Arte, cultura e divulgação científica nas aulas virtuais de Química e Biologia em tempos de pandemia
Aline Mansur Almeida
Doutora em Geociências e Geoquímica Ambiental (UFF), licenciada em Química (UFRRJ), professora da rede pública estadual (RJ)
Juliana Gonçalves Schaefer
Especialista em Ensino de Ciências e Biologia (UFRJ), licenciada em Ciências Biológicas (Ferlagos), professora da rede pública estadual (RJ)
Em tempos de isolamento social, a escola se abriu para o mundo e as tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC) passaram a fazer parte do novo contexto de ensino-aprendizagem, porque, apesar de a tecnologia impregnar de sentido nosso estar no mundo, a escola até então não estava apartada dessa impregnação (Silva; Monteiro; Acioly, 2020). Novas oportunidades e desafios se debruçaram sobre os professores. A escola se viu forçada a adotar novas formas de ações educativas e metodológicas, apropriando-se de ferramentas digitais, ressignificando o processo pedagógico.
Nesse cenário, os professores foram os profissionais que mais ganharam destaque. Sim, eles precisaram se reinventar. O trabalho desse profissional era “no teatro”; suas interações, metodologias, material didático, figurino e roteiro eram organizados para o ensino presencial, e na sala de aula tudo se materializava. Mas a transição desse profissional para “o cinema” teve seus percalços. Os professores foram lançados no mundo virtual, “sem cineasta, operador de câmara, diretor de produção ou técnico de som”. A ruptura de paradigma da atuação desse profissional é designada por Santos (2019) como um desafio da inclusão cibercultural dos professores no contexto da web 2.0.
As disposições técnicas da web 2.0 favorecem a qualidade em comunicação, que, por sua vez, favorece a educação autêntica. Entretanto, o professor precisará se dar conta do espírito do nosso tempo para nele atuar. Ele precisará ir além da inclusão digital, entendida como habilidade no uso do computador, dos softwares, do site, do portal [...]. Para operar sua inclusão cibercultural, os professores, em particular, precisarão dar-se conta da montagem de conexões em rede que permite uma multiplicidade de recorrências entendidas como liberação do compartilhamento, da autoria, conectividade, colaboração e interatividade para potencializar a sua prática docente (Souza, 2019, p. 45-46).
Em abril de 2020, a inovação tecnológica marcou sua presença na escola! Toda a comunidade escolar – professores, alunos, coordenação e responsáveis – precisou se adequar às tecnologias de informação e desenvolver habilidades para o novo formato de ensino. No entanto, as desigualdades no acesso às ferramentas digitais ficaram evidentes. O ensino remoto não é democrático. O acesso à internet não é uma realidade de todos os alunos da rede pública, e a escola remota mostra-se excludente.
Estudos relacionados ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC) demonstram que, ao serem inseridas no processo educativo, é necessário ter planejamento no foco que se pretende atingir, considerando o processo de ensino-aprendizagem e o protagonismo dos alunos (Oliveira et al., 2020). Moran (2000), em seu estudo relacionando novas tecnologias e mediação pedagógica, destaca alguns caminhos que facilitam a aprendizagem, enfatizando a importância do educador e das interações com o outro e com o mundo:
De tudo, de qualquer situação, leitura ou pessoa podemos extrair informações ou experiências que podem ajudar a ampliar o nosso conhecimento, para confirmar o que já sabemos, para rejeitar determinadas visões de mundo, para incorporar novos pontos de vista [...]. Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a tornar a informação significativa, escolher as informações verdadeiramente importantes entre tantas possibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda (Moran, 2000, p. 20 e 23).
Frente aos desafios decorrentes do ensino remoto, alguns questionamentos nortearam nosso trabalho. Como aproximar os alunos, favorecendo a interação e troca de conhecimentos? Como integrar disciplinas para promover Educação Ambiental e ações futuras no espaço escolar? Como promover o acesso e a participação dos alunos excluídos do ensino remoto?
Foi desenvolvido um projeto de aprendizagem em rede tendo como objetivo principal aproximar alunos e professores para refletir e compartilhar conhecimentos a partir de ideias e ações de personalidades ligadas à prática sustentável, percebendo o planeta como um sistema autorregulador e avaliando os impactos causados pela ação do homem no ambiente.
Procedimentos metodológicos
A experiência relatada neste artigo envolveu cerca de 40 alunos do 2º e 3º anos do Ensino Médio Regular e Técnico em Administração de Empresas com ênfase em Empreendedorismo do Colégio Estadual Miguel Couto, localizado em Cabo Frio/RJ. Os alunos foram divididos em 19 equipes, dentre as quais oito realizaram todas as atividades propostas. O projeto interdisciplinar Aprendendo em Rede envolveu as disciplinas Química, Biologia e Projeto de Intervenção e Pesquisa. Em abril de 2020, iniciaram-se as ações junto aos alunos via plataforma Google Classroom, a qual foi utilizada como repositório das orientações de estudo, textos, vídeos, perguntas, atividades e formulários Google.
Os conteúdos de Química e Biologia versaram sobre temas relacionados aos ciclos biogeoquímicos, funções inorgânicas, reação química, fotossíntese, metabolismo, decomposição da matéria orgânica e impactos ambientais. A ausência e/ou diminuição das atividades humanas devido ao isolamento social implementado após início da pandemia da Covid-19 afetou a qualidade da água e do ar, além de ter propiciado a presença de animais em diversos ambientes urbanos. Nesse período foi possível estreitar os laços com a natureza e perceber ação predatória do homem com o planeta, como descrito por Krenak (2020, p. 5):
Vivemos hoje essa experiência de isolamento social, como está sendo definido o confinamento, em que todas as pessoas têm de se recolher. Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura [...], hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda.
A hipótese de Gaia, proposta por James Lovelock e Lynn Margulis na década de 1960, foi empregada como tema transversal para descrever a relação entre a composição da atmosfera, a dinâmica holística do planeta e os ciclos biogeoquímicos. Segundo Capra (2000), a Teoria de Gaia proposta por Lovelock considerava a Terra como um verdadeiro sistema, abrangendo toda a vida e todo o seu ambiente, estreitamente acoplados de modo a formar uma entidade autorreguladora. A hipótese de Gaia auxiliou a compreender como o planeta mantém as condições propícias para a existência de vida há bilhões de anos e como a vida auxilia a manutenção do clima e as condições para sua própria existência. Foi possível entender como o homem vem alterando e modificando as condições de vida na Terra, resultando na alteração da composição da atmosfera, a partir da queima de combustíveis fósseis ou das mudanças do uso da terra (criação de gado, plantações de alimentos em monocultura, uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, desmatamentos).
O filme O menino que descobriu o vento instigou diálogos sobre metodologia científica, empreendedorismo, resíduos sólidos, qualidade de vida e desmatamento. O filme demonstra a importância de lutar por seus sonhos em meio às adversidades, trazendo uma mensagem de perseverança e autoconfiança.
Personalidades importantes relacionadas às ações transformadoras no planeta, como Ernst Götsch, Ailton Krenak e Wangari Maathai, protagonizaram os estudos sobre a regeneração de florestas, sequestro de carbono, Movimento do Cinturão Verde, biodiversidade, manejo do solo, agroflorestal e pegada ecológica.
Ailton Krenak inspirou reflexões sobre o respeito à capacidade de suporte do planeta Terra e a necessidade de repensar nossa postura diante do meio ambiente. A cura do ego humano se faz presente na humildade do homem de se reconhecer como parte da natureza (Krenak, 2020). O desastre de Mariana, ocorrido em 2015, foi contado pelo olhar do povo indígena Krenak, que perdeu sustento, lazer e cultura com a morte do Rio Doce. A percepção da necessidade do respeito às diferentes culturas, o zelo pelos recursos naturais e como a ganância do homem é capaz de destruir a humanidade foram algumas das abordagens inerentes a esse tema.
Resultados alcançados
Em junho de 2020, os alunos se reuniram em grupos de ação para produção de um trabalho coletivo com base nas temáticas ambientais abordadas. Os trabalhos tiveram a função de informar, alertar e sensibilizar, por meio de recursos audiovisuais, para a relação do homem com a natureza e a interdependência entre eles. A realização dos trabalhos foi mediada pelas professoras em reuniões virtuais com o grupo de alunos.
O final da primeira parte do projeto foi marcado pela confecção de um mural virtual por meio do recurso digital Padlet para divulgação dos temas desenvolvidos nas aulas remotas e dos trabalhos realizados pelos alunos (Figura 1).
Figura 1: Mural Padlet - Aprendendo em Rede
Fonte: https://padlet.com/profalinemansur/4j96fnusi5ve2aly. Acesso em: 20 jul. 2020.
O recurso digital Padlet consiste em um serviço online em que os alunos publicam e compartilham arquivos – textos, fotos, links ou vídeos (Soareset al., 2019). O mural virtual possibilita o acesso dos alunos aos trabalhos de todas as equipes e torna possível comentar e curtir os conteúdos que acharem mais interessantes.
O trabalho em grupo proporcionou interação entre os alunos, possibilitando trocas de saberes e de materiais didáticos. Além disso, o projeto estimulou a participação de alunos que apresentavam dificuldades para ter acesso à plataforma Google Classroom, ao permitir a comunicação e a troca de materiais usando outros recursos digitais.
Aprendemos quando descobrimos novas dimensões de significação que antes nos escapavam [...]. Aprendemos mais quando estabelecemos pontes entre a reflexão e a ação, entre a experiência e a conceituação, entre a teoria e a prática; quando ambas se alimentam mutuamente. [...] Aprendemos quando interagimos com os outros e o mundo e depois quando interiorizamos, quando nos voltamos para dentro, fazendo nossa própria síntese, nosso reencontro do mundo exterior com a nossa reelaboração pessoal (Moran, 2000, p. 23).
Os alunos puderam conhecer e se encantar com importantes personalidades que aturam e atuam em prol da humanidade em sincronia com a natureza, reverberando como pequenas ações podem gerar grandes transformações. O projeto Aprendendo em Rede despertou, assim, a consciência ambiental nos alunos e a percepção da importância dos ciclos biogeoquímicos para a manutenção e a integração dos compartimentos do planeta.
Considerações finais
Frente aos desafios impostos pela pandemia da Covid-19, tivemos a quarentena e o consequente isolamento social. Alunos e professores não mais se encontravam em um ambiente físico comum, e a escola passou a estar no ambiente virtual. Questionou-se a escola, seu papel na sociedade e seu formato. Refletiu-se sobre metodologias de aprendizagem e avaliações. Ficou evidente como o cotidiano da escola estava distante da cibercultura. Para facilitar a interação entre alunos e professores, um projeto interdisciplinar de conscientização ambiental foi desenvolvido entre as disciplinas Química, Biologia e Projeto de Intervenção e Pesquisa. Músicas, vídeos e infográficos foram compartilhados em um mural virtual (Padlet); a aproximação dos alunos foi realizada por meio da construção das ideias e realização de trabalhos em grupo. O projeto Aprendendo em Rede, desenvolvido durante a pandemia para promoção de encantamento e interação dos alunos com a natureza, se mostra uma boa alternativa para desenvolver temas transversais em tempos de isolamento social.
Referências
CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 2000. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=IuLA5OipKbcC.
KRENAK, A. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=blndDwAAQBAJ.
MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=i7uhwQM_PyEC.
OLIVEIRA, Manoel Garcia de; DANTAS, João Guilherme Gavino; FERNANDES, Fernando; GARCIA, Nayara Fernanda Lisboa. Vamos aprender brincando, ou melhor, jogando. Educação Pública, v. 20, nº 25, 7 de julho de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/23/vamos-aprender-brincando-ou-melhor-jogando.
SANTOS, E. Pesquisa-formação na cibercultura. 2019. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=C13_wAEACAAJ.
SILVA, Daniela Mendes Vieira da; MONTEIRO, Paula; ACIOLY, Vitor. Estudo do movimento uniforme subsidiado pela plataforma Desmos: uma proposta pedagógica. Educação Pública, v. 20, nº 19, 26 de maio de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/19/estudo-do-movimento-uniforme-subsidiado-pela-plataforma-desmos-uma-proposta-pedagogica.
Publicado em 22 de setembro de 2020
Como citar este artigo (ABNT)
ALMEIDA, Aline Mansur; SCHAEFER, Juliana Gonçalves. Arte, cultura e divulgação científica nas aulas virtuais de Química e Biologia em tempos de pandemia. Revista Educação Pública, v. 20, nº 36, 22 de setembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/36/arte-cultura-e-divulgacao-cientifica-nas-aulas-virtuais-de-quimica-e-biologia-em-tempos-de-pandemia
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