Da ideia à culminância: a importância dos processos pedagógicos

Ailza de Freitas Oliveira

Doutoranda em Educação (PPGE/UFPB), docente de Artes Cênicas (PMJP-PB)

Fernando Abath Cananéa

Doutor em Educação (PPGE/UFPB), docente no Mestrado Profissional em Arte (Profartes/UFPB)

A escola e a Pedagogia de Projetos

A escola é o lugar social determinado para aprender e ensinar. Nela estudantes recebem o conhecimento historicamente acumulado ao tempo em que junto a educadores(as) ofertam significado ao que aprendem contextualizando os saberes do cotidiano com os adquiridos no ambiente escolar.

É assim que historicamente está situada a aprendizagem escolar na teoria, e é assim que deveria acontecer na prática cotidiana. “Será que o que está dito no livro quando se discute, por exemplo, o papel de sujeito cognoscente que o educando deve assumir é um sonho possível a ser perseguido ou não?” (Freire; Faundez, 1985, p. 135). Acreditamos que é exatamente pela concretude desse sonho que educadores(as) devem atuar cotidianamente em seus espaços de aprendizagem.

A educação é o processo pelo qual se realiza essa apropriação, ou, considerando a situação pelo outro termo, é o processo pelo qual uma geração transmite à seguinte o que ela mesma recebeu da precedente, às vezes com alguns acréscimos. A educação é um triplo processo de humanização, de socialização e ingresso em uma cultura (Charlot, 2013, p. 188).

Como um organismo vivo, microssocial, a escola se movimenta em diferentes formatos de transmissão e aquisição do conhecimento e do saber. “Como nós, por outro lado, a cultura não é, está sendo, e não podemos esquecer o seu caráter de classe” (Freire; Faundez, 1985, p. 25); na escola, estudamos e aprendemos o que impõe a classe dominante em cada período histórico. Assim, a aprendizagem é situada, politicamente direcionada, pois educar é um ato político; inclusive negar que haja política nas seleções do que se ensina e aprende na escola já é por si só, uma escolha política. “O ser humano ocupa uma posição no mundo, mas, a partir dessa posição, ele tem uma atividade sobre o mundo” (Charlot, 2013, p. 143); assim como não há neutralidade no existir, a submissão – ou aversão a ela – é uma forma de intervenção no mundo, também não há neutralidade no ato de educar.

Sobre o fazer escolar: sendo professores atuantes nas áreas da Arte, especificamente, e da Educação, acreditamos que

desenvolver as habilidades artísticas e literárias dos estudantes no ambiente escolar é um desejo que acreditamos ser unânime entre os educadores. Percebemos que projetos, ações, aulas motivacionais e demais intervenções que reforcem o contato e desejo pela arte e pela literatura são continuamente desenvolvidos nas escolas; assim, pautando-se na leitura e na escrita, educadores realizam iniciativas criativas, num desejo crescente – e por vezes desesperado – por incentivar a espontaneidade em ler e escrever, em produzir artística e literariamente, em desenvolver habilidades que secularmente são cobradas de produção no ambiente escolar (Oliveira; Cananéa, 2018, p. 2).

Nas escolas brasileiras, atualmente, a Pedagogia de Projetos tem ocupado largo espaço nas metodologias de ensino, sobretudo a que se ocupa das ações interdisciplinares, que geralmente se concretiza abordando temáticas transversais com fundamentação teórica processual de aprendizagem e evento de culminância ao final de cada projeto desenvolvido, como marco festivo de encerramento do ciclo de aprendizagem. “Dessa forma, ampliando a compreensão do que é ensinar e aprender, passamos, por intermédio dos projetos, a resignificar as nossas práticas” (Oliveira; Cananéa, 2018, p. 3); por isso, a Pedagogia de Projetos tem conquistado espaço nos fazeres pedagógicos escolares.

Concordamos com essa ideia por percebermos, ao longo do período escolar em que nossos trabalhos pedagógicos são desenvolvidos em forma de projetos, que há uma interação coletiva entre docentes e discentes e, consequentemente, uma produção com etapas significativas para ambos (Oliveira; Cananéa, 2018, p. 2).

É exatamente sobre essas etapas do fazer pedagógico que queremos refletir neste artigo. Sobre o fato de que da ideia à culminância de cada projeto escolar há importância nos processos pedagógicos e que esses processos constituem as fases de aprendizagem e por isso são tão importantes quanto os momentos de culminância.

A ênfase ofertada aos momentos de culminância das ações pedagógicas geralmente é maior do que a dirigida aos processos dessas ações. Nas culminâncias, os registros se voltam exclusivamente ao momento festivo que encerra um ciclo de aprendizagem que por vezes foi precedido por meses de investimento metodológico para que o encerramento se efetivasse. Nosso desejo neste texto é refletir sobre a importância do processo metodológico e seus desdobramentos diante das ações de culminância realizadas como marcos festivos das etapas atingidas com os conteúdos e objetivos propostos para aprendizagem.

Da ideia à culminância

São muitas as etapas vivenciadas da ideia à culminância de um projeto didático pedagógico no ambiente escolar; inicialmente a ideia é compartilhada com a equipe, maturada, debatida, e novas opiniões surgem para a efetivação da ideia inicial. Comumente essa etapa da tempestade de ideias ocupa-se da criatividade e da viabilidade das ações junto à equipe técnica e pedagógica. Os embates financeiros, didáticos e metodológicos são considerados, assim como a disponibilidade dos que compõem a escola para integrar a atividade desenvolvendo ações colaborativas que se complementam, somando quantidade e qualidade ao objetivo central do projeto interdisciplinar.

Em seguida, o projeto é redigido e as ações a ser executadas são separadas por profissionais; dessa forma, responsabilidades são direcionadas e a teoria começa a tomar formato prático, executando, movimentando a ideia em prazos, cronogramas, etapas, registros em imagens, sequências didáticas que rumam à culminância.

É comum e desestimulador que nem todos que compõem a equipe integrem os projetos propostos e/ou impostos, sejam eles oriundos do sistema de ensino, da gestão ou de algum(a) companheiro(a) da equipe escolar. A obrigatoriedade desses geralmente ruma ao insucesso pedagógico, pois pouco se consegue de pedagógico na aprendizagem quando ocorrida por intermédio de ações compulsórias.

É comum também que empecilhos mudem os rumos das ações planejadas durante o percurso de execução; fatores internos e externos contribuem para que a criatividade e a resiliência dos profissionais envolvidos sejam postas em teste durante todo o percurso metodológico.

Para Freire e Faundez (1985, p. 38), “o ponto de partida de um projeto político-pedagógico tem de estar exatamente nos níveis de aspiração, nos níveis de sonho, nos níveis de compreensão da realidade e nas formas de ação e de luta dos grupos populares”. A ideia a ser executada em sala de aula tem que ser desejada por todos(as) os(as) envolvidos(as) nas etapas de execução. Sem que o sonho e a aspiração sejam coletivos, a ação não recebe a força necessária para que se execute com a maestria do envolvimento integral daqueles(as) que se envolvem nela.

A importância dos processos pedagógicos

Acreditamos nas ações processuais realizadas pelos estudantes e orientadas pelos(as) educadores(as), em que os primeiros atuam como protagonistas e os segundos como coadjuvantes, sem que os primeiros atuem de maneira mecânica, mas livres para estimular seus processos criativos, de liderança, em equipe colaborativa, de forma autônoma, embora direcionada metodologicamente.

Por julgarem mais fácil e prático e, assim, mais seguro, alguns(mas) educadores(as) impõem como, quando, o que fazer e assim tolhem a capacidade jovial de adicionar novas formas de fazer as aprendizagens acontecer significativamente. A praticidade, a facilidade e a segurança erroneamente percebidas na imposição suprimem a ousadia criativa e inovadora de jovens envolvidos(as) com prazer e responsabilidade em aprender, o que limita as ações aos campos de conhecimentos dos(as) professores(as) e restringe os projetos pedagógicos a engodos quanto à sua dialogicidade democrática e integrativa.

Por outro prisma, ofertar liberdade de atuação aos estudantes não significa isentar os(as) professores(as) da responsabilidade de acompanhamento e monitoramento das ações, mas os(as) submete ao risco de poder aprender com os estudantes e com os(as) demais educadores(as), risco este que mentes opostas a perceber a Pedagogia como prática da liberdade, conforme sugere Freire (2013), não se permitem vivenciar. No entanto, não apoiamos uma liberdade incondicional, como amantes do autoritarismo apregoam, mas a liberdade de ampliação dos saberes, numa possibilidade concreta de execução de atividades pedagógicas que gerem frutos estimulantes de contribuir com a criticidade, autonomia e reflexão dos(as) envolvidos(as) no fazer escolar.

Ações pedagógicas vislumbradas com processos

O nosso desejo neste percurso escrito é pontuar a importância que habita nos processos que envolvem o desenvolvimento dos projetos didáticos pedagógicos no ambiente escolar. Não estamos com isso negando a importância das culminâncias, mas reforçando que as etapas que as precedem são também vitais para o êxito do processo de ensino-aprendizagem.

Numa relação democrática entre estudantes e professores(as), certamente aprendem todos(as), mudam e fazem mudar todos(as), assim como sonham e realizam juntos, planejam, replanejam, executam, aceram, erram, apreendem, pela prática cheia de teoria em comunhão, pela abertura na possibilidade de crescimento coletivo.

Quando se fala no livro de uma relação mais radicalmente democrática entre o educador e o educando numa sociedade revolucionária, é isto um sonho possível ou não? E se estes, como outros sonhos, não foram vividos por n razões, não significa, repito, que sua validade desapareça (Freire; Faundez, 1985, p. 135).

Por muitas vezes, essa atuação conjunta é desejo e não se concretiza, mas continuar em busca de fazeres coletivos na educação é o caminho para a aprendizagem colaborativa, com metodologias ativas e envolvidos(as) motivados(as) em aprender e ensinar. É sabido que “só há uma possibilidade para alguém evitar ser criticado positiva ou negativamente, correta ou incorretamente, leal ou deslealmente, como também evitar ser cooptado – é nada fazer, é nada criar” (Freire; Faundez, 1985, p. 141). Certamente, nada fazer não é postura ideal a educadores(as) comprometidos(as) com uma pedagogia libertadora que aponta trilhas e não trilhos, que permite a criatividade, a pergunta, que mobiliza pela dúvida, que segue a sede pelo saber e amplia a esperança.

Dificuldades sempre aparecem em todas as esferas do viver; no ambiente escolar, que é um reflexo micro do macrossocial em que estamos inseridos jamais será diferente. Cabe a cada ser que opta por atuar na educação buscar contínua, esperançosa e teimosamente a aquisição de competências e habilidades para aprender, ensinar, reaprender, para outra vez ensinar diferente, lendo as entrelinhas de cada contexto social em que a aprendizagem e o ensino estão inseridos. “Eu sempre digo, ler não é ‘passear’ sobre as palavras” (Freire; Faundez, 1985, p. 136). É mergulhar nelas, com elas, é se permitir interpretá-las, sonhá-las, vivenciá-las, mudando e fazendo mudar.

Considerações

Não há aprendizagem nem ensino significativo a quem ensina e aprende sem que esteja contextualizado. “Mas, indiscutivelmente, qualquer tentativa de separação da prática da alfabetização de outras dimensões básicas do tecido social termina burocratizando aquela prática” (Freire, 1985, p. 153). A metodologia, o método, a forma de fazer precisa ser definida; no entanto, necessariamente precisa ser contextualizada e valorizada em todas as suas etapas, desde a ideia de um projeto interdisciplinar até a culminância, pois no processo habita toda uma riqueza que não se mostra no encerramento festivo de uma culminância, mas integra, fundamentalmente, o que se aprende e apreende. “Penso que, para que nosso contexto se enriqueça ainda mais, em nossa mente, em nosso corpo, em nossas emoções, necessita de um contexto outro” (Freire; Faundez, 1985, p. 23). Um contexto em que a importância do processo de aprendizagem seja valorizada coletivamente.

Assim, “no fundo, e você sabe disso, como todos o sabemos, para nos descobrir precisamos nos mirar no Outro, compreender o Outro para nos compreender, entrar no Outro” (Freire; Faundez, 1985, p. 23). A isso chamamos relação dialogada, em seu sentido freiriano; na Educação, chamamos de Pedagogia do Oprimido, essa duramente temida por atuantes tradicionalistas, unilaterais e amantes da burocratização e da reprodução sem reflexão na educação. Essa necessária para que a aprendizagem seja significativa, reflexiva, permita pensar, agir e mudar, num exercício contínuo de prazer por aprender e ensinar. Essa, que oferta asas.

Referências

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2013.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 15ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.

______; Faundez, Antonio. Por uma Pedagogia da Pergunta. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

OLIVEIRA, Ailza de Freitas; CANANÉA, Fernando Antonio Abath Luna Cardoso. Pedagogia de Projetos e Interdisciplinaridade: experiências artísticas em educação. Educação Pública, v. 18, nº 16, 2016. Disponível em: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/16/pedagogia-de-projetos-e-interdisciplinaridade-experincias-artsticas-em-educao> Acesso em: 13 ago. 2019.

______; ______. Árvores literárias sobre Ariano Suassuna: natureza e arte com literatura no ambiente escolar. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=2857. Acesso em: 16 ago. 2019.

Publicado em 11 de fevereiro de 2020

Como citar este artigo (ABNT)

OLIVEIRA, Ailza de Freitas; CANANEA, Fernando Antonio Abath Luna Cardoso. Da ideia à culminância: a importância dos processos pedagógicos. Revista Educação Pública, v. 20, nº 6, 11 de fevereiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/6/da-ideia-a-culminancia-a-importancia-dos-processos-pedagogicos

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