Utilizando histórias em quadrinhos (HQs) como ferramenta facilitadora de ensino em tópicos de Genética
Tiago Maretti Gonçalves
Professor de Biologia, doutor em Ciências (Programa de Pós-Graduação em Genética Evolutiva e Biologia Molecular/UFSCar)
No Ensino Médio, as aulas de Biologia costumam ser ministradas de forma quase exclusivamente expositiva. Na literatura, Krasilchik (2004) ressalta que essa metodologia de ensino possui muitos percalços para a plena aprendizagem dos alunos, possuindo grande passividade e alto índice de déficit de atenção dos alunos. Além disso, a Genética é uma área de Biologia muito complexa, com uma grande gama de conteúdos, muitas vezes abstratos, o que desafia o processo de aprendizagem dos discentes. Para superar tais obstáculos, as histórias em quadrinhos (HQs) despontam como uma alternativa metodológica de ensino muito interessante, com a capacidade de tornar o assunto mais prazeroso e com isso promover uma melhor contextualização do aprendizado pelos alunos.
Nesse sentido, na literatura, Santos, Silva e Acioli (2012) ressaltam que o uso de HQs no ensino de Biologia pode estimular a criatividade no desenvolvimento do conhecimento. Carvalho (2019, p. 47) relata que
os potenciais das atividades com HQs servem para motivar os alunos a aprender de forma criativa e não reprodutiva. A utilização de HQs contribui para a motivação discente ao proporcionar situações de aprendizagens distintas da rotina que estavam acostumados a realizar em outras disciplinas.
Araújo, Gonçalves e Dutra (2019) discutem que são várias as razões para o uso de HQs como ferramenta atrelada ao ensino, como aumentar a motivação, curiosidade e o senso crítico, sendo as HQs utilizadas como material de reforço e aplicação de conceitos, auxiliar no hábito de leitura, enriquecer o vocabulário dos estudantes e desenvolver o pensamento lógico, além de serem aplicadas em diversos níveis de ensino, com os mais variados temas.
No entanto, segundo ressaltam Martinussi e Elias (2021, p. 114),
atualmente, as HQs e as charges estão presentes nos livros didáticos, no ensino em sala de aula, em provas de vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Porém, sua desvalorização como recurso de ensino por parte dos docentes leva a falhas na interpretação dos alunos.
Assim, seu uso como recurso metodológico de ensino dentro das aulas de Biologia deve ser mais frequente, garantindo assim um ensino mais descontraído e motivador, despertando até mesmo a ótica de criações artísticas manuais, nas quais os próprios alunos podem elaborar suas próprias HQs com vários temas dentro da Genética ou da Biologia.
Assim, o principal objetivo deste trabalho é facilitar e motivar a aprendizagem dos alunos com a utilização de várias HQs, abordando tópicos de Genética para alunos do 3º ano do Ensino Médio, na disciplina Biologia.
No Quadro 1 estão dispostos, de maneira sucinta, o objetivo, os conteúdos e as habilidades que a proposta educacional permite serem trabalhadas com os alunos.
Quadro 1: Competências que a proposta educacional permite serem trabalhadas com os discentes
Competências |
Descrição |
Objetivo |
Facilitar e motivar a aprendizagem dos alunos com a utilização de várias HQs, abordando tópicos de Genética com alunos do 3º ano do Ensino Médio, na disciplina de Biologia. |
Conteúdos abordados |
Genética:
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Habilidades |
Desenvolver no aluno a capacidade de aprendizado, mediante o uso de atividades alternativas, estimular o hábito da leitura, enriquecer o vocabulário e desenvolver o pensamento lógico dos discentes. |
Materiais e métodos
As HQs utilizadas nesta atividade metodológica alternativa fazem parte da obra publicada por Schultz (2011), intitulada “Genética e DNA em quadrinhos”; foi gentilmente autorizada para publicação pela Editora Blucher. Assim, este artigo possui os resultados em uma ótica de natureza qualitativa. Para a discussão da terceira HQ, será utilizada, para fins comparativos uma corda, fita ou um barbante de 2 metros de comprimento, simulando o DNA nuclear eucariótico não compactado.
Condução da atividade
O professor irá discutir com os alunos cada uma das tirinhas (HQs) sobre os tópicos relacionados ao escopo da Genética que será mais detalhado no próximo tópico. Elas deverão ser impressas pelo professor e entregue aos alunos para condução da atividade proposta.
Também pode ser sugerido que, ao fim da atividade, os alunos reunidos em grupos de quatro integrantes possam criar suas próprias tirinhas relacionadas a diversos temas dentro da Genética ou da Biologia, como a meiose (processo de crossing-over), mitose, duplicação do DNA, síndromes genéticas etc. Ficará a cargo do professor escolher os temas e sua distribuição para a criação das tirinhas pelos alunos reunidos em equipes.
Em um próximo encontro, o professor poderá discutir com os alunos os materiais criados, sanando possíveis dúvidas, realizando, assim, a efetiva apreensão do conhecimento.
Resultados esperados e discussão no escopo da Genética
O presente trabalho teve como principal objetivo facilitar e instigar a aprendizagem dos alunos propondo o uso de HQs abordando vários tópicos de Genética na disciplina de Biologia para alunos do Ensino Médio. A seguir estão as tirinhas utilizadas na atividade bem como os pontos de interesse que o professor poderá trabalhar com os alunos dentro do escopo da Genética. As HQs utilizadas no presente artigo possuem como enredo principal o ET Blurtus 183 e seu simulador virtual de última geração (Simulacron), que, juntos, realizam uma saga explicando a ciência da Genética para a sua majestade real, que tenta vencer uma crise genética em seu reino alienígena.
Na primeira HQ, o professor poderá exibi-la aos alunos e discutir o tema de estrutura e da função dos ácidos nucleicos, destacando a composição química e a estrutura tridimensional da molécula de DNA (Figura 1).
Figura 1. Primeira HQ, que aborda a estrutura e função dos ácidos nucleicos
Fonte: Schultz (2011, p. 34). Gentilmente cedida para reprodução pela Editora Blucher.
Inicialmente, o professor poderá comentar com os alunos que a molécula de DNA desempenha grande importância na célula, armazenando a informação genética e promovendo a hereditariedade, permitindo as instruções para o processo de transcrição (formação do RNA-m) e da tradução polipeptídica (formação das proteínas). O professor poderá discutir com os alunos que o DNA é formado por unidades de nucleotídeos (bases nitrogenadas, nas quais a adenina (A) pareia com a timina (T) e a citosina (C) pareia com a guanina (G). Além disso, o DNA é formado por açúcares pentoses (com sentidos alternados em ambas as fitas, denominadas desoxirribose, e nas extremidades, unidades de fosfato, dando à molécula a presença de cargas negativas. No que tange à sua estrutura tridimensional, pode ser ressaltado aos alunos que o DNA assume a conformação espacial de uma dupla hélice, com sulcos maiores e menores.
Na segunda e na terceira HQs (Figuras 2 e 3), serão abordados com os alunos os níveis de organização e compactação do material genético eucariótico, respectivamente. Na Figura 2 (segunda HQ), deve explicar aos alunos que o material genético eucariótico, diferentemente do procariótico, está compartimentalizado dentro do núcleo celular, nos cromossomos. O cromossomo representa o nível máximo de compactação do DNA eucariótico. Nessa parte da aula, o professor pode mostrar a terceira HQ (Figura 3) e comentar com os alunos que o nosso material genético não seria suportado dentro do nosso núcleo celular se não fosse empacotado por meio de proteínas específicas, denominadas histonas, que se enrolam no DNA, diminuindo o tamanho da dupla hélice, permitindo que ela seja corretamente alocada dentro do núcleo da célula. Para potencializar essa discussão, o professor poderá mostrar um barbante estendido, com aproximadamente dois metros de comprimento. Nesse tamanho, de maneira desestendida, faria alusão ao nosso DNA, que, se não estivesse compactado pelas histonas formando os cromossomos, seria incompatível com a vida. Assim, a compactação do DNA é um processo de grande importância, fazendo com que o material genético eucariótico seja corretamente alocado dentro do núcleo celular.
Também pode ser comentado com os alunos que nós, seres humanos, possuímos 46 cromossomos em nossas células eucarióticas e que esse número pode variar de espécie para espécie. Assim, nossas células possuem 23 pares de cromossomos (22 pares de autossomos e um par de cromossomos sexuais, sendo XX na mulher e XY no homem).
Figura 2: Segunda HQ abordando os níveis de organização do DNA na célula eucariótica
Fonte: Schultz (2011, p. 35). Gentilmente cedida para reprodução pela Editora Blucher.
Figura 3: Terceira HQ, abordando o mecanismo e a importância da compactação do DNA eucariótico no núcleo celular
Fonte: Schultz (2011, p. 33). Gentilmente cedida para reprodução pela Editora Blucher.
Na próxima HQ (Figura 4), o professor pode trabalhar com os alunos o fluxo de informação genética, ou seja, do DNA à proteína, discutindo os aspectos gerais da transcrição e da tradução polipeptídica. No primeiro processo, a transcrição, o DNA serve como molde (1) de informação genética para formação do RNA-m por meio das enzimas denominadas RNA-polimerases (2). Esse processo ocorre dentro do núcleo da célula. O RNA-m, que possui a mensagem para formação das proteínas, deixa então o núcleo celular e é conduzido pelo poro nuclear até o citoplasma da célula eucariótica (3). Na próxima etapa, no citoplasma, chamada “tradução polipeptídica” (4), o RNA-m é atrelado a um conjunto de subunidades de ribossomos (uma maior e outra menor), que é chamado de RNA-ribossômico (RNA-r). Na etapa 5 da HQ, o RNA-r e outro tipo de RNA, chamado de transportador (RNA-t), utilizam as informações da fita simples de RNA-m para formar uma sequência específica de aminoácidos, formando uma cadeia polipeptídica.
Figura 4. Quarta HQ, abordando a transcrição e a tradução polipeptídica
Fonte: Schultz (2011, p. 53). Gentilmente cedida para reprodução pela Editora Blucher.
No último processo da HQ (6), essa cadeia polipeptídica assume uma conformação espacial específica (dobrando-se), formando então uma proteína que, como a HQ exibe, pode ser comparada aos tijolinhos da vida (Schultz, 2011).
Na quinta HQ (Figura 5), está representada a mutação do DNA, intitulada Mutantes Incompreendidos. Nesta HQ, o professor pode abordar com os alunos a definição de mutações e discutir que esse fenômeno nem sempre pode ser encarado como algo maléfico, pois às vezes tem fatores de importância para todos nós. Segundo Pierce (2013, p. 454), “uma mutação é definida como uma mudança herdada na informação genética; os descendentes podem ser células ou organismos”. No que tange à sua importância, as mutações por um lado podem ser “a fonte de toda a variação genética, a matéria-prima da evolução (Pierce, 2013, p. 454). Segundo Pierce (2013, p. 454),
grande parte do estudo da Genética enfoca como as variantes produzidas por mutação são herdadas; os cruzamentos genéticos são insignificantes se todos os membros individuais de uma espécie são identicamente homozigotos para os mesmos alelos.
Na HQ, o autor discute a diferença entre mutações somáticas e germinativas, um aspecto chave de grande confusão para os alunos. O professor deve explicar que a mutação somática é aquela que não é herdável e acomete as células de constituição corpórea (soma), não relacionadas a células reprodutivas (sexuais, germinativas). A mutação das células germinativas acomete as células sexuais (espermatozoide e óvulo) do organismo e são herdadas. Outro aspecto interessante envolve as mutações espontâneas e as induzidas. As mutações espontâneas ocorrem por meio de erros – como da replicação do DNA – ou por processos intrínsecos relacionados à divisão celular, sendo, portanto, um fenômeno que ocorre ao acaso. Por sua vez, as mutações induzidas são ocasionadas por algum fator propulsor, como agentes mutagênicos (colchicina – que inibe a formação do fuso mitótico); radiação ultravioleta (raios UVA, UVB), raios ionizantes (raios X, raios gama), gases poluidores do meio ambiente (monóxido de carbono – CO) etc. Assim, por exemplo, pode ser explicado aos alunos que é de grande importância a utilização de filtros solares com fator de proteção significativo, a fim de proteger a pele contra danos no DNA – mutações, que podem levar ao câncer de pele causadas pelos raios ultravioletas (como UVA e UVB).
Figura 5: HQ sobre o tópico de mutações gênicas
Fonte: Schultz (2011, p. 53). Gentilmente cedida para reprodução pela Editora Blucher.
Além das HQs utilizadas no presente artigo, a obra de Shultz (2011) é muito rica e vale a pena o professor sugerir sua leitura aos alunos. O professor pode também adquirir o livro físico nas livrarias e trabalhar com os alunos outras tirinhas ou HQs com diversos outros temas dentro da Genética que não foram abordados aqui, como por exemplo a tecnologia do DNA recombinante, etc.
Conclusões
O uso de Histórias em Quadrinhos desponta como uma atividade lúdica muito positiva, podendo facilitar a aprendizagem do aluno e tornar a aula mais cativante e interativa, dentro do escopo da Genética na Biologia.
Como perspectivas, o professor poderá propor atividades alternativas, como o uso de filmes do cinema (Gonçalves, 2021), seguidas de discussões e problematizações no intuito de potencializar e facilitar a aprendizagem dos alunos do Ensino Médio na disciplina de Biologia, em tópicos de Genética.
Referências
ARAUJO, C. S. O.; GONÇALVES, C. B.; DUTRA, L. B. As histórias em quadrinhos (HQs) como ferramentas que possibilitam mobilizar as diversas áreas do STEAM. Latin American Journal of Science Education, v. 6, nº 1, p. 12.026, 2019. Disponível em: http://www.lajse.org/may19/2019_12026.pdf. Acesso em: 27 jun. 2021.
CARVALHO, J. L. O uso de histórias em quadrinhos/texto ilustrado como material paradidático no ensino de biologia celular e genética. 2019. 116f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/335652/1/Carvalho_JoseLuanDe_MP.pdf. Acesso em 27 jun. 2021.
GONÇALVES, T. M. O filme “Extraordinário”: utilizando o cinema para potencializar o ensino e a aprendizagem de temas de Genética no Ensino Médio. Revista Educação Pública, v. 21, nº 9, 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/9/o-filme-rextraordinarior-utilizando-o-cinema-para-potencializar-o-ensino-e-a-aprendizagem-de-temas-de-genetica-no-ensino-medio. Acesso em: 27 jun. 2021.
KRASILCHIK, M. Prática de ensino de Biologia. São Paulo: Edusp, 2004.
MARTINUSSI, A. S.; ELIAS, M. A. Charges e HQs no ensino de Biologia: uma análise a partir de questões presentes no Exame Nacional do Ensino Médio –Enem. Revista Sítio Novo, v. 5, nº 2, p. 114-130. 2021. Disponível em: https://sitionovo.ifto.edu.br/index.php/sitionovo/article/view/924. Acesso em: 27 jun. 2021.
PIERCE, B. A. Genética: um enfoque conceitual. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
SANTOS, V. J. R. M.; SILVA, F. B. da; ACIOLI, M. F. Produção de histórias em quadrinhos na abordagem interdisciplinar de Biologia e Química. Renote, v. 10, nº 3, p. 1-8, 2012. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/renote/article/view/36467/23547. Acesso em: 27 jun. 2021.
SCHULTZ, M. Genética e DNA em quadrinhos. São Paulo: Edgard Blucher, 2011.
Publicado em 10 de agosto de 2021
Como citar este artigo (ABNT)
GONÇALVES, Tiago Maretti. Utilizando histórias em quadrinhos (HQs) como ferramenta facilitadora de ensino em tópicos de Genética. Revista Educação Pública, v. 21, nº 30, 10 de agosto de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/30/utilizando-historias-em-quadrinhos-hqs-como-ferramenta-facilitadora-de-ensino-em-topicos-de-genetica
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