Atendimento educacional especializado para acessibilidade linguística aos alunos surdos atendidos no IFRN - câmpus Natal Central
Morgana Machado Henrique
Graduada em Letras - Português/Libras (UFRN), especialista em Libras (Faculdade Futura)
Este parecer técnico tem por objetivo elucidar como deve ser desenvolvida a acessibilidade linguística do aluno surdo e do aluno deficiente auditivo (DA), abordando as questões legais e aspectos socioculturais dos alunos surdos (usuários de Libras).
Diferenciação entre surdo e deficiente auditivo
Tendo em vista a crescente demanda relacionada a alunos autodeclarados deficientes auditivos no âmbito do IFRN, vimos discorrer brevemente acerca da diferenciação entre o aluno denominado surdo e o denominado deficiente auditivo, haja vista que tal diferenciação é mais bem abordada no artigo anterior, Cultura e Identidas Surdas. Neste buscaremos dar um enfoque mais abrangente acerca das formas de acessibilidades linguísticas aplicadas a cada especificidade.
Vale salientar que, para fins de legislação (Decreto nº 5.626, Art. 2), compreende-se “pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (Brasil, 2005).
Sendo assim, compreende-se deficiente auditivo como aquele individuo que, possui uma identidade pautada em uma experiência muito mais sonora que visual, focando-se na Língua Portuguesa e não na Libras – ao contrário do surdo, que possui pouca ou nenhuma experiência sonora, usando a Libras e possuindo uma identidade surda.
Atendimento educacional ao surdo e ao DA
Em ciência da distinção entre tais sujeitos, é sabido que ambos têm garantido o compromisso de atendimento inclusivo pela legislação oriunda da Convenção do Direito das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), ratificada no Brasil pelos Decretos nº 186/08 e nº 6946/09; o Art. 24 deste último afirma o compromisso do Estado com a efetivação de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades. São fortalecidos pelas recentes políticas de inclusão escolar, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, e a lei que institui direito às cotas para pessoas com deficiência em instituições federais de ensino (Lei nº 13.409/16), o acesso, a permanência e o êxito educacional desses indivíduos. No entanto, faz-se necessário debruçar sobre o escopo legal ante a tal acessibilidade linguística para esse alunado.
Surdos sinalizantes
No que tange à educação de surdos no Brasil, não podemos deixar de observar as legislações que trazem a loco as comunidades surdas brasileiras como alvo da inclusão, por meio do reconhecimento da Libras como meio linguístico de comunicação, conforme a Lei nº 10.436/02, validada pelo Decreto nº 5.626/05. Essa legislação, como citado, distingue quem é o sujeito surdo e visa orientar as providências que garantam seu êxito educacional. Vale salientar também o disposto na LBI, que objetiva descrever detalhadamente aspectos acerca das pessoas com deficiência em todos âmbitos da sociedade, garantindo sua inclusão de fato e a acessibilidade linguística em todos esses espaços. No que se refere à educação do aluno surdo destacamos:
Art. 28 - Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: [...]
IV – oferta de educação bilíngue em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas; [...]
XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes de Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio (Brasil, 2015).
O Decreto nº 5.626/05, em seu Art. 22, determina uma série de ações, tais como fornecer o acesso a escolas e classes bilíngues, inserir tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa, que os docentes das diferentes áreas do conhecimento que atuem nas escolas bilíngues ou inclusivas sejam cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como a presença dos tradutores intérpretes de linguagens e sinais (TILS) em sala de aula. É interessante ressaltar que
§ 1° - São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
§ 2° - Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
§ 3° - As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.
§ 4° - O disposto no § 2º deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras (Brasil, 2005, Art. 23).
O Art. 23 destaca ainda que:
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação (Brasil, 2005, Art.23).
Em suma, o descrito nos Arts. 22 e 23 do decreto discriminam especificamente como deve ser a acessibilidade linguística do aluno surdo usuário de Libras, porém, pode-se perceber que em alguns momentos ele faz referência ao uso de materiais tecnológicos e de comunicação, e o inciso terceiro descreve que “as mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras”. Ou seja, o aluno surdo oralizado ou DA que não fizer uso da Libras e não optar pelo recurso de tradução e interpretação de Libras tem os mesmos direitos às condições de acessibilidade linguística oferecidas ao aluno surdo sinalizante (usuário da Libras) no que tange ao atendimento educacional especializado, ao conhecimento por parte dos docentes de sua singularidade linguística, bem como de tecnologias assistivas que lhe auxiliem e facilitem a comunicação. Vale ressaltar que o aluno oralizado ou DA que abrir mão da acessibilidade linguística por meio da Libras e do profissional TILS deve formalizar expressamente tal decisão e preferência pelo meio de comunicação oral.
Surdos oralizados
Como já citado, não obstante o aluno surdo sinalizante e o aluno surdo oralizado possuírem os mesmos direitos de acesso, permanência e êxito educacional, respeitando suas necessidades educacionais específicas, como disposto no Decreto nº 5.296/04, os estudantes com deficiência auditiva têm o direito à eliminação de barreiras comunicacionais e informativas (sons e barulhos excessivos, grande distância entre professor e aluno, professor falar baixo ou de costas, fazendo uso de bigode ou outro artefato que impeça a realização de leitura labial). Isso garante que o aluno DA tenha acesso a tecnologias assistivas (aparelhos auditivos, implantes cocleares (IC), sistema de FM) que o auxiliem e facilitem a comunicação dentro do ambiente educacional.
Considerações finais
A construção deste parecer se deu a partir do conhecimento técnico, teórico e prático dos tradutores interpretes de linguagem e sinais em atuação no IFRN – câmpusNatal Central, com o propósito de orientar acerca de possíveis dúvidas e trazer maior compreensão acerca dos temas tratados. Nesse sentido, esperamos que em situações adversas ligadas à inclusão de alunos com deficiência auditiva e/ou surdos, bem como à atuação do servidor tradutor intérprete de linguagem e sinais, possamos ter um norte pautado na legislação vigente, a fim de assegurar a qualidade do atendimento aos alunos em questão e da atuação dos profissionais TILS.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10.436.htm. Acesso em: 14 out. 2018.
______. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10098.htm. Acesso em: 30 jan. 2018.
______. Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 30 jan. 2018.
______. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5.626.htm. Acesso em: 30 jan. 2018.
______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 14 out. 2018.
______. Advocacia Geral. Parecer de Contratação nº 01/2014/SGIFES/DEPCONSU/PGF/AGU (Pag. 01, 05, 15, 16, 17 e 18). Disponível em: http://www.ifto.edu.br/ifto_cms/docs/arquivos/201020141715PARECERCONTRATAO DELIBRASVERSOFINAL.pdf. Acesso em: 30 jan. 2018.
EIJI, Hugo. Cultura Surda? Disponível em: https://culturasurda.net/cultura-surda-3/. Acesso em: 30 jan. 2018.
FEBRAPILS. Nota Técnica nº 02/2017. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B3eZNKrWC6hcWnAyd3FlU2VFQmc/view. Acesso em: 30 jan. 2018.
GILE, D. Testing the effort model’s tightrope hypothesis in simultaneous interpreting – a contribution. Hermes - Journal of Linguistics, nº 23, p. 153.172, 1999. Disponível em: http://download1.hermes.asb.dk/archive/FreeH/H23_09.pdf.
INSTITUTO FEDERAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE (IFRN). Descrição do Plano de carreira dos cargos de técnico-administrativo em educação. Disponível em: http://www.cespe.unb.br/concursos/FUB_15_1/arquivos/DESCRICAO_DETALHADA_DOS_CARGOS_NIVEL_INTERMEDIARIO_CONCURSO_FUB_2015.P. Acesso em: 30 jan. 2018.
______. Edital Concurso IFRN 2015. Disponível em: http://portal.ifrn.edu.br/servidores/concursos/2015/edital-12-2015-tecnico-administrativo-em-educacao/documentos-publicados/edita-12-2015. Acesso em: 30 jan. 2018.
PERLIN, Gladis. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2005. p. 51-73.
QUADROS, Ronice. O tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais e língua portuguesa. Brasília: MEC/Seesp, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf.
______. Estudos Surdos I. Petrópolis: Arara Azul, 2006.
______; PERLIN, Gladis (Orgs.). Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007.
______ (Org.). Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008.
______; STUMPF, Marianne (Orgs.). Estudos Surdos IV. Petrópolis: Arara Azul, 2009.
STROBEL, Kain. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008.
SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2005a. p. 5-6.
SKLIAR, Carlos. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez – um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2005b. p. 7-32.
Publicado em 27 de abril de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
MACHADO, M. M. Atendimento educacional especializado para acessibilidade linguística aos alunos surdos atendidos no IFRN - câmpus Natal Central. Revista Educação Pública, v. 21, nº 15, 27 de abril de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/15/atendimento-educacional-especializado-para-acessibilidade-linguistica-aos-alunos-surdos-atendidos-no-ifrn-campus-natal-central
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.