Aprendizagem mediada por signos e a construção de conceitos em uma perspectiva vigotskiana

Daniela Mendes Vieira da Silva

Doutoranda (Pemat/UFRJ)

O pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele passa a existir.
Lev S. Vigotski

Introdução

A aprendizagem está no centro das discussões atuais sobre educação; neste artigo procuramos compreender a aprendizagem mediada por signos como um processo humano. Ao longo deste trabalho buscaremos justificar e embasar essa afirmação, pois nosso objetivo aqui é discutir o papel dos signos na construção do conhecimento.

O próximo tópico é dedicado ao desenvolvimento do tema em que as relações entre instrumentos, signos, mediação, importância dos signos para comunicação e formação de conceitos são estudadas; na conclusão buscamos reunir as discussões levantadas.

Mediação, instrumentos e signos

Mediação

Para compreender a aprendizagem por meio de signos, precisamos entender alguns conceitos que irão ilustrar nosso objetivo no presente trabalho. Portanto, entender o que sejam mediação, instrumentos e signos é de importância central para o alcance do nosso intuito.

A mediação se constitui em um processo que necessita de dois elementos para ser realizada; são eles o instrumento e o signo (Figura 1).

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Figura 1: Mediação entre o sujeito e objeto.
Fonte: Ferreira, 2016, p. 1.

O instrumento é responsável pela regulação das ações sobre o meio, enquanto o signo é responsável pela regulação das ações sobre o psiquismo dos indivíduos. Segundo Rego (2004), o signo é aquilo que representa algo diferente de si mesmo; o número dois é um bom exemplo: seu símbolo numérico não se parece em nada com uma coleção de dois objetos, assim como sua representação em forma de palavra também não.

No próximo tópico discutiremos o que são instrumentos, uma vez que, para que a mediação aconteça, ela necessita de um meio para tal.

Instrumentos

Instrumentos medeiam as nossas relações com o outro, seja este outro o mundo que nos cerca ou outro indivíduo. Essa mediação acontece de forma literal, não simbólica, ou seja, o instrumento representa a si mesmo.

Algumas ideias de Vigotski trazem como discurso as relações de trabalho; evocando, portanto, uma atividade coletiva, tendo atividades coletivas reconhecidas como mediadas e a criação e utilização de instrumentos como elementos interpostos entre o trabalhador e o seu objeto de trabalho como elementos ampliadores das possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é elaborado para um objetivo específico, carregando consigo a função para a qual foi feito, além do modo de ser utilizado desenvolvido durante a história do trabalho, sendo, portanto, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo (Oliveira, 2000).

Reelaborando esse raciocínio, Rego (2004) esclarece que o instrumento existe para facilitar o alcance de determinado objetivo atuando como facilitador e, mais do que isso, facilitador de mudanças externas, uma vez que este amplia a possibilidade de intervenção na natureza (o uso de uma enxada é um bom exemplo, uma vez que esta permite maior facilidade no manuseio da terra do que as mãos humanas). Para Vigotski, o papel do instrumento é de condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; e, como ele é orientado externamente, deve necessariamente levar a mudanças nos objetos (Vigotski, 2002).

Resumindo: o instrumento tem determinada função, quando utilizado pode sofrer modificações, é um facilitador, uma ferramenta quando não tem função, somente se tornando instrumento se reconhecido por determinado grupo (por exemplo, um martelo é uma ferramenta para um grupo que desconheça o que ele seja, mas um instrumento para um grupo para o qual tenha significado). Sua função é ajudar a conduzir uma atividade.

É importante salientar que o uso de instrumentos não se restringe à raça humana, uma vez que a comunicação não é privilégio desta espécie, pois “sabe-se ainda que a comunicação não mediatizada pela linguagem ou por outro sistema de signos ou de meios de comunicação, como se verifica no reino animal, viabiliza apenas a comunicação do tipo mais primitivo e nas dimensões mais limitadas” (Vigotski, 2000, p. 11).

A seguir discutiremos o outro meio para que a mediação aconteça. Nós o faremos dentro de uma forma mais elaborada de comunicação, ou seja, trataremos dos sistemas simbólicos.

Signos

O joão-de-barro ou forneiro é um pássaro conhecido por seu característico ninho de barro em forma de forno (característica compartilhada com muitas espécies dessa família).

O uso de sistemas simbólicos separa os seres humanos dos animais, uma vez que somente com o uso desses sistemas é possível compartilhar e acumular conhecimentos; um bom exemplo disso são as casas dos passarinhos denominados “joão-de-barro” (Figura 1), que fazem sempre a mesma “casa”, recomeçando o processo a cada animal, ou seja, não há transmissão de informações de geração a geração; portanto, não há reelaboração do processo utilizado.

Os seres humanos conseguem acumular e compartilhar conhecimentos graças à existência de sistemas simbólicos, dos quais a própria escrita é um exemplo; neste momento estou compartilhando com você a minha visão acerca do tema em foco, e isso só acontece porque estamos transitando no mesmo sistema simbólico, que é a língua portuguesa, em que as palavras se referem ao nosso mundo culturalmente estabelecido e compartilhado. Observe que a possibilidade de compartilhar um sistema simbólico só é possível para nós, pois somos humanos.

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Figura 1: João de Barro e sua “casa”.
Fonte: Desconhecida.

Segundo Oliveira (2000, 1997), Vigotski trabalha com a função mediadora dos instrumentos e dos signos na atividade humana, fazendo, portanto, uma analogia entre o papel dos instrumentos de trabalho na transformação e no controle da natureza e o papel dos signos como instrumentos psicológicos, ferramentas auxiliares no controle da atividade psicológica.

Ela esclarece que os signos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; ou seja, dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. Ela completa mostrando que os signos se constituem em ferramentas auxiliadoras dos processos psicológicos do indivíduo, sendo diferentes do instrumento por não trabalharem nas ações concretas.

Ao longo da história da espécie humana – em que o surgimento do trabalho propicia o desenvolvimento da atividade coletiva, das relações sociais e do uso de instrumentos –, as representações da realidade têm se articulado em sistemas simbólicos. Isto é, os signos não se mantêm como marcas externas isoladas, referentes a objetos avulsos, nem como símbolos usados por indivíduos particulares. Passam a ser signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação social (Oliveira, 1997, p. 34).

Já vimos neste texto que tal sistema é exclusividade dos seres humanos, uma vez que é sabido que a comunicação não mediatizada pela linguagem ou por outro sistema de signos, como se verifica no reino animal, que utiliza apenas a comunicação do tipo mais primitivo e em dimensões mais limitadas, não sendo possível a transmissão e o acúmulo de informações. Essa comunicação por meio de movimentos expressivos ocorrida entre os animais não deveria ser chamada de comunicação em hipótese alguma, devendo antes ser denominada contágio. É importante observar que “a comunicação sem signos é tão impossível quanto sem significado” (Vigotski, 2000, p. 11).

A seguir iremos discutir a formação de conceitos dentro de um sistema simbólico e a sua relação com a aprendizagem.

Formação de conceitos e aprendizagem como formação de conceito

Um conceito pode ser entendido como espontâneo e como científico, embora eles possam ser entendidos como diferentes um do outro e ao mesmo tempo se aproximam, uma vez que o contexto cultural está em constante movimento e o que é científico em um contexto pode ser espontâneo em outro contexto, ou seja, não é possível diferenciá-los, uma vez que eles se interpenetram. A formação de conceitos é uma operação mental que exige que o sujeito centre ativamente sua atenção sobre o assunto, abstraindo deste os aspectos que são fundamentais, coibindo os secundários para que se chegue a generalizações mais amplas mediante uma síntese (Vigotski apud Moysés, 2014). A respeito da formação de conceitos, Vigotski acrescenta:

Nossa investigação mostrou que um conceito que se forma não pela interação de associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação específica [...], quando se examina o processo de formação em toda a sua complexidade, este surge como um movimento do pensamento, dentro da pirâmide de conceitos, constantemente oscilando entre duas direções, do particular para o geral e do geral para o particular (Vigotski apud Moysés, 2014, p. 36).

O elo central do enfoque de Vigotski no processo de aprendizagem é a formação de conceitos da criança; entendemos que a escola e o professor têm papel central nesse processo. Iremos discutir o papel do professor na sequência.

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou a palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução de um problema (Vigotski, 1999, p. 72-73).

Diante do fato de que um conceito não se forma por acaso, pois é fruto de uma operação mental a serviço da atividade prática, da resolução de problemas, convém ressaltar que um dos principais objetivos da resolução de problemas matemáticos é procurar fazer com que o aluno pense na busca de possíveis caminhos para a sua resolução e, para que isso aconteça, o ideal é propor situações-problema que o envolvam, o desafiem e o motivem a resolvê-las.

O processo da formação de conceitos [...] é um ato real e complexo do pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento [...], pois pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção, memória, lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar (Vigotski, 1999, p. 104).

Uma vez que discutimos a complexidade da formação de conceitos, se mostrou necessário analisar o papel do professor neste processo; a seguir buscamos empreender essa discussão.

Papel do professor na formação de conceitos

Zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é um conceito elaborado por Vigotski e define a distância entre o nível de desenvolvimento atual, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e a gama de possibilidades, determinada por meio de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. Quer dizer, é a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo; conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. Para mais informações, remetemos à leitura de Oliveira (1997).

O professor tem papel privilegiado na aprendizagem, uma vez que o seu espaço de atividade profissional está nas instituições dedicadas a esse objetivo. Segundo Moysés (2014), a formação de conceitos é um processo dinâmico, construído passo a passo pelos alunos em estreita interação com o professor. É importante destacar que, em termos cognitivos, a correção e o questionamento, partindo de quem ensina, tem relevante papel na aprendizagem, tendo conhecimento da zona de desenvolvimento proximal do aluno.

Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na teoria de Vigotski. Em primeiro lugar porque representa, de fato, um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvimento, mas não antes (Oliveira, 1997, p. 59).

Portanto, o docente bem preparado saberá fazer as perguntas que irão provocar desequilíbrio na estrutura cognitiva do aluno, encaminhando-a a avançar em uma nova e mais elaborada reestruturação. A seguir temos um exemplo desse tipo de postura esperada do professor. Vigotski apresenta um relato acerca do que observou em uma sala de aula e destacou como exemplo de intervenção bem-sucedida. “O professor trabalhando com o aluno explicou, deu informações, questionou, corrigiu o aluno e o fez explicar” (Vigotski apud Moysés, 2014, p. 36).

Se considerarmos a ação no simples apontamento do erro do aluno e entendermos o questionar como uma face da moeda, consequentemente a outra face será corrigir, que não se resume, em absoluto, à simples indicação do erro e na sua consequente substituição pela resposta correta. É esperado do professor que estimule em seus alunos a capacidade de isolar e abstrair o que tem importância central e inibir ideias secundárias, mantendo a ênfase no que é essencial; nesse sentido observamos que o fato de o professor ter pedido ao aluno que explicasse sua resposta se mostra como ponto alto do processo. Ao explicar seu raciocínio, o aluno pode transparecer as transformações que ocorreram em seu plano intrapsicológico, assim como as relações que ocorreram no âmbito interpsicológico. Isso será possível caso o aluno consiga expor com suas próprias palavras o assunto tratado, exemplificando dados tirados do seu cotidiano; que consiga fazer generalizações etc. (Moysés, 2014). Podemos entender esse processo como desenvolvimento conceitual.

Desenvolvimento conceitual, distinguindo substancialmente três fases (embora a questão seja muito mais complexa): fase dos acúmulos sincréticos, caracterizada pela ausência de uma referência objetiva estável; fase do pensamento por complexos, que tenta para um modo objetivo de pensar, o sujeito reconhece nexos concretos, mas não lógicos ou abstratos; fase conceitual, que opera utilizando a capacidade de abstrair (Vigotski apud D’Amore, 2007, p. 198).

Observamos então que o professor tem um destacado papel na aprendizagem, entretanto também é importante analisar o papel dos grupos nesse processo. Na sequência pretendemos analisar esse papel.

A importância dos grupos

O processo de formação de conceitos passa pela interação consigo, com o outro e com o mundo, mediada por instrumentos e sistemas simbólicos, como já visto neste texto; no item anterior discutimos o papel do professor na construção de conceitos em um ambiente escolar; ainda em relação a esse contexto, é interessante destacar que a interação entre os alunos também provoca intervenções no desenvolvimento das crianças.

Quando um membro de um grupo realiza sua atividade de trabalho, ele o faz para satisfazer uma de suas necessidades. Um batedor, por exemplo, que toma parte de uma caçada coletiva primitiva, foi estimulado pela necessidade de alimento ou talvez pela necessidade de vestimenta, que a pele do animal morto satisfaria para ele. Mas a que sua atividade estava diretamente orientada? Poderia estar orientada, por exemplo, para afugentar um bando de animais e encaminhá-los na direção de outros caçadores tocaiados. Isso, na verdade, é o resultado da atividade desse homem. E a atividade desse membro individual da caçada termina aí. O restante é completado pelos outros membros. Por si só, esse resultado – a fuga da caça etc. – não leva, e não pode levar, à satisfação da necessidade de comida ou de vestimenta. Consequentemente, os processos da atividade do batedor estavam direcionados a algo que não coincidia com o que o estimulou, isto é, não coincidia com o motivo de sua atividade; os dois estavam separados nesse exemplo. Aos processos cujo objeto e motivo não coincidem chamaremos ações. Podemos dizer, por exemplo, que a atividade do batedor é a caçada, mas afugentar o animal, sua ação (Oliveira, 1997, p. 46).

Os grupos de crianças são sempre heterogêneos quanto ao conhecimento já adquirido nas diversas áreas, e uma criança mais avançada num determinado assunto pode contribuir para o desenvolvimento das outras. Assim como o adulto, uma criança também pode funcionar como mediadora entre uma outra criança e as ações e significados estabelecidos como relevantes no interior da cultura; isso não pode ser perdido de vista pelo professor. Observamos então que o processo de ensino-aprendizagem se constitui de seus diversos atores de forma heterogênea, em que não há primazia de papéis, não obstante o papel do professor se destaque no processo.

Conclusão

Compreendemos que a mediação ocorre por meio da interação com instrumentos e signos, o primeiro não exclusivo do ser humano e o segundo sim, somente produzido, compartilhado e acessado pelo homem, uma vez que a linguagem simbólica é exclusiva deste. Dentro da linguagem simbólica nasce a formação de conceitos, que só podem estar culturalmente estabelecidos uma vez que a linguagem simbólica culturalmente estabelecida pertence a um grupo de indivíduos e não a um indivíduo em particular. Na construção de conceitos, o papel do professor e dos grupos de alunos se mostrou decisivo, uma vez que ambos podem trabalhar ativamente na construção de conceitos do aprendente.

Referências

D’AMORE, B. Elementos de didática da Matemática. Trad. Maria Cristina Bonomi Barufi. São Paulo: Livraria da Física Editora, 2007.

FERREIRA, B. V. Uma orientação didático-pedagógica para a construção do conhecimento dos métodos descritivos. Disponível em: http://www2.unucseh.ueg.br/ceped/edipe/anais/Iedipe/Gt9/9-a_orientacao.htm. Acesso em jul. 2016.

MOYSÉS, L. Aplicações de Vigotski à Educação Matemática. 11ª ed. Campinas: Papirus, 2010.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vigotski e o processo de formação de conceitos. In: Piaget, Vigotski, Wallon - Teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

______. Vigotski – aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1998.

______. Vigotski – aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

REGO, Teresa Cristina. Vigotski – Uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo : Martins Fontes, 2000.

Publicado em 18 de abril de 2017

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