins; experienciamos o sabor de uma aprendizagem colaborativa , na qual, no transcorrer das atividades, alunos(as) e professores(as) colaboraram mutuamente para a compreensão, o aprendizado e as descobertas mútuas de sermos mestres e aprendizes na mesma aventura: a busca do conhecimento.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

BENELLI, Anderson. Reflexões Sobre a abordagem triangular. Disponível em: http://andersonbenelli.blogspot.com.br/2011/02/reflexoes-sobre-abordagem-triangular .html. Acesso em: 03 jun. 2017.

GOKHALE, A. A. Collaborative learning enhances critical thinking. Journal of Technology Education, v. 7(1), p. 22-30, Fall, 1995. Disponível em: http://www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/041-TC-B2.htm. Acesso em: 15 jul. 2017.

PRENSKY, M. Digital natives, digital immigrants. In: PRENSKY, Marc. On the Horizon. Trad. Roberta  de Moraes Jesus  de Souza. NCB University Press, v. 9, nº 5, oct. 2001. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/55575941/Nativos-Digitais-Imigrantes-Digitais-Prensky/. Acesso em: 05 jun. 2017.
YOKAICHIYA, Daniela Kiyoko et al.Aprendizagem colaborativa no ensino a distância – análise da distância transacional. 11º Congresso Internacional de Educação a Distância. Disponível em: http://www.abed.org.br/congresso2004/por/ htm/041-TC-B2.htm. Acesso em: 15 jul. 2017.

Publicado em 31 de outubro de 2017

Como citar este artigo (ABNT)

. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/17/21/clicando-aprendizagens-relato-de-experiencias-coletivas-no-projeto-click-mare

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