Poluição visual: os alunos de uma escola pública identificam este tipo de poluição?

Miani Corrêa Quaresma

Valéria da Silva Barbosa

Bianca Venturieri

Introdução

A questão ambiental é considerada tema de grande repercussão na sociedade. Porém muitos conceitos dessa temática são incompreendidos, como a relação homem e meio ambiente, fazendo por vezes a interpretação do termo natureza excluir o ser humano (Junior et al., 2013; Venturieri; Santana, 2016).

Esse fato desassocia as relações sociais que o ser humano estabelece com o meio, tornando-o como mero observador do que o cerca, e, por consequência, desprovido de qualquer sentimento sobre o que ocasiona ao meio ambiente. Dentre essas relações, o ato de pichar é predominante em muitas escolas, em que os estudantes utilizam o “piche” como forma de expressão social, mesmo com implicações legais, visto que é caracterizada como crime ambiental (Brasil, 2011).

Tal forma de comunicação pode ocasionar poluição visual. Segundo Codato (2017), esse tipo de poluição está interligado à desordem espacial e de composição do ambiente. Porém os conceitos de legibilidade da poluição visual da paisagem urbana estão intimamente ligados à percepção individual e temporal dos usufruidores desse ambiente (Ferretto, 2007). De acordo com Portella (2003), existe algo em comum na percepção da composição visual, mesmo que haja dissonância entre grupos humanos, como o sentido de ordem e a qualidade.

Assim, a poluição visual ocasiona desarmonia e desequilíbrio no meio ambiente, seja este qual for, tornando-o artificial, o que prejudica o bem-estar daqueles que ali residem, comprometendo a saúde, via efeitos psicológicos, o que se enquadra no conceito jurídico de poluição (Lei n. 6.938/81, Art. 3º, III) (Castanheiro, 2009). Segundo esse autor, existem outras formas de poluição visual, como folhetos, folhetins e fôlderes distribuídos por empresas. Para Dantas e Silva (2008), o excesso de objetos colocados em determinado local de forma a ocasionar um ambiente desarmônico é uma das causas do cansaço visual, o que pode provocar dores, sonolência, distração em avenidas (o que é a grande causa de acidentes), por exemplo.

Assim, é de extrema importância conhecer se alunos da Educação Básica identificam a poluição visual, pois a partir de tal análise pode-se construir elementos educativos de forma a diminuir o agravamento desse tipo de poluição na sociedade por intermédio da conscientização.

Desenvolvimento

A pesquisa ocorreu na Escola Municipal de Ensino Fundamental Walter Leite Caminha, localizada no Bairro do Mangueirão, em Belém/PA, com alunos do 8° ano do Ensino Fundamental. Esse bairro está na região periférica de Belém, sendo transposto pela Avenida Independência, que fica próxima à mencionada escola. A avenida possui grande fluxo de veículos (muitos usados para propaganda) e apresenta muitas informações publicitárias ao longo (Figura 1), uma vez que interliga dois municípios que são utilizados como rota de saída da capital para o interior do Estado do Pará (Ananindeua e Marituba).


Figura 1: Avenida Independência. Os retângulos destacam as placas de trânsito, degrade de cores da sinalização e anúncios
Fonte: Prefeitura de Belém.

Quanto à área residencial, lojas, farmácias, padarias, lanchonetes e bares são os principais utilizadores da propaganda visual, com faixas, letreiros em muros de residências, banners e cartazes. Assume-se assim que os alunos estão expostos a uma gama de símbolos da indústria midiática e da poluição visual.

A escola exerce atividades nos quatro turnos, com turmas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. De acordo com as informações fornecidas pela escola, a maioria dos alunos é de filhos de trabalhadores residentes nos bairros do Bengui e Mangueirão (regiões periféricas de Belém).

A aula foi embasada em metodologia pedagógica construtivista, com apresentação de slides e vídeos (https://www.youtube.com/watch?v=s_RUj5XdMFg; e https://www.youtube.com/watch?v=hLFJhhCgx-k), para que houvesse interesse dos alunos sobre o assunto. A aula foi dividida em dois momentos, com aplicação de questionário contendo questões objetivas e subjetivas.

No primeiro momento, foram trabalhados diversos tipos de poluição na apresentação de slides, como do solo, da água e do ar, excluindo, intencionalmente, a poluição visual. Ao final, foi perguntado se havia outro tipo de poluição, a fim de testar o conhecimento prévio dos discentes sobre a temática. Nesse momento o questionário foi aplicado, sendo respondidas apenas as questões de 1 a 4.

Num segundo momento, dois vídeos foram reproduzidos, sendo intercalados com diálogo entre pesquisadores e alunos a respeito do assunto. Esse diálogo teve como intuito a participação dos discentes, a fim de que eles desenvolvessem com mais clareza suas ideias. Após o segundo vídeo, as questões de 5 a 7 foram respondidas.
As respostas dos questionários foram devidamente tabuladas em planilhas e interpretadas com base na formulação de gráficos.

Resultados e discussão

Dos 37 alunos entrevistados, 38% são do sexo feminino e 62% do masculino. As idades variam de 13 a 16 anos, sendo 57% dos alunos com 14 anos (Tabela 1).

Tabela 1: Idade, sexo dos discentes participantes e porcentagem de ambas as variáveis.

Idade (anos) Sexo
13 14 15 16 Masculino Feminino
Indivíduos 3 21 9 4 23 14
% 8 57 24 11 62 38

Fonte: Autores.
 
A maioria (84%) afirmou que apenas lixo exposto é poluente e 3% consideram que pichações são poluição. Nenhum aluno considerou anúncios, pinturas, propagandas em geral, propaganda em muros ou casas em sua resposta (Figura 2).


Figura 2: Percentual de tipos de poluições considerados pelos alunos.
Fonte: Autores.

Acredita-se que esse fato é explicável pela forma como os jovens relacionam sua identidade cultural à indústria midiática. Para Moreira (2003), o marketing forma um “ambiente cultural” no qual os indivíduos nascem e crescem assumindo como se fosse esta sua “própria” cultura. A indústria da mídia, por meio do marketing, da publicidade e de seus símbolos, está presente em nossas vidas desde muito cedo, fazendo parte do nosso cotidiano.

Outro fato a se destacar é que o Brasil produz, em média, 220 mil toneladas de lixo; o “comum” deveria ser de 125 mil toneladas (Plantier, 2012). Assim, essa poluição é facilmente naturalizada, facilitando a identificação dela em detrimento das demais, o que corrobora os dados obtidos na Figura 2.

É valido ressaltar que jovens e crianças, antes de serem alfabetizados, já foram alfabetizados pelas marcas e pelas logomarcas, e antes de aprender a falar já se apropriaram de uma forma de ler o mundo pelos ícones do consumo. Logo, uma sociedade formada para o mercado capitalista encara os anúncios como algo natural e não como poluição visual (Codato, 2017), o que justifica a dissociação, no presente estudo, por parte dos discentes, de anúncios publicitários, por exemplo, como forma de poluição, levando-os a considerar apenas as outras formas.
Outro indicador de tal realidade é que 14 discentes afirmam não se incomodar com a presença de publicidade e a distorção de imagem ocasionada pela poluição visual. Porém 10 alunos são contrários a esse posicionamento e 12 apresentam respostas incoerentes, pois não se incomodam com a presença de anúncios, propagandas, banners, totens, placas, entre outros, mas concordam que deixam a cidade “feia” (Tabela 2).

Tabela 2: Respostas dos discentes em relação à poluição visual quando questionados se ela causa incômodos

Fonte: Autores.

Discentes
Incoerência nas respostas 12
Falta de incômodo 14
Presença de incômodo 11

 

Tal resultado já foi observado de forma similar por Godoy et al. (2008); para os autores, os alunos associaram a temática de poluição à atmosférica, dos lençóis freáticos, dos rios, resíduos químicos, porém não com poluição visual. Contudo, apesar de a maioria não relacionar pichação com poluição visual, a maior parte da turma relata que a pichação faz parte de seu cotidiano, pois, segundo suas respostas ao questionário, podem ser percebidas pichações nas proximidades de suas residências (Figura 3). Tal realidade evidencia que, mesmo com o convívio com essa forma de materialização da poluição visual, poucos conseguem percebê-la como fonte poluente do ambiente.

Apesar de apenas 3% dos respondentes considerarem pichações como poluição, a maioria (23 discentes) afirma que esse é um elemento encontrado próximo à sua residência e 14 como elemento ausente (Figura 3).


Figura 3: Presença de pichações próximas à residência dos respondentes.
Fonte: Autores.

Tal fato se mostra antagônico ao fato de que, para 97% dos alunos, a pichação não é poluição, apesar de esta estar fortemente presente no âmbito escolar (Figura 4) e nas proximidades de suas casas. Assim, os alunos, ao se verem como parte integrante de uma rede social formada no convívio escolar que utiliza como meio de comunicação as pichações, se sentem parte integrante desse ambiente, não tomando para si como algo que cause estranheza ou desconforto.


Figura 4: Poluição visual presente na escola: A. Pichações no muro lateral da escola; B. e C. Pichações dentro da sala de aula; D. Marcas de batom e de tinta no banheiro feminino da escola.

Fonte: Autores.

Tal concepção errônea pode ser atribuída a erros no processo de ensino-aprendizagem. Essa realidade foi observada por Carneiro et al. (2016), para quem a maioria dos professores restringe-se, ao falar de poluição, aos temas de lixo e saneamento; foi anotada também por Costa e Gomes (2015), para quem os docentes são pouco qualificados ou formados em áreas afins (como Pedagogia e Física), para ministrar assuntos relacionados a Educação Ambiental, o que pode prejudicar o desenvolvimento dos conteúdos e corrobora a hipótese de transmissão de conceitos errôneos ao longo do processo de aprendizagem.

Em relação ao conhecimento e à ocorrência, no ambiente escolar, de poluição visual, o resultado tem padrão similar, porém é notória a incoerência entre as respostas, pois 20 discentes (54%) afirmam conhecer essa temática em período anterior à aula, mas não identificam elementos poluentes dentro da escola (Figura 5), apesar de ela apresentar esse tipo de poluição (Figura 4).


Figura 5: Conhecimento prévio (anterior à aula) e ocorrência de poluição visual (dentro do ambiente escolar).
Fonte: Autores.

Apesar de a maioria dos discentes demonstrar conhecimento prévio acerca de poluição visual, esses valores são inferiores aos obtidos por Silva e Dantas (2008). Tal desigualdade pode ser explicada pela diferença de escolaridade e idade dos entrevistados, visto que neste estudo os alunos são adolescentes entre 13 e 16 anos, cursando o nível fundamental, enquanto na outra pesquisa todos eram adultos e apenas 20% possuíam o Ensino Fundamental incompleto. Esse fato exemplifica que todo conhecimento necessita de apropriação por parte do educando, e deve ser desenvolvido com base na leitura deste com o mundo que o cerca (Saviani, 2000; Melo; Cardozo et al., 2015), podendo ser mais intensamente construído e elaborado no decorrer da promoção das séries.

Desse modo, a pichação na escola não é encarada como algo ilegal ou que cause estranheza, mas sim como forma de comunicação e expressão. Esse fato foi observado por Oliveira e Langhi (2014): para eles, os alunos de Ensino Médio não possuem postura inicial de preocupação com questões ligadas ao meio ambiente, mesmo apresentando noções acerca da poluição luminosa. Tal fato é revigorado quando os discentes não se sentem parte integrante do meio ambiente e quando poucos conseguem perceber que podem ser agentes que causem danos ao que os cerca, mesmo dependo dele para sobreviver (Malafaia; Rodrigues, 2009; Venturieri;Santana, 2016).

Para Martins (2010), muitas pichações são diretamente relacionadas às vivências e demandas experimentadas pelos alunos, os quais estão passando por significativas mudanças biológicas e psicológicas, o que leva a compreender as várias pichações relativas a sexualidade, namoro, corpo e drogas, presentes nas paredes e cadeiras. Isso expressa que esse fato é encarado como suporte nas tomadas de decisão pelos alunos para expressar situações vivenciadas no seu cotidiano.

Quando os alunos foram questionados sobre as soluções das problemáticas ambientais no que se refere a poluição visual, 80% consideram ser necessária maior fiscalização por parte das autoridades para combater; 10% consideram maior conscientização; 10% acreditam que tanto leis como conscientização (Discentes A e B na Figura 6) devem ser consideradas no combate à poluição visual (Figura 6).


Figura 6: Respostas discursivas de dois discentes em relação à ocorrência de poluição visual na escola e formas para combater esse tipo de poluição na sociedade
Fonte: Autores.

Esse resultado corrobora os encontrados por Silva e Silva (2015), para quem os alunos concebem que valores dos recursos naturais devem ser preservados pelas atitudes, tanto de cunho pessoal (favorecido pela conscientização) como coletivo (revigorado pelas leis). Tal realidade se revela de extrema importância para manter em harmonia o ambiente natural, social e cultural.

Concluímos que os alunos demonstram conhecer a questão da poluição visual, mas não sabem identificar essa temática em seu entorno. Esse fato indica a naturalização da poluição visual pela imersão do individuo nessa poluição ao longo de sua formação (Codato, 2017). Essa realidade é corroborada quando a maior parte dos discentes relata que a pichação faz parte de seu cotidiano, evidenciando que, mesmo com o convívio com essa forma de manifestação de poluição visual, poucos conseguem percebê-la como poluente do ambiente, carecendo de maior intervenção dos professores regentes sobre essa temática.

Referências

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Publicado em 22 de maio de 2018

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