A importância da Psicomotricidade Relacional na inclusão, estimulação e reabilitação de pessoas com deficiências

Marcelo Bittencourt Jardim

Educador Físico (Unipli), especialista em Psicomotricidade (IBMR)

Introdução

Segundo André Lapierre, educador físico francês e criador da prática relacional na década de setenta, a Psicomotricidade Relacional é uma prática educativa, de valor preventivo e terapêutico, que permite que crianças, jovens e adultos, expressem seus conflitos relacionais, superando-os por meio do brincar, do jogo simbólico (HTM Sonia).

Sendo assim, uma atividade baseada no brincar espontâneo ajudando a superar as dificuldades relacionais. Principalmente na interação com parceiros da brincadeira e consigo mesmo (HTM Sonia, em Método Lapierre).

É uma prática que permite que a criança consiga a expressão e superação de conflitos relacionais, interferindo de forma esclerótica (dura), preventiva e terapeuticamente sobre o processo de desenvolvimento cognitivo, psicomotor e socioemocional, na medida em que estão diretamente vinculados a fatores psicoafetivos relacionais, para então proporcionar os meios de decodificação das nuances expressas nas relações, levando em consideração seu desenvolvimento psicomotor e sócio-histórico, com a finalidade de ajudar e atender às necessidades de crianças e jovens em formação nos aspectos psíquicos, motores e emocionais que, em conjunto, influem diretamente na construção e desenvolvimento da personalidade do sujeito (Vieira; Batista; Lapierre, 2005).

A especificidade do método relacional tem como prioridade dar atenção e concentrar o trabalho sobre a relação, interação e inclusão (HTM Sonia).

No brincar, a criança está sempre acima de sua idade média, acima de seu comportamento diário. Assim, na brincadeira de faz de conta as crianças manifestam certas habilidades que não seriam esperadas para sua idade. Nesse sentido, a aprendizagem cria a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, a aprendizagem desperta vários processos internos de desenvolvimento. Desse ponto de vista, aprendizagem não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer (Vygotsky apud Oliveira, 2002, p. 132).

O brincar faz parte do dia a dia da criança; os jogos devem ser inseridos gradativamente em sua rotina, por meio do simples jogo ou do ato do brincar, melhorando a observação, a imaginação, a reflexão e a observação. É por meio do lúdico que ela começa a desenvolver suas capacidades (Sousa, apud Teixeira, 2015, p. 3).

Bittencourt argumenta que “o jogo simbólico ‘e o faz de contas – o brincar estimula a imaginação e a fantasia da criança autista. Um exemplo de faz de contas é dar comida à boneca”.

As brincadeiras são de grande importância para o desenvolvimento da criança; brincar e jogar podem ser vistos por muitos como coisas simples do cotidiano delas, porém, observando, podemos verificar que as atividades lúdicas por muitas vezes é o centro das ideias para o desenvolvimento intelectual, psicológico, emocional e social (Sousa, apud Teixeira, 2015, p. 3).

Podemos considerar que o lúdico é de suma importância para que a criança tenha um bom desenvolvimento da imaginação, da criatividade e da curiosidade.

A escola e as instituições de atendimento à pessoa com deficiência têm o papel fundamental de proporcionar as crianças atividades que desenvolvam suas capacidades físicas; é necessário que a mesma valorize a seriedade na busca do conhecimento, resgatando o lúdico, o prazer do estudo, sem reduzir a aprendizagem do aluno ao que é apenas prazeroso em si mesmo (Brasil, 1997).

O psicomotricista relacional tem que ser capaz de detectar o sentido real que se esconde por trás do simbólico, por trás da brincadeira. Ajudando, fazendo a mediação, provocando, escutando, interagindo com o outro e com seu parceiro no jogo simbólico. Identificando as dificuldades e potenciais para poder criar estratégias que contribuam para o desenvolvimento global da criança, adolescente e adulto com deficiência (HTM Sonia).

Desenvolve, assim, elementos psicomotores como lateralidade, percepção de tempo e espaço, ritmo, equilíbrio estático e dinâmico, percepção óculo pedal e manual, percepção visual, coordenação visomotora, atenção, concentração e cognição e suas valências físicas: agilidade e velocidade, a socialização, a flexibilidade e a deambulação – o andar do indivíduo (Jardim, 2012).

Segundo Bittencourt, “para existir inclusão social tem que ter interação, se não existir a interação a inclusão social está comprometida”.

Para Medeiros e Falkenbach (2008), a

Inclusão de alunos com necessidades especiais na Educação Física é bem complicada na sua história; a Educação Física no Brasil do século XIX e início do século XX estava voltada para formar indivíduos fortes e saudáveis, deixando de lado os corpos ‘doentes’, gerando com isso uma forma de exclusão.

Assim, a inclusão de pessoas com deficiência no espaço escolar é um direito de todos; é dever das instituições de ensino se adaptar para atender às necessidades dos seus alunos com deficiência, “de modo que ofereça diferentes estratégias de aprendizagem e avaliação, garantindo que nenhum aluno será excluído das atividades desenvolvidas” (Cardoso; Bastilha, 2010).

Para que haja efetivamente a prática da inclusão, os educadores precisam aprender a aceitar as diferenças individuais, incentivar e promover a valorização das pessoas e a cooperação entre elas. Portanto, a inclusão é uma ponte para a formação de um novo tipo de sociedade via suas transformações (Sassaki, 1997). A inclusão não deve ser apenas colocar um aluno com deficiência na escola comum; é, sim, saber e aprender como vamos lidar com as diferenças e principalmente como vamos lidar com as nossas emoções.

Caracterização das deficiências (estudo de caso)

Maciel, Miguel e Venditti (2009) afirmam que a deficiência pode acometer o indivíduo no todo ou em partes do segmento de seu corpo; podem ser físicas (membros superiores e/ou inferiores), auditivas, visuais (perda total ou baixa visão), mentais ou múltiplas; de acordo com esses autores, tais diferenciações podem ocorrer de acordo com cada caso de deficiência do indivíduo, ou seja, “uma alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo, sendo temporária ou permanente, decorrente de fatores inatos ou adquiridos” (Maciel; Miguel; Venditti, 2009).

Por receio ou mesmo preconceito, a maioria dos alunos com deficiências tende a ser excluída das aulas de Educação Física, mas a participação nessa aula pode trazer muitos benefícios para esses alunos, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento das capacidades perceptivas, afetivas, de integração e inserção social, que levam esse aluno a uma maior condição de consciência em busca da sua futura independência (PCN, 1998).

O professor é a pessoa com relação mais próxima e que tem maior contato com o aluno com necessidades especiais; ele é o responsável pela organização do ensino a fim de facilitar as interações sociais; seria bem mais fácil uma ação conjunta com os outros profissionais que estão presentes na escola; o certo seria que todos pudessem trabalhar juntos (Saint-Laurent, 1997), assim:

Deficiência visual com encefalopatia:

  • Encefalopatia é a lesão de uma ou mais partes do cérebro, provocada muitas vezes pela falta de oxigenação das células cerebrais. Deficiência visual é conhecida como cegueira total nos dois olhos.

Síndrome de Asperger:

  • É um transtorno do espectro autista, diferenciando-se do autismo clássico por apresentar fala compreensível. É mais comum no sexo masculino.

Deficiência intelectual e craniossinostose:

  • Segundo a AAIDD, a deficiência intelectual é definida como limitações importantes que afetam o funcionamento intelectual, tornando-o significativamente abaixo da média, acompanhada de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, competência doméstica, habilidades sociais e interpessoais. A craniossinostose é uma má-formação no desenvolvimento decorrente da fusão prematura das suturas craniais. Essas suturas são: coronal frontal (frontal do crânio), sutura sagital (parte parietal do crânio) e sutura lambdoid (parte occiptal do crânio). Neste caso é o acometimento da sutura sagital, que fica na parte parietal da caixa craniana. Quando uma sutura do crânio se fecha prematuramente, o crânio não cresce na direção perpendicular a essa sutura afetada, o que resulta em deformidades craniais. O tipo da deformidade dependerá de qual sutura foi fechada prematuramente.

Autismo:

  • É um transtorno intelectual que faz a pessoa viver em um mundo totalmente diferente. Um pouco fora da realidade/meio social.

Nossa atuação profissional

Na deficiência visual e encefalopatia, visamos estimular a busca e a procura de objetos ao redor da criança por meio do toque; desenvolver o brincar com objetos: bolas, bambolês, bonecas e túnel, para desenvolver seu engatinhar; desenvolver a estimulação sensorial (tátil e sonora), postural e proprioceptiva pelo toque.

 

Na síndrome de Asperger, objetivamos desenvolver a relação interpessoal (interação e socialização), sua atenção e concentração, o respeito a limites e regras e elaboração de conflitos internos.

 

Na deficiência intelectual e craniossinostose, a atuação visa fortalecer e enfatizar a inspiração e expiração durante as atividades, pois eles possuem crises de bronquites – desobstrução brônquica; desenvolver atividades para reduzir o atraso no desenvolvimento motor que eles possuem por meio de brincadeiras lúdicas; desenvolver atividades para reconhecimento de cores primárias, secundárias e sua coordenação motora fina e global.

Nos casos de autismo, nosso objetivo é desenvolver a interação e a socialização. Brincar faz a relação com materiais como bambolês, bolas etc. para estimulação.

 
 

Considerações finais

Por meio de todas as abordagens citadas, pretendemos trazer à luz a complexidade do assunto e a forma multifacetada de discutir os diversos fatores que podem contribuir para a estimulação e reabilitação de pessoas com deficiências.

Apesar de não ignorarmos a natureza cognitiva e mental que esse assunto pode carregar, preocupa-nos a patologização que pode ser dada ao tema quando determinados aspectos são superestimados em detrimento de outros. Assim, pretendemos mostrar com este trabalho que a Psicomotricidade Relacional é de suma importância para a estimulação, reabilitação, inclusão social e interação social de pessoas com deficiência. E que a disponibilidade do profissional é importantíssima para obter resultados expressivos e concretos.

Realização do trabalho

O trabalho foi realizado na SMPD – Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro. Todos os pacientes nas fotos são cadastrados na instituição.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física Brasília: MEC/SEF, 1998.

CARDOSO, V. D.; BASTILHA, R. R. Inclusão de alunos com necessidades especiais na escola: reflexões acerca da Educação Física Adaptada. EFDeportes.com, revista digital. Buenos Aires, v. 15 (146), 2010. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd146/inclusao-de-alunos-com-necessidades-especiais.htm. Acesso em 08 de fevereiro de 2015.

JARDIM, Marcelo B. O afeto como instrumento primordial na atuação do educador físico com crianças e jovens de comunidades carentes. Rio de Janeiro: IBMR/Laureate International Universities. Pós-Graduação Psicomotricidade (Educação e Clínica), 2012.

MACIEL, P. A.; MIGUEL, J.; VENDITTI Jr., R. Reflexões a respeito da inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais em aulas de Educação Física Escolar: concepções e formação profissional. EFDeportes.com, revista digital. Buenos Aires, v. 14 (131), 2009. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd131/pessoas-com-necessidades-educacionais-especiais-educacao-fisica.htm. Acesso em 08 de fevereiro de 2015.

MEDEIROS, J.; FALKENBACH, A. P. A relação professora/aluna com necessidades especiais nas aulas de Educação Física da escola comum. EFDeportes.com, revista digital. Buenos Aires, v. 12 (117), 2008. Disponível em http://www.efdeportes.com/efd117/aluna-com-necessidades-especiais-nas-aulas-de-educacao-fisica.htm. Acesso em 08 de fevereiro de 2015.

SAINT-LAURENT, L. A educação de alunos com necessidades especiais. In: MONTOAN, M. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paul:, Memnon, 1997.

SASSAKI, R. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.

SOUSA, Francisco J. F; TEIXEIRA, Liliane S. Lúdico na Educação Física nos anos iniciais. EFDeportes.com, revista digital, Buenos Aires, Ano19, nº 202, março de 2015.

VIEIRA, L.; BATISTA, M. I. B.; LAPIERRE, A. Psicomotricidade relacional: a teoria de uma prática. Curitiba: Filosofart/Ciar, 2005.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Site pesquisado

SAMPAIO, Sonia. Método Lapierre. Curitiba. http://www.psicomotricidaderelacional.com/a-psicomotricidade-relacional. Acesso em 08 de fevereiro de 2015.

Agradecemos às famílias que concordaram e autorizaram que as fotos viessem a público e por acreditarem e confiarem no meu trabalho. Registro aqui minha gratidão.

Publicado em 04 de agosto de 2015

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