Contribuições da Finlândia ao Ensino Médio público brasileiro
Prof. Dr. Ricardo Miguez
Prof. Rodrigo Sislian
O Ensino Médio brasileiro ainda não atende aos anseios de uma parcela da população cujo acesso ao ensino secundário vem sendo ampliado desde a LDB de 1996. O progresso tecnológico e as mudanças sociais decorrentes ainda não foram plenamente incorporados em nossas salas de aula, onde o paradigma conteudista permeia currículos e programas de ensino. No mesmo período, a Finlândia vem se destacando com reformas educacionais significativas, centradas no dever da escola secundária de responder às demandas de sua sociedade. Este trabalho analisa o chamado modelo finlandês e suas contribuições à educação oferecida em nosso Ensino Médio público para jovens com expectativas crescentes de ascensão social e de qualificação para o mercado de trabalho.
O novo olhar da Lei nº 9.394/96 sobre o papel do Ensino Médio
O Ensino Médio nas escolas públicas brasileiras encontra desafios crescentes para atender às diferentes expectativas sociais que se configuraram com a vigência da Lei nº 9.394 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996. Percebe-se, na concepção da lei, a valorização pretendida a este segmento educacional, tornando-o parte integrante da educação básica e reforçando a necessidade de sua vinculação ao mundo do trabalho e à prática social.
A implementação da lei, nas últimas duas décadas, por outro lado, esbarrou em entraves de diversas ordens, como na rigidez do modelo de Ensino Médio pensado antes de sua vigência e na capacitação dos docentes que atuam nesse segmento a respeito de suas peculiaridades. A acentuada perspectiva profissionalizante do chamado novo Ensino Médio, consoante com uma legislação produzida no período de orientação neoliberal na política brasileira, contrariou o enfoque propedêutico até então geralmente mais difundido nesta etapa de ensino. A lei não se omitiu, contudo, de ressaltar a importância da preparação do aluno para o exercício de sua cidadania, o que também lhe confere um caráter humanista. Mas, apesar disso, a orientação profissionalizante se
sobressai em diversos momentos do texto legal.
A LDB de 1996 reconhece que o Ensino Superior não deve ser a principal via de acesso ao emprego, principalmente quando considerados o custo e o tempo para a formação de um trabalhador na educação terciária. Na década de 1990, havia uma grande demanda reprimida por profissionais de nível médio, e a LDB buscou corrigir essa distorção de acesso ao mercado de trabalho. Por meio de incentivos, o Ministério da Educação estimulou a ampliação da oferta de cursos profissionalizantes nas instituições federais, o que veio resultar, quase uma década depois, na criação e ampliação dos institutos federais de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT).
A cada ano, os programas de Ensino Médio em todo o Brasil recebem um contingente crescente de alunos oriundos de realidades socioeconômicas e culturais bastante heterogêneas. Cada grupo traz diferentes objetivos para cursar a educação secundária, e quase todos chegam com maior acesso à informação e a recursos de tecnologia do que a geração da década de 1990 para a qual nossa escola atual foi pensada.
Talvez em nenhum outro momento na história brasileira o avanço tecnológico, com sua influência direta em nossa interação social e no acesso ao conhecimento, demandou tanto a atualização das nossas formas de pensar nossas escolas e nossos currículos. Nossa LDB já não corresponde mais a todas as expectativas que a sociedade tem de nossas escolas e, aos poucos, nos tornamos um registro histórico de práticas ultrapassadas de sala de aula e de programas de ensino anacrônicos.
Se olharmos para a nossa legislação educacional vigente e para os recursos e as demandas do mundo exterior às escolas, veremos um descompasso muito grande. Essa diferença afeta a valorização social de nossas instituições de ensino e a motivação de nossos docentes, além, é claro, de limitar a atualização e a amplitude da formação que seríamos capazes de oferecer aos nossos alunos.
A escola que não evolui com a sociedade perde sua capacidade de reter e interessar o seu corpo discente. A instituição escolar se transforma em um registro inerte de demandas do passado e fica incapaz de atuar no hoje com um olhar para a vida futura do aluno. Para ser uma agente de mudança na sociedade e para contribuir significativamente para a inserção social de nossos jovens, como previa a LDB de 1996, a escola deve atuar, conforme discutiremos na sequência, na berlinda e não na retaguarda da sociedade.
O Ensino Médio de hoje: pensado ontem sem enxergar o amanhã
Nos anos 1990, adaptamos nossos currículos e nossas modalidades de ensino, propedêuticas e profissionalizantes, ao previsto na legislação federal vigente ao final daquela década. Agora, entretanto, falta trazer nossos programas e a nossa prática de ensino para o século XXI, para dialogarmos de forma mais efetiva com os alunos e a sociedade atual, cujos anseios nem sempre refletem os considerados pelos legisladores da LDB de 1996.
Atualmente, percebemos uma diversificação no ingresso de alunos no Ensino Médio público, oriundos de segmentos da população outrora distantes do ensino secundário. Apesar disso, os índices de absenteísmo e de evasão escolar, segundo os últimos dados disponíveis (cf. INEP, 2013; IBGE, 2010) ainda estão além do admissível. Dados do PNUD (2013) também sugerem que nosso Ensino Médio ainda não produziu todos os avanços qualitativos esperados ao longo das últimas décadas.
Avaliações nacionais (INEP, 2013) e internacionais (OCDE, 2015a, b) indicam que nossos jovens concluintes do Ensino Fundamental estão abaixo da média esperada para a sua faixa etária em exames padronizados. Essas dificuldades identificadas serão levadas adiante para o Ensino Médio, que talvez não tenha condições de remediá-las no tempo já bastante exíguo para trabalhar currículos que costumam ser muito extensos.
O interesse dos jovens em cursar o Ensino Médio pode ser atribuído às melhorias nas condições de acesso aos programas e à crença de que a educação secundária é a ponte necessária para o mercado de trabalho ou para a educação superior, que ainda se mostra socialmente mais cobiçada por concentrar a maior remuneração média em seus egressos. Um Ensino Médio socialmente mais valorizado virá como consequência direta de conseguirmos mostrar aos nossos jovens que a escola dialoga com suas preocupações e atua em seu benefício, sempre almejando que, ao término desse ciclo de estudos, os diplomados estejam bem preparados para ingressar no mercado de trabalho ou em um curso superior. Cada vez menos a sociedade aceita um modelo de escola que impõe o seu ensino como um valor inquestionável, em detrimento das necessidades da comunidade ao seu redor.
Os jovens que hoje ingressam no Ensino Médio público buscam mais do que apenas a transmissão formal de conhecimentos, objetivo maior de gerações anteriores, oriundas de classes sociais com mais acesso a experiências culturais e sociais diversificadas fora do espaço escolar. A geração atual espera a mediação escolar no seu acesso a esses mesmos saberes, o que é pertinente aos interesses de uma classe social em ascensão.
Cada nova geração que recebemos em nossas salas de aula está mais distante de suas antecessoras, seguindo uma lógica de evolução que acompanha, em intervalos cada vez menores, a rapidez do progresso científico e tecnológico. Os avanços das últimas décadas equipam os alunos com novas ferramentas e com novas formas de interagir com o mundo antes mesmo que elas sejam incorporadas pelos professores e pelas instituições. Os jovens no Ensino Médio buscam uma transição cada vez mais contígua entre o que a escola lhes oferece e o que lhes está disponível do lado de fora de nossos portões.
Nossos currículos, entretanto, não conseguem acompanhar o ritmo dessas demandas e tampouco sabemos como aliar, rapidamente, as inovações tecnológicas e suas aplicações didáticas ao nosso trabalho. Metaforicamente, os professores são os responsáveis por ensinar estudantes que se comunicam entre si em uma língua na qual seus tutores têm pouca fluência.
O Ensino Médio que oferecemos parece exigir que a sociedade involua para se readaptar ao que estamos acostumados a oferecer. Um exemplo disso é o uso de celulares nas salas de aula: os alunos sabem que, a partir de seus celulares, podem ter acesso a mais conhecimento do que dispomos em nossas bibliotecas. Ainda assim, o uso de celulares nas escolas brasileiras é proibido por legislação específica em vários estados, nos quais o legislador ingressa no ambiente escolar para torná-lo ainda mais antiquado. Isso ilustra o conservadorismo que ainda reside na escola, a ponto de precisar ser protegido por lei. Os docentes e os gestores escolares parecem ser vistos como incapazes para, eles próprios, proibirem ou, mesmo, orientarem o uso de celulares em suas instituições. Há pouco espaço para o professor atuar sobre os princípios que norteiam a sua prática, o que pode ser um dos motivos para o interesse cada vez menor dos jovens pelos cursos de licenciatura.
Embora a LDB delegue uma série de decisões de planejamento e gestão para cada instituição de ensino, as grandes decisões permanecem nas mãos de políticos com pouca (se alguma) familiaridade com a rotina escolar. O docente torna-se mero espectador do processo, enquanto o legislador baliza a atuação e a autonomia do professor de acordo com o seu próprio entendimento a respeito da educação.
Essa dinâmica faz com que a capacidade de resposta das escolas às mudanças na sociedade esteja predominantemente subordinada às vontades políticas em outras esferas e não seja uma decisão local, a cargo dos professores. Aos docentes resta a possibilidade de desempenhar mudanças pontuais que terão efeitos sistêmicos limitados sobre o Ensino Médio em suas instituições.
Por que olharmos para a Finlândia?
Buscarmos experiências bem-sucedidas em países com industrialização recente, como o nosso, poderá nos legar boas práticas educacionais que talvez sejam úteis nos dias de hoje. A Finlândia, um dos últimos países do norte da Europa a se industrializar, tem uma história de grande sucesso no âmbito da educação, que é respeitada como a principal ferramenta para o desenvolvimento daquele país.
A Finlândia é um dos países com a menor desigualdade de renda da Europa, com uma população etnicamente homogênea e cujo idioma principal, o finlandês, surgiu isolado das principais famílias linguísticas europeias. Esse distanciamento étnico e linguístico não se arrefeceu com os períodos de ocupação sueca e russa. Influências ficaram na adoção do sueco como segunda língua e no forte desenvolvimento industrial liderado pelos russos. Contudo, a Finlândia ainda é um dos países menos internacionalizados no norte da Europa, com percentuais de imigração muito baixos, quando comparados com seus vizinhos escandinavos.
Os finlandeses submeteram a educação ao escrutínio da sociedade para entender que papel social a escola poderia desempenhar em seu país e como o seu governo entendia a atuação necessária das instituições de ensino para o desenvolvimento econômico da nação (Sahlberg, 2011). Ambas as visões foram conciliadas pelos docentes, que se valeram do respaldo governamental e do interesse da população para desenhar programas de ensino que atendiam às expectativas de todos os envolvidos.
Para os finlandeses, historicamente, a escola surge das necessidades da sociedade e precisa ter a autonomia e a adaptabilidade necessárias para acompanhar essa sociedade em suas mudanças frequentes. A escola finlandesa reconhece que não cabe a ela ditar sua visão do que deve ser importante para a sociedade. Ao contrário, a escola absorve as demandas da sociedade e sistematiza os conhecimentos necessários para atendê-las.
A Finlândia vem sendo referência, há mais de uma década, como modelo educacional, ostentando excelentes resultados de seus alunos em provas internacionais (OCDE, 2014; World Bank Institute, 2014). Paralelamente, o país nórdico tem desenvolvido uma eficiente rede de divulgação internacional de seus méritos, com pesquisadores que se apresentam ao redor do mundo com ideias e histórias que inspiram os gestores educacionais a buscarem essa mesma capacitação para o seu modelo doméstico. Algumas universidades finlandesas contam, inclusive, com departamentos de internacionalização do modelo educacional finlandês e são comuns conferências nacionais para discutir este tema.
A educação finlandesa ingressou na pauta de exportações daquele país e, se enxergarmos além do marketing, poderemos vislumbrar ideias inovadoras que não costumam estar disponíveis na formatação padronizada do chamado modelo finlandês que suas instituições vendem ao redor do mundo. O modelo de educação que os finlandeses estão prontos para exportar atende muito bem às realidades que eles conhecem: os mercados dos Estados Unidos e da União Europeia, cujos desafios educacionais são distintos dos encontrados no Brasil. A gestão da educação e de práticas educacionais envolve sempre considerar a cultura local; por isso, é necessário conhecer a realidade de cada país (e, principalmente no caso brasileiro, de cada região) para podermos responder de forma mais precisa às suas demandas locais de aprimoramento da educação.
Por esse motivo, qualquer solução pronta e rotulada como “modelo finlandês” dificilmente atenderá nossas necessidades no ensino público brasileiro. Entretanto, quando conhecemos a realidade educacional finlandesa in situ, desvendamos que o seu maior potencial de contribuição à educação brasileira não advém do que eles se sentem preparados para vender, mas do que eles consideram tão corriqueiro que não valorizam o suficiente para mostrar.
Atualmente, o país nórdico tem um intercâmbio crescente de docentes brasileiros em programas de capacitação para o magistério da educação básica e profissionalizante. Duas edições do programa Professores para o Futuro, promovido pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC), com o apoio do CNPq, contemplaram com cursos de formação docente, em universidades finlandesas, mais de três dezenas de professores brasileiros dos Institutos Federais de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT).
O magistério na Finlândia é uma profissão socialmente prestigiada e a seleção para o ingresso nos cursos de licenciatura é bastante concorrida. Uma vez docente, o profissional finlandês terá uma autonomia de atuação muito maior do que a geralmente atribuída aos docentes brasileiros. Os cursos de licenciatura são muito valorizados e, por isso, professores que atuam em escolas de Ensino Médio profissionalizante e cuja formação superior não ensejou o título de licenciado, como engenheiros, por exemplo, também precisam lograr aprovação em um curso especial de licenciatura chamado de treinamento para a educação vocacional (o ensino vocacional equivale ao Ensino Médio profissionalizante brasileiro) (cf. AEDEE, 2014).
Um dado cultural importante a respeito daquele país é que os finlandeses não escolhem sua profissão buscando uma segurança financeira, pois qualquer carreira que escolham lhes franqueará uma vida digna, sem discrepâncias abissais entre profissões mais manuais, como jardineiros e faxineiros, e mais intelectuais, como juízes e médicos. Esse é um elemento que nos permite antecipar como seus alunos de Ensino Médio se sentem menos pressionados a escolher a segurança financeira ao invés de sua vocação ou mesmo da própria vontade do jovem de trabalhar em uma profissão menos complexa, como pintor ou lixeiro.
Na ótica finlandesa, a escola não é a responsável por preparar futuros acadêmicos ou cientistas. A escola deverá preparar mão de obra com diferentes níveis de especialização (Hietala, 2014), pois, em uma análise objetiva, a finalidade da vida escolar é preparar o indivíduo para a vida em sociedade, que invariavelmente envolverá a sua participação no mercado de trabalho.
O ensino propedêutico perdeu espaço na educação finlandesa nas últimas décadas e seu sistema de ensino também não poderia ser identificado apenas com o ensino profissionalizante. O princípio norteador do atual sistema finlandês seria o ensino para a vida, no sentido mais estrito: os conhecimentos que serão importantes para os estudantes aplicarem imediatamente em questões da sua vida diária.
Muito do sucesso do modelo educacional finlandês está intrinsecamente atrelado a valores sociais e econômicos daquele país e não há como ser exportado e adequado para o contexto de um país em desenvolvimento. Por outro lado, há princípios e estratégias importantes no ensino finlandês que podem ser tropicalizados, para o benefício de nossos alunos de Ensino Médio, sem a necessidade de mudanças na LDB brasileira. Descreveremos, a seguir, algumas sugestões oriundas do trabalho que desenvolvemos acompanhando turmas de Ensino Médio e Vocacional durante os meses
em que estagiamos na Finlândia.
Contribuições do modelo finlandês para o Ensino Médio brasileiro
Na edição de 2008 do PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), brasileiros e finlandeses estiveram em pontas opostas na classificação geral (OCDE, 2009). Nossos jovens ocuparam o topo da lista do PISA nas questões que avaliavam o seu grau de motivação e de interesse para estudar ciências, enquanto os finlandeses foram os que demonstraram o menor interesse.
Por outro lado, no exame propriamente dito dos conteúdos de ciências, os finlandeses obtiveram, com vantagem, uma primeira colocação, enquanto os brasileiros ficaram na última posição.
A inversão de posições chama a atenção para o fato de que nossos alunos estão interessados na aprendizagem. Esse dado, por si só, seria um aspecto muito positivo. Por que, então, nosso Ensino Médio de hoje não é capaz de produzir resultados quantitativos um pouco mais destacados? Mesmo que ignoremos o PISA, ou qualquer outro exame como uma ferramenta para pesquisarmos a realidade do nosso ensino, outros levantamentos de dados sugerem que o nível de aproveitamento de nossos alunos ainda não está em um patamar satisfatório (cf. PNUD, 2013).
Há muitas maneiras de tentar entender essa realidade sem recorrer a argumentos externos ao ambiente escolar. Talvez demandemos mais dedicação de nossos alunos do que eles estejam dispostos a oferecer aos nossos programas de ensino.
Quiçá o problema resida em nós, docentes, por estabelecermos objetivos homogêneos para nossos discentes e não considerarmos seus interesses individuais e peculiaridades de aprendizagem. Outra explicação possível para nossos alunos não conseguirem efetivamente aprender tudo o que ensinamos é que eles talvez não precisem de tudo que nos propusemos a lhes ensinar: nosso currículo pode estar em descompasso com as necessidades de nossos aprendizes. Ou (não podemos excluir essa possibilidade) talvez nossas escolas estejam calcadas em modelos conteudistas com um padrão de interação professor/alunos bastante restritivo e seja difícil para nossos alunos, acostumados a uma multiplicidade de estímulos simultâneos em suas rotinas, se adaptar a um padrão tão limitado de transmissão de conhecimentos.
Entender mais sobre o ensino na Finlândia pode nos permitir enxergar alguma estratégia de ensino que tenhamos ignorado ou alguma forma de organização da rotina escolar que ainda não seja do nosso conhecimento. Se conseguíssemos aliar o interesse do aluno brasileiro ao efetivo aprendizado de conteúdos relevantes, teríamos um modelo educacional capaz de desempenhar uma contribuição mais significativa para nossos jovens e para a nossa sociedade.
Para orientar nossa proposta neste trabalho, selecionamos alguns princípios norteadores da educação na Finlândia cuja implementação é viável a partir do docente e da gestão de cada instituição. Eles se dividem em três eixos que entendemos ter maior destaque, que detalharemos em seguida:
- Princípios de currículo e aprendizagem continuada;
- Princípios de avaliação e acompanhamento discente; e
- Princípios de organização e uso do espaço escolar.
Princípios de currículo e aprendizagem continuada
Aprendizagem significativa
Os conteúdos das disciplinas precisam sempre ser relevantes para os alunos, e essa relevância precisa ser acompanhada de uma estratégia de ensino que ressalte para o discente a importância de determinado conhecimento para suas necessidades imediatas.
Um dos pilares da aprendizagem significativa é que o aluno perceba que não está diante de uma lista de conteúdos prevista por força de uma norma institucional: o aluno deve, por si só, saber justificar sua relevância. Quando o aluno não consegue entender a relevância de uma lição, seu aprendizado será muito mais difícil e, quiçá, improvável.
Transpondo para o contexto brasileiro esse princípio tão básico e, por si só, sem nenhuma inovação, podemos refletir se nossos alunos são capazes de identificar a relevância de tudo o que aprendem no Ensino Médio. Não questionamos que eles já sejam capazes de atestar a importância do que apresentamos, pois dizemos a eles que tudo o que ensinamos é importante. Mas o fato é que a utilidade dos conteúdos previstos no Ensino Médio pode não ser tão óbvia para os estudantes, como talvez também não seja para os docentes que, por vezes, justificam a inclusão de determinados
conteúdos no currículo escolar com o argumento de que “mais adiante, se o aluno for estudar em determinado curso superior, ele poderá...”.
Se partirmos da premissa de que o Ensino Médio é um fim em si mesmo e de que não devemos pressupor que nossos alunos cursarão o ensino superior, talvez pudéssemos propor uma redução no programa de diversas disciplinas, deixando assuntos mais complexos para serem trabalhados em etapas seguintes e apenas com os alunos para quem tais conhecimentos serão úteis. Dessa prática decorreria uma espantosa redução nos programas das disciplinas escolares, permitindo que tivéssemos mais tempo para lecionar conteúdos importantes e para trabalhar questões afetas à função social da escola, como os temas transversais, por exemplo.
Como previsto na LDB de 1996, precisamos discutir valores de cidadania e organização social que não costumam ser facilmente incorporados em nossos extensos currículos atuais e acabam sendo legados a atividades pedagógicas secundárias, voluntariamente desenvolvidas por alguns docentes.
A Finlândia já incorpora em seus currículos temas importantes para a vida futura de seus jovens e seria válido termos espaço em nossos programas para incluir conteúdos similares que, atualmente, estão em um limbo não coberto por nenhuma disciplina específica, como direito do consumidor, noções de saúde pública, noções de direito constitucional, prevenção e combate a incêndio, economia doméstica, noções de culinária, segurança no trânsito para pedestres e ciclistas, entre outros.
Abordar esses temas hoje pode nos parecer muito distante da função de nossas escolas, como outrora nossos temas transversais também já foram considerados. Entretanto, esses conteúdos costumam ter um grande apelo positivo junto ao corpo discente e contribuem sistemicamente para uma melhor avaliação dos estudantes em relação à educação que recebem na escola. O princípio da aprendizagem significativa prevê a inclusão de conhecimentos que, às vezes, extrapolam os limites das disciplinas tradicionais, mas contribuem para aumentar a relevância da escola junto aos seus
estudantes.
Aprendizagem continuada e habilidades de pesquisa
Ao aluno finlandês é ensinado que o aprendizado não se limita à sala de aula ou aos seus anos de permanência na escola. A Finlândia reconhece que o aprendizado poderá se dar fora do espaço escolar desde que o aluno saiba como acessá-lo. A internet disponibiliza uma imensidão de conhecimentos que vão muito além do que uma pessoa nascida antes da sua invenção poderia almejar. Para que o conhecimento acessível online possa ser transformado em aprendizagem, os finlandeses encorajam seus alunos a desenvolver habilidades de pesquisa a todo momento. Durante sua vida escolar, os alunos serão os responsáveis por incontáveis pesquisas solicitadas pelos professores, que orientarão os jovens no emprego correto de estratégias eficazes de mineração de dados.
As aulas na Finlândia exigem muito da participação dos alunos. Grande parte do tempo em sala de aula é gasto com a participação efetiva dos estudantes; o professor é secundário na maioria das atividades. Os alunos estão acostumados à ideia de que, constantemente, devem pesquisar de antemão os conteúdos que serão apresentados em sala pelo docente que, por sua vez, incentiva a pesquisa realizando atividades que agucem a curiosidade do aprendiz. O resultado da pesquisa dos alunos é usado pelo professor em sala de aula como material para a apresentação de novos conteúdos. Por vezes, os próprios alunos apresentarão a aula sob a supervisão do professor, que os divide em grupos responsáveis por aspectos diferentes do assunto a ser abordado.
O aluno finlandês aprende que ele é capaz de acessar o conhecimento disponível, na maioria das vezes, pela internet e fazer praticamente todo o trabalho de construção de novos conceitos para si mesmo e para os demais colegas. O professor é um estimulador e um espectador, que corrigirá o rumo da atividade quando necessário. Tudo aquilo que o aluno descobre por si só será mais relevante para ele e terá mais chances de ser efetivamente aprendido (e não apenas retido até uma próxima avaliação).
O aprendizado, por esse modelo, surge dos alunos para os próprios alunos, o que os ajuda a se tornar aprendizes autônomos, um conceito muito importante na Finlândia. Não é mais concebível a ideia de que o aluno deverá adquirir todo o conhecimento durante seus anos escolares. Este é um modelo ultrapassado, pois parte do pressuposto de que o conhecimento que o aluno não adquirir em sala de aula ele não conseguirá mais obter. Hoje em dia, todo o conhecimento disponível no mundo segue os jovens, em tempo real, em seus celulares; cabe ao professor ensinar seus alunos a acessá-lo e organizá-lo.
A escola brasileira precisa mudar seu enfoque: não devemos priorizar o acúmulo de conhecimentos, mas enfatizar estratégias de mineração de informações. Este é um paradigma difícil de ser alterado, pois os professores precisam confiar em tecnologias que não existiam quando eles próprios estavam em seus anos de formação. Os docentes devem ingressar no uso das novas tecnologias para se manter em diálogo com seus alunos, pois nossos jovens fazem uma leitura muito diferente do mundo, se comparada à que fazíamos quando tínhamos a idade deles. Hoje há recursos para a resolução de problemas e para a interação social que sequer imaginaríamos há duas décadas. Essa discussão nos leva ao próximo princípio que nos interessa considerar.
Aprendizagem para o século XXI
A escola precisa estar atualizada para entender as mudanças tecnológicas em curso na sociedade, que nos traduzem o mundo no qual nossos alunos precisam estar preparados para atuar. Com o crescimento da internet e de novas formas de aprendizagem e de comunicação, nosso corpo discente precisa estar familiarizado com as chamadas habilidades para o século XXI, difundidas na Finlândia com o status de tema transversal, para usar um parâmetro de comparação com a legislação brasileira.
Embora ainda não seja um conceito unificado e codificado, diferentes autores apontam uma série de habilidades que fazem parte da nossa sociedade atual e que serão, em geral, úteis aos nossos alunos em contextos sociais, educacionais e profissionais. Diferentes organizações escolares listam diversas habilidades sob essa nomenclatura, mas, em comum, costumamos encontrar as seguintes:
- Habilidades de inovação e aprendizagem
- Pensamento crítico e resolução de problemas
- Criatividade e inovação
- Comunicação e colaboração
- Letramento visual e verbal
- Letramento científico e numérico
- Pensamento interdisciplinar
- Habilidades de informação, mídia e tecnologia
- Letramento em mídias, comunicação e tecnologias da informação
- Habilidades para a vida e a carreira
- Flexibilidade e adaptabilidade
- Iniciativa e Direcionamento
- Habilidades sociais e interculturais
- Produtividade, liderança e responsabilidade
O trabalho com essas habilidades como parte da rotina escolar contribui para atualizarmos nossas instituições em relação ao que é relevante para os alunos. Os professores podem incluir essas habilidades em seus componentes curriculares sem que necessariamente seja necessário abordá-los explicitamente fora do contexto das disciplinas regulares. O mesmo procedimento é atualmente sugerido para os temas transversais (ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo) em vigor desde a implantação da LDB de 1996. Os temas transversais brasileiros se caracterizam por serem habilidades mais pertinentes ao século XX, embora ainda sejam questões não plenamente incorporadas à realidade de todos os nossos alunos. Contudo, não podemos negligenciar a importância de atualizarmos esses temas para as demandas do nosso século atual.
Os jovens finlandeses se habituam a esses conhecimentos desde os primeiros anos do ensino básico e são gradativamente mais preparados, ao longo dos anos, para atuar com naturalidade nesse conjunto de habilidades necessárias para o exercício de uma profissão no século XXI.
Os alunos brasileiros de Ensino Médio também poderiam se beneficiar do trabalho com essas habilidades. Elas são complementares aos princípios anteriores de aprendizagem significativa e continuada, uma vez que dialogam tanto com os conteúdos propostos nos currículos escolares como com a necessidade dos alunos de se adaptarem às exigências de uma sociedade do conhecimento em constante evolução tecnológica.
Princípios de avaliação e acompanhamento discente
Plano de curso customizado e avaliação individualizada
Os professores finlandeses seguem um currículo nacional bastante vago e genérico que não prevê conteúdos específicos. Nossos Parâmetros Curriculares Nacionais, com suas descrições das competências amplas esperadas do aluno, seriam um documento similar. Individualmente, as escolas definem seus currículos locais com complementações (ou subtrações) que contemplem as necessidades percebidas com a constante avaliação dos seus formandos, feita por meio de entrevistas com seus empregadores, caso ingressem diretamente no mercado de trabalho, ou com seus orientadores acadêmicos, caso prossigam para o ensino superior.
Uma etapa ainda maior de delimitação de conteúdos poderá ser encaminhada individualmente pelo regente de uma disciplina, que possui autonomia para restringir o programa de determinada turma caso perceba que seus alunos não atingirão os objetivos propostos para o restante da instituição. Essa personalização do currículo ao nível da turma permite que o professor garanta que, mesmo que o programa original não tenha sido cumprido, as etapas realizadas foram significativamente aprendidas pelos alunos.
O docente finlandês pode aprofundar determinados assuntos que ressoem produtivamente em uma turma e, em um exemplo extremo, deixar de introduzir outros conteúdos que, apesar de terem sido considerados importantes em uma primeira análise, perderam a relevância para aquele grupo de alunos. Desnecessário argumentar aqui que tais decisões exigem muita cautela do docente para que os programas dos anos subsequentes não sejam afetados. Entretanto, o currículo dos anos posteriores sempre permitirá adaptações a priori para adicionar conhecimentos que não foram incluídos na série original para a qual estavam previstos.
Cada aluno finlandês possui uma ficha individual de avaliação onde estão registrados os seus progressos e as suas dificuldades. O professor poderá negociar individualmente com cada estudante quais objetivos são realistas, na expectativa do aluno, para serem alcançados em determinada disciplina. Os objetivos com que o jovem concordar em se empenhar poderão ser atitudinais, como realizar as tarefas de casa, ou cognitivos, como se comprometer a estudar mais determinado assunto. O aluno também poderá se comprometer a fazer pelo menos uma contribuição significativa durante discussões em aula ou mesmo não solicitar com muita frequência para se ausentar de sala para ir ao banheiro ou ao refeitório. Os estudantes têm necessidades individuais de desenvolvimento que essa abordagem pretende identificar e aprimorar.
Qualquer objetivo aceito pelo docente e definido com o aluno poderá ser considerado para a avaliação do discente, e essas fichas individuais de progresso serão os balizadores do aproveitamento do aluno durante um período letivo. Cabe ao professor acompanhar a evolução dos alunos nos objetivos acordados para cada disciplina e, sempre que oportuno, encorajar o aluno a esperar mais de si mesmo, ampliando os objetivos previstos.
Pela experiência relatada por diversos docentes finlandeses, quando acostumados com essa forma de avaliação desde cedo, os alunos aprendem que o importante é atender aos objetivos que eles assumem com eles mesmos (sob a supervisão dos docentes) e não meramente obter uma determinada nota que seria esperada deles. Um bom aluno de esportes poderá se comprometer a participar de mais uma modalidade durante um período letivo, enquanto outro aluno menos destacado em atividades físicas poderá ter, comparativamente, um progresso muito maior se assumir o compromisso de participar de uma única modalidade sem perder nenhum dos treinos semanais.
O docente atua como orientador dessas metas individuais, sem perder de vista os objetivos gerais de sua disciplina no período letivo. Contudo, ao invés de tentar homogeneizar o aprendizado dos estudantes em torno de um currículo comum, o professor reconhecerá a heterogeneidade de seus alunos e trabalhará com ela. O acompanhamento desse trabalho permitirá ao docente uma avaliação tanto qualitativa como quantitativa do desempenho de seus alunos ao longo de todo o processo,
possibilitando que sejam feitas intervenções e encaminhamentos sempre que for necessário corrigir o andamento de determinados alunos.
Ao término de um período letivo, as fichas individuais e os resultados de outras modalidades de exame propostas pelos docentes serão a avaliação final dos alunos. Dificilmente um aluno terá de refazer uma série, pois a reprovação foi praticamente abolida na Finlândia. Metas que não forem atingidas poderão ser levadas para a ficha do aluno no ano letivo seguinte e, em sua ficha individual, o estudante verifica regularmente quais objetivos estão (ou não) sendo cumpridos por ele. Com isso, não é apenas o docente que possui recursos para o acompanhamento do progresso de seus alunos. O próprio discente amadurece seu senso de responsabilidade quando é capaz de entender e atuar sobre o que é esperado dele.
O fracasso em cumprir as metas não é sancionado com a reprovação, pois esse recurso não garante que o aluno perseguirá os objetivos não alcançados com mais afinco ao refazer a série. Ao contrário, a reprovação poderá ser um fator de desmotivação para o estudante.
O progresso global do aluno é avaliado ao final de ciclos de estudo, que seriam equivalentes aos nossos ensino infantil, ensino fundamental e ensino médio. Ao término de cada um destes três ciclos, os objetivos mais amplos do segmento serão avaliados como tendo sido atendidos ou não (ensejando atividades individualizadas de reforço). As avaliações parciais em cada série escolar, anuais ou bimestrais, costumam ser consideradas diagnósticas, pois os professores finlandeses acreditam que seus alunos ainda poderão se recuperar nos anos subsequentes antes do término de determinado ciclo.
Para os finlandeses, essa é a solução mais coerente para responder às necessidades de sua sociedade: não é do interesse do país reter alunos que dominem um mínimo de conhecimentos necessários para ocupar alguma atividade no mercado de trabalho. Não é exigido que um aluno seja aprovado com louvor nas ciências duras, por exemplo, para que ele exerça uma profissão e contribua para sua sociedade.
Este planejamento individualizado pode soar utópico na realidade brasileira, pois em geral esperamos que nossos alunos compartilhem uma base comum de conhecimentos mínimos ao final de um período letivo. Naquele país nórdico, por sua vez, o mais importante é que cada aluno atinja, ao término de um ano letivo, o seu potencial individual, que poderá ser uma pequena fração dos objetivos globais atingidos por sua turma, que, na média, tem entre 20 e 30 alunos. Essa abordagem parte do pressuposto de que uma aprendizagem limitada, porém efetiva, é o mais importante perante a sociedade.
Necessário ressaltar que esse modelo não funciona, na prática, como uma aprovação automática. Ao término do Ensino Básico ou do Ensino Médio, os alunos deverão dominar determinados conceitos mínimos em casa disciplina. A liberdade que alunos e professores possuem para determinar seus planos individuais de aprendizagem precisa almejar, ao fim de cada nível de ensino, este denominador comum. Um aluno que tenha sérias limitações na aprendizagem destes conteúdos, incontornáveis apesar do esforço de diferentes docentes, deverá ser encaminhado para a educação especial, como
veremos na sequência.
Atenção individualizada ao aluno
Na Finlândia, como já apresentamos, o profissional da educação não deve lecionar os conteúdos indiscriminadamente para todos os estudantes em uma mesma turma: ele precisa conhecer seus alunos para poder atendê-los em seus potenciais e dificuldades individuais. A incomparável autonomia do professor naquele país se origina na responsabilidade outorgada a ele para customizar, sempre que necessário, um plano individual de aprendizagem para um (ou vários) de seus alunos; a finalidade é
aproveitar as potencialidades destes jovens ou desenvolver suas limitações. O docente precisa ter a capacidade de identificar e fazer os encaminhamentos necessários para que todos os alunos tenham a oportunidade (e não a garantia) de um desempenho similar.
O professor poderá solicitar à escola horários de aulas de reforço para um ou mais de seus alunos. Nessas aulas, conceitos essenciais serão trabalhados com maior minúcia para atender às necessidades particulares desses jovens. Se, em última instância, os estudantes não aprenderem determinados conceitos, eles serão encaminhados para aulas de reforço com uma professora treinada para atuar na
educação especial e que empregará outros recursos e estratégias para tentar contemplar alguma necessidade de aprendizagem específica do discente.
Diferentemente do conceito de inclusão difundido no Brasil, no qual os alunos com dificuldades diferentes compartilham uma sala de aula comum em nome da sua integração e socialização, os finlandeses acham natural separar os alunos em turmas diferenciadas para que suas necessidades individuais sejam mais bem trabalhadas.
Nosso receio de que, com esse trabalho, estaríamos fomentando a discriminação entre alunos se concretizaria se o critério para a diferenciação de turmas fosse entre fortes e fracos, bons e ruins. Por outro lado, a divisão finlandesa é mais natural, pois diferencia alunos submetidos a um trabalho X, por exemplo, e alunos submetidos a um outro trabalho Y. X e Y seriam abordagens diferentes e os alunos poderiam solicitar sua mudança de uma metodologia para a outra, se acreditassem que seriam mais bem atendidos com a outra abordagem. Inclusão, naquela ótica, é permitir que os alunos tenham oportunidades customizadas, em salas especiais, para progredir em sua aprendizagem. Os finlandeses não concordam que um aluno deixe a escola sem demonstrar aprendizagem suficiente de acordo com suas habilidades individuais. Para implementar o trabalho que considerarem necessário para auxiliar os alunos, docentes e instituição têm o apoio das famílias e do governo.
Princípios de organização e uso do espaço escolar
Escolas como espaços de aprendizagem e socialização
As escolas finlandesas são pensadas como espaços de convivência para os alunos. Sua arquitetura evita os paradigmas tradicionais de salas de aula com estruturas rígidas (professor na frente, alunos atrás). As salas privilegiam o conceito multimodal, com paredes móveis que permitem unir espaços e equipá-los com recursos tecnológicos e informáticos para viabilizar diferentes atividades pedagógicas. As escolas finlandesas de hoje dispõem de espaços de aula, e não salas, áreas de convivência para os alunos, e não pátios, pequenas academias, e não quadras. As instituições são projetadas para serem espaços agradáveis de permanência, com sofás e áreas comuns com internet sem fio para os estudantes acessarem livremente seus interesses na internet. Algumas escolas também contam com espaços com videogames e, outras, com palcos com microfones para os alunos se expressarem musicalmente ou em montagens teatrais.
A organização espacial dos ambientes em uma escola finlandesa sugere tratar-se de um clube no qual, incidentalmente, aulas são ministradas em alguns espaços mais reservados. Os alunos circulam livremente pelos espaços e geralmente podem eleger os cursos nos quais irão se matricular, optando pelos horários e assuntos que mais lhes convêm. Sendo assim, podem deixar horários livres entre as aulas para aproveitar os outros espaços disponíveis na instituição.
Grandes investimentos vêm sendo feitos, ao longo da última década, na renovação das escolas finlandesas. Embora essa pareça uma preocupação secundária, a organização espacial de uma instituição contribui significativamente para o envolvimento do corpo discente no seu próprio aprendizado. A motivação dos jovens para se dedicar aos estudos também se beneficia de um espaço onde o aluno goste de estar com seus colegas e onde a aprendizagem ocorra com conforto e sem percalços que prejudiquem o andamento das lições.
O corpo docente também se beneficia de espaços mais interativos, pela maior disponibilidade de recursos pedagógicos e por ser um local de trabalho mais agradável. Não se pode negligenciar que a satisfação do docente com o reconhecimento de sua carreira e com o seu ambiente de trabalho também são elementos a serem considerados para o sucesso de qualquer modelo de ensino, como ocorre no caso finlandês.
Conclusão
Os princípios relacionados aqui foram gradualmente incorporados pelas instituições de ensino finlandesas ao longo das últimas décadas. Buscamos resumir aspectos de diferentes áreas do ensino, do seu planejamento até a sua implementação, para fomentar uma discussão a respeito da escola secundária que podemos oferecer aos jovens brasileiros. Longe de propor a cópia de uma realidade estrangeira, sugerimos uma reflexão a respeito dos argumentos que levaram os finlandeses a optar por esse modelo.
Em todo planejamento de programas de ensino, algumas das variáveis envolvidas fogem ao controle dos docentes e da escola, por situarem-se na esfera governamental ou mesmo na vida privada das famílias dos alunos. Contudo, mesmo que não seja plausível propor, em médio prazo, uma (outra) reforma do nosso modelo nacional de Ensino Médio e na forma como a sociedade se relaciona com a escola, é possível encaminhar mudanças pontuais significativas em nossas instituições de ensino.
No âmbito curricular, o planejamento se beneficiaria de um enfoque de baixo para cima: seriam os alunos e as necessidades coletadas na sociedade que apontariam como os programas escolares deveriam ser constituídos. Não devem existir conteúdos pétreos em qualquer disciplina que não possam ser retirados ou reformulados.
Como fizeram os finlandeses, devemos lembrar que a escola pública pertence à sociedade. Os papéis que desempenhamos na escola têm que, em última análise, atender ao progresso da nossa sociedade, que é o esperado de nossos alunos ao ingressarem no mercado de trabalho.
Debater o currículo escolar significa expor à mudança um documento ainda visto com excessiva deferência em algumas instituições de ensino. O currículo é, em última análise, um registro das crenças e das motivações daqueles que o redigiram. Como tal, costuma ser protegido como um patrimônio a ser preservado, embora talvez atendesse melhor à sociedade se fosse atualizado e complementado com maior regularidade.
No âmbito das estratégias de ensino e avaliação, a Finlândia nos apresenta uma filosofia bastante diversa da qual estamos acostumados. Esse talvez seja o ponto mais crítico em nosso sistema educacional e demanda mudanças imediatas para propor um Ensino Médio mais significativo em conteúdos e mais justo nas avaliações. Os jovens devem ser capazes de aprender na escola referências mínimas de assuntos relevantes: como argumentamos ao longo do trabalho, um currículo menos extenso, mais personalizado e mais significativo talvez garantisse aos alunos oportunidades melhores de aprendizagem significativa, em detrimento da simples memorização de conhecimentos para responder avaliações, que costumam aferir apenas a capacidade de retenção e não o aprendizado de nossos jovens.
A ninguém interessa uma escola de Ensino Médio que ostenta altos índices de reprovação e de evasão, assim como não interessa à sociedade nem à comunidade escolar diplomar alunos que não atendam a critérios mínimos de aprendizagem. Portanto, precisamos aliar a redução no número de jovens reprovados à valorização de currículos e programas de ensino, cuja relevância deve ser constantemente reavaliada. O número de evasões também tende a diminuir quando o jovem percebe a escola como parte integrante da sua vida, por lhe oferecer um espaço de convivência agradável e por pensar nos mesmos problemas que o afligem quando se vê diante do ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho. Nós nos beneficiamos ao olhar criticamente para a Finlândia em busca de alguma contribuição para as questões que atualmente afligem estudantes e professores no modelo do Ensino Médio brasileiro. Precisamos nos assegurar de que a frequência do aluno em nossas instituições, ao longo dos três anos de curso, seja gratificada com aprendizagem significativa para o seu crescimento pessoal e profissional.
A experiência diária em sala de aula ensina que nenhum modelo educacional é perfeito e as inúmeras variáveis envolvidas no processo desafiam a noção de que possa existir um modelo de sucesso que seja universal. Diferentes desafios são enfrentados em cada país na área da educação, envolvendo desde a disponibilidade de recursos para o ensino até a importância atribuída às instituições escolares em cada sociedade. Contudo, embora as dificuldades encontradas possam ser especificas de cada
sistema educacional, as soluções desenvolvidas poderão vir a responder questões mais amplas ainda não superadas em realidades geograficamente distantes.
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Publicado em 27 de setembro de 2016
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