Oficinas virtuais dialógicas de narrativas literárias: possibilidades metodológicas em ensino nos tempos de pandemia

Adrielle Macêdo Fernandes da Silva

Mestranda em Ensino em Biociências e Saúde (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz), graduada em Biomedicina (UFF)

Ana Beatriz Acioli Mendes

Graduanda em História da Arte (EBA/UFRJ)

Nathalia Sena Sassone Perrone

Graduanda em História (UNIRIO)

Victor Ramos Strattner

Mestre em Ensino em Biociências e Saúde (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz), especialista em Ciência, Arte, Cultura na Saúde (Fundação Oswaldo Cruz)

Márcio Luiz Mello

Doutor em Ciências (ENSP/Fiocruz), pesquisador do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos (Liteb/IOC/Fiocruz)

Este artigo apresenta resultados de experiências com a oficina dialógica de narrativas literárias (ODNL) realizada virtualmente durante a pandemia da covid-19. Por meio da abordagem CienciArte e da metodologia Pesquisa Baseada em Artes (ABR), a oficina teve como principal objetivo explorar o potencial das artes, especialmente as narrativas literárias, como forma de educar, ensinar e promover a criatividade, o bem-estar e a qualidade de vida aos seus participantes.

Em nosso estudo, descrevemos práticas da oficina desenvolvida e realizada de forma virtual com alunos da Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde (PGEBS/IOC/Fiocruz). Esse grupo é composto por mestrandas e doutorandos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de variados níveis e formações, predominantemente profissionais da Educação.

A partir de nossa articulação teórico-prática envolvendo conceitos da dialogia de Paulo Freire, ensino não formal, CienciArte e pesquisa baseada em arte, buscamos inovações no campo do ensino em Biociências e saúde com as chamadas oficinas dialógicas de narrativas literárias (ODNL), que são desenvolvidas com ênfase nas chamadas narrativas literárias, que incorporam, ao mesmo tempo, nossas histórias de vida e nossas possibilidades de expressões e manifestações artísticas norteadas pela literatura, com a estética e a sensibilidade capazes de nos tocar profundamente.

Para compreender melhor o itinerário de construção dessas oficinas, é fundamental falar do contexto no qual nos inserimos no percurso: a pandemia da covid-19, “uma verdadeira catástrofe humanitária, social, econômica e cultural que atingiu de forma impactante todos os países e continentes da Terra” (Mello; Gomes, 2021, p. 13). Tal cenário, por recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), fez com que fosse necessário evitar o contato físico entre indivíduos com o distanciamento social em virtude do impacto que a crise sanitária exerceu em todo o cenário mundial em escala ampla, irrestrita e geral (Mello; Gomes, 2021; WHO, 2020). Com isso, precisamos adaptar a ODNL ao modelo virtual e nos debruçamos sobre referenciais teóricos novos acerca das tecnologias em ambiente virtual para nos dar suporte.

Por mais que repensar a prática para o modelo virtualizado tenha sido um desafio, a pandemia ressaltou a importância de enfatizar ações sobre o nosso bem-estar, já que o quadro trouxe momentos de incertezas, insegurança, pânico e medo, repercutindo diretamente na saúde mental dos indivíduos (Ornell, 2020). De acordo com Mello e Gomes, “isso pode ser constatado no aumento de transtornos mentais ou no aumento de divórcios relatados na China após a covid-19” (Mello; Gomes, 2021, p. 17).

Essa adaptação para um novo espaço de aprendizagem se desdobrou por questões sanitárias e geográficas, mas a partir das dimensões de redes móveis e conexões de internet as distâncias foram alargadas. Com isso, o contato com o público e as atividades desenvolvidas nas oficinas se mostraram acessíveis, dentro de certa amostragem, devido à criação desses espaços promotores de saberes e de saúde.

A partir de nossas práticas virtualizadas, conseguimos perceber novos ângulos, novas visões de mundo, outras formas de enxergar, assim como conseguimos construir com os participantes momentos de bem-estar, autoconhecimento e interações sociais, entre outros benefícios. Cada oficina foi constituída por atividades articuladas de forma a construir ambientes de acolhimento e aprendizagem.

Neste artigo, enfatizamos a oficina realizada durante a pandemia com sete alunos da PGEBS; estes, em sua maioria, são professores da Educação Básica. Foi uma forma de realizar a experiência das atividades promotoras da saúde com o público, assim como avaliar possibilidades da inserção da prática nos ambientes formais e não formais de ensino. Os resultados foram valiosos para refletir sobre as potencialidades da oficina e suas perspectivas.

Referencial teórico

O referencial teórico da pesquisa foi estruturado articulando os tópicos que circundam a nossa temática, isto é, questões metodológicas diante as abordagens CienciArte e a Pesquisa em Arte, e enfoque nas narrativas literárias, além de, ao trabalharmos em perspectiva não formal, dialogarmos sobre a metodologia remota/virtual em um formato horizontal.

A literatura acadêmica da CienciArte apresenta que “o processo CienciArte não apenas conecta essas diversas formas de conhecimento e experiências, mas também transforma o novo conhecimento que ocorre naturalmente como consequência de sua integração” (Siler, 2011, p. 418). E, ao nos colocarmos em proximidade com o discurso apresentado no manifesto de Bob Root-Bernstein, Todd Siler, Adam Brown e Kenneth Snelson (2011), entendemos que nossos objetivos com a CienciArte em nossa pesquisa se deram por meio da inovação e da colaboração.

A comunicação dialógica e participativa que permeou a ideia das oficinas, muito enriquecida pela pedagogia de Paulo Freire e pela área de ensino não formal (Gohn, 2014), propôs que as oficinas fossem espaços confortáveis e acolhedores para o compartilhamento das narrativas dos participantes. Dessa forma, constituiu-se como uma estratégia que abarcou muitas expectativas, principalmente por promover o encontro de pessoas em lugares diferentes em momentos frutíferos para trocas, expressões artísticas e interações.

A realização de oficinas visou então explorar as histórias que os sujeitos da pesquisa puderam narrar, seja na própria oficina, seja nas entrevistas posteriores. Acentuamos, nesse processo, a importância dessas histórias como potentes formas de dar significância à própria vida, sendo aspectos inerentes ao ser e à sua construção social, cultural e psicológica, além de fundamentais para o compartilhamento de ideias, pensamentos e processos de aprendizagem (Bochner; Riggs, 2014).

Metodologia

O percurso metodológico do presente trabalho perpassou várias fases, algumas já intrínsecas ao processo de pensar como a pesquisa se desenvolveria e outras marcadas pela imprevisibilidade da pandemia da covid-19. Propomos, neste trabalho, um levantamento bibliográfico multidisciplinar temático que preza pela abordagem qualitativa de suas ações e as reações que a pesquisa implicou em seus avanços de natureza social e cultural.

Ao abordarmos as práticas artísticas diante de uma investigação, refletimos sobre a forma transdisciplinar horizontal de troca de saberes. Na perspectiva da abordagem ArtScience (em português, CienciArte), integramos as posturas sensíveis e experimentais com métodos racionais e analíticos, os quais têm como proposta ser enfatizados não como campos separados, mas sim como síntese de um processo.

De acordo com Araújo-Jorge e colaboradores (2018), nesse encontro transversal da Ciência com a Arte e vice-versa os produtos gerados são vistos de forma indissociável. Suas especificidades não são perdidas nem são entendidas separadamente, pois, sob o tratamento de duas ou mais perspectivas, fazem com que haja um engrandecimento na busca de soluções inovadoras para as mais diversas áreas, incluindo ensino, saúde e ciência.

Essa partilha e contribuição expõe a criatividade no ato de compreender algo. “Aprende-se que tudo é uma metáfora [...], explora muitas maneiras de representar a mesma fonte de conhecimento disciplinar sem alterar a integridade desse conhecimento” (Siler, 2011, p. 421). Segundo Silva e Neves (2015, p. 432), a arte, em conjunto com a ciência, abre novas possibilidades participativas, sejam críticas, criativas e/ou produtivas.

Em toda a história da humanidade, no pensamento ocidental, a Arte e a Ciência viveram um relacionamento longo no período do Renascimento, mas foram se distanciando ao longo do século XVII. Vemos, então, uma constante relação de aproximações e reaproximações que aqui observamos nas questões educacionais e de dimensões da promoção da saúde. Por isso, usando linguagens artísticas para desenvolver um estudo científico dentro do campo da Saúde, articulamos informações artecientíficas. Portanto, CienciArte proporciona critérios potencialmente metodológicos que no século XXI tornam-se quase recorrentes no ato da pesquisa (Root-Bernstein, 2001).

Além da abordagem CienciArte, neste estudo utilizamos a chamada Arts-Based Research (ABR – em português, Pesquisa Baseada em Artes), que nos possibilita maior flexibilidade e diversidade nos caminhos da pesquisa; um método que apresenta desafios como, por exemplo, o destaque ao processo da pesquisa ao invés de um resultado específico, assim como possibilidades de reorientar o que foi previamente projetado e a seleção da validação dos resultados de pesquisa, podendo ser performance ou através de uma abordagem qualitativa (Strattner, 2021).

No que diz respeito à hipótese de trabalho, pesquisadores que utilizam a metodologia da Art-Based Research (ABR) se questionam sobre como a arte incentiva as mais diversas expressões dos participantes, incluindo as etapas que vão desde a coleta de dados, passando pela análise, interpretação, representação até considerações finais, ou seja, durante todo o processo de pesquisa (Leavy, 2009), de maneira mais horizontal e dialógica possível (Freire, 1996).

Para facilitar a prática e o levantamento dos dados da pesquisa antes de iniciar uma pesquisa, McNiff (2018) levanta quatro questões centrais, respondidas aqui de acordo com nossas premissas, sendo elas:

1. Quais são os tópicos que se quer explorar?

Com as práticas desenvolvidas na ODNL, buscamos a expressão das narrativas possíveis no cotidiano dos nossos participantes, a partir de atividades envolvendo evocação de memórias da infância, construção de personagens, associação entre imagens ou músicas com narrativas e contação de histórias, entre outras possibilidades. Dessa forma, visamos promover para os participantes estímulo à criatividade, à imaginação, ao autoconhecimento, ao bem-estar e a interações sociais, entre outras possibilidades.

2. Como você irá fazer isso?

A oficina é estruturada com a união de concepções/insights em CienciArte, do campo da Pesquisa Baseada em Artes e alguns exercícios de escrita criativa. Devido ao contexto pandêmico, nossas oficinas foram realizadas de forma virtualizada (síncrona e assíncrona) com alunos da pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde (PGEBS/IOC/Fiocruz).

3. Por que você quer fazer dessa maneira?

Acreditamos que a associação entre a abordagem CienciArte e a metodologia Pesquisa Baseada em Artes é uma forma de ampliar nossos caminhos dentro da pesquisa. Para Leavy (2015), as práticas artísticas podem ser bastante envolventes, já que tocam nossas emoções e podem nos levar a ver ou pensar de formas diferentes. Dessa forma, pensamos que tal conexão demonstra ser uma forma eficaz e instigante para educar, falar, pensar, refletir, produzir aspectos científicos, de ensino e saúde.

4. Como será útil para você e outras pessoas?

Ter a oportunidade de pesquisar e realizar práticas a partir da interface entre ciência e arte permite abranger os conhecimentos e explorar as possibilidades como pesquisador, artista, ser humano. Com a oficina, visamos promover momentos de bem-estar aos participantes por meio do estímulo à criatividade, expressão, acolhimento, empatia, autoestima, entre outros aspectos, pretendidos pela nossa oficina. Além do mais, esperamos que os resultados obtidos com essa pesquisa possam contribuir para a ampliação de conhecimentos na área de ensino e promoção de saúde por meio de CienciArte e pesquisa baseada em artes (especialmente na área de narrativas literárias).

A descrição das oficinas

Como já mencionado, as oficinas foram concebidas com base na associação entre a abordagem CienciArte e ABR; além disso, devido a virtualização necessária por causa da pandemia, pautamo-nos também na utilização de metodologias ativas, associando com as chamadas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). As TDIC podem configurar-se em muitas possibilidades que remodelam o protagonismo e as experiências do público-alvo. Diante da nossa proposta global de oficinas, pensamos em incorporar o uso das chamadas ‘’redes sociais’’, como o WhatsApp, um tipo de recurso já bastante integrado ao dia a dia da maior parte dos brasileiros.

Capra (2008) afirma que as redes sociais são redes de comunicação que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais e relação de poder, entre outros. São ferramentas que facilitam formas de expressões que potencializam o estabelecimento de interações entre os usuários, chamados de atores da rede. Com isso, as redes sociais são integrantes presentes e importantes em nossas práticas virtuais, sendo utilizadas em momentos distintos, desde divulgação, interação entre participantes, consolidação de informações e aprendizagens e comunicação, entre outras possibilidades.

Diante do isolamento social, os processos de ensino, principalmente os de ensino formal – escolas, universidades, pós-graduações, entre outras – precisaram recorrer ao ensino remoto. Diante dessa tendência, uma forma de TDIC passou a fazer parte da rotina desses estudantes, assim como de professores/educadores: a videoconferência. Temos o Google Meet e o Zoom como nossas principais escolhas; porém, independentemente da plataforma, esse formato de se encontrar por tela para ensinar e interagir se tornou parte da rotina de milhões de indivíduos ao redor do mundo.

Dentro do contexto das nossas oficinas, precisamos ter em mente que devemos refletir sobre plataformas acessíveis de videoconferência, dominá-las para realizar a assistência ao participante, a fim de garantir que todos estarão cientes de como utilizar a ferramenta adequadamente, assim como no momento em que se tratar de uma apresentação síncrona, os participantes devem estar disponíveis para o encontro em determinado horário decidido com antecedência.

Os materiais utilizados em nossa prática são, em sua maioria, elementos simples que temos em casa, uma folha em branco e caneta. Os participantes podem utilizar outros materiais, como lápis de cor, giz de cera, tinta, de acordo com a sua forma de expressar-se. Além do mais, por ser uma oficina virtualizada, precisamos que o participante possua recursos específicos, como telefone celular e/ou computador e rede de internet.

A oficina é constituída por seis atividades dialógicas construídas com base em nossos referenciais, dispostas em uma ordem que consiga promover, cada uma a seu modo, os objetivos desejados. A primeira atividade utiliza a rede social de comunicação WhatsApp; mediante as figurinhas preferidas dos participantes, essa atividade rápida configura-se como um ‘’quebra-gelo’’ inicial para descontrair e conhecer os demais de forma diferente.

Continuamos com uma atividade mais lúdica de estímulo à percepção do espaço, criatividade e imaginação: ‘’dar vida a um objeto’’; consiste em observar o entorno e escolher um objeto. Após isso, estimulamos a construção, na folha em branco, de características para o objeto, tal como nome, personalidade, principais desejos, entre outros. Após a escrita em papel, os participantes que desejarem abrem seus microfones e compartilham o que construíram com o grupo.

Da mesma forma, a terceira atividade propõe o compartilhamento de pensamentos, porém enfatizando as memórias da infância. É uma maneira de resgate de uma fase lúdica em que nossa criatividade e nossa imaginação atuavam de forma intensa em nossas vidas.

Em nossa quarta atividade, trabalhamos muitos elementos de uma narrativa, dentre eles enredo, espaço e tempo. A atividade consiste em observar uma seleção de imagens e fotografias e, ao mesmo tempo, registrar qual palavra vem à mente ao observar tais figuras. Nossa seleção inclui 20 imagens que exibem muitos cenários distintos, obras de arte, paisagens e pessoas, entre outros elementos. Os participantes escolhem as que mais chamaram sua atenção e compartilham narrativas que pensaram a partir delas.

A construção do personagem protagonista representa nossa quinta atividade, em que, inicialmente, em uma folha de papel, os participantes foram instruídos a também fazer um rascunho dos aspectos físicos do personagem. É um exercício mais elaborado que visa reunir, a partir da imaginação e criatividade dos participantes, características físicas, psicológicas, emocionais, de cenário, entre outras que permeiam as narrativas que eles estão desenvolvendo ao longo da oficina.

A partir do conjunto de atividades, chegamos ao nosso desafio final, que consistia em escrever uma narrativa/história sobre seu personagem a partir das suas escolhas nas atividades, no formato em que mais se sentissem confortáveis (podendo ser um conto com poucos personagens, história curta, prosa, poema narrativo, enfim, da forma de preferência para contar a história). É uma atividade assíncrona, ou seja, os participantes a realizam fora do tempo de cerca de duas horas destinado à nossa oficina virtual.

No pós-oficina, a ficha de avaliação (Formulário Google) foi repassada aos participantes com perguntas acerca da experiência realizada, desde adaptação ao modelo virtualizado até críticas e sugestões sobre a atividade. Além disso, no grupo de WhatsApp, foi oferecida assistência para a realização da atividade final, com a construção e divulgação de material de apoio.

A pesquisa se deu no âmbito do mestrado em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, e foi submetida ao Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz/IOC/Plataforma Brasil e aprovada sob o número do CAAE 45128821.8.0000.5248 em 15 de abril de 2021.

Análise e descrição de dados

O percurso de articulação teórico-prático envolvendo as abordagens metodológicas estudadas levaram à oficina que é descrita neste artigo. Vale ressaltar que anteriormente uma oficina piloto/teste foi realizada com público semelhante para verificar se a prática estava funcionando de forma adequada e realizar ajustes. A partir disso, foi possível realizar nossa oficina com alunos da pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde (PGEBS) da Fiocruz.

Utilizamos a rede social WhatsAppcomo ambiente virtual de divulgação no grupo dos discentes da PGEBS. Compartilhamos a proposta resumida da oficina, assim como um Formulário Google em que se podia compreender mais, aceitar TCLE e autorizar uso de imagem. Nesse formulário, os candidatos tiveram informações gerais coletadas; com isso, obtemos nosso perfil inicial do grupo, formado por cinco mulheres e dois homens, com idades variando de 28 a 50 anos, todos residentes no Estado do Rio de Janeiro e em sua maioria professores.

Destacamos nesse primeiro momento de observação dos nossos participantes, os motivos pelos quais eles se interessaram por nossa oficina. Tal informação diz muito sobre nossas possibilidades e formas de atender demandas desse público. Foi possível que a oficina representasse uma oportunidade de aprimoramento na temática que seria investida na sua atuação profissional/acadêmica, como visto em algumas respostas:

Tenho interesse em realizar atividades de escrita criativa nas minhas turmas de EM com intenção de aumentar a interação da turma e facilitar o processo ensino-aprendizagem (Participante 1).

Aprendizado sobre formas diferentes de trabalhar Ciência e Arte para promoção da saúde (Participante 2).

Vai ao encontro ao caminho de minha pesquisa (Participante 7).

Da mesma forma, alguns traduziram sua disposição em participar pela temática das oficinas, de acordo com as suas preferências pessoais:

A temática é muito interessante (Participante 4).

Gosto de escrever! (Participante 6).

Salientamos que, além das intenções de divulgação, o papel do grupo na rede social WhatsApp consistiu no registro das etapas da oficina e para nossa comunicação, oferta de materiais, troca de ideias e vivências, entre outras possibilidades que a interação social nos possibilitou. Foi inclusive utilizado em nossa primeira atividade, em que os participantes compartilharam as figurinhas que mais utilizavam na rede, assim como a que usavam quando estavam felizes ou quando algo dava errado.

Diante da intensificação do uso das redes sociais nos últimos tempos, precisamos, como pesquisadores em CienciArte, com ênfase nas narrativas, refletir sobre quais as formas utilizadas em nosso mundo contemporâneo para contar histórias. Por causa disso, foi uma experiência divertida e simbólica realizar tal atividade com os participantes.

Dando seguimento à oficina, na segunda atividade pudemos trabalhar a imaginação e a criatividade do grupo ao dar vida a objetos do espaço; então tivemos cofre, caneta e boneca, entre outros, ganhando nome, idade, sonhos e sendo instrumento de muitas histórias que nos foram contadas. Diante de muitas risadas, identificações e significados nos relatos do grupo, observamos a importância de exercitar nossa percepção e capacidade de criar.

De forma semelhante, em nosso exercício seguinte, as lembranças da infância fizeram com que nosso espaço se tornasse um livro aberto de narrativas. Além de brincadeiras como queimada, pular elástico, pique-esconde, surgiram muitas histórias envolvendo a família, muito associada por nossos participantes a esse período de suas vidas. Seja no bolo que a avó fazia ou ir à igreja com os pais no domingo, memórias foram compartilhadas de forma simbólica.

De acordo com Barbosa-Lima (2020), devemos nos permitir expandir nossa imaginação, seja evocando lembranças do passado com vivências nossas ou imaginando nosso futuro, com nossas expectativas; isso nos torna sujeitos mais criativos. Com isso, pensamos que tal atividade pode ser um mote significativo para acessar uma parte de nós que está sempre a todo vapor em relação à nossa potência em criar, desde ficção até a síntese de vivências.

Em nossa quarta atividade, conseguimos, diante das 20 palavras que cada participante nos trouxe a partir das imagens (com a exceção de um participante que não escreveu duas palavras), refletir sobre que narrativas podem surgir dessa seleção. No que diz respeito à contabilização das impressões de nosso público, trouxemos o método da nuvem de palavras por meio da TDIC on-line sueca Mentimeter, em que quanto maior o destaque centralizado da palavra e o tamanho de sua fonte, maior é sua aparição no vocabulário dos participantes da oficina. Com isso, obtivemos esta visão gráfica da atividade com os alunos da PGEBS:

Figura 1: Nuvem de palavras da atividade 4 da oficina feita no Mentimeter

Após as atividades anteriores com estímulos constantes, nossa quinta atividade só destacou o quanto os participantes estavam submersos no mundo das narrativas. Em seus processos autorais de criação de personagens protagonistas, tivemos desde um sol chamado Sr. Energil, que amava abraços quentinhos e tinha medo de nuvens; uma mulher transgênero chamada Ana, que sonhava em ser aceita como é; até um pássaro preso na gaiola que só queria ser livre, mas tinha receio do desconhecido. Cada uma das narrativas desenvolvidas dentro da oficina foi especial e impulsionou diversas expressões artísticas dos participantes.

Dessa forma, nossa proposta de oficina caminha ao encontro do ponto de vista de Bochner e Riggs (2014), em que as narrativas estão em contínuo aumento, seja nos aspectos pessoais, de histórias de vida, depoimentos, evocação de memórias, investigações narrativas e pesquisas autobiográficas, entre outras formas. O mundo social cada vez mais utiliza as histórias nos variados contextos, e é interessante utilizá-las como forma de inovações em ensino, ciências e saúde.

O feedback da oficina, tanto ao final do evento quanto no preenchimento do formulário de avaliação, foi, de forma geral, positivo. Nos pontos principais abordados no Formulário Google (anônimo), a maioria relatou não ter tido problema com a conexão; todos conseguiram acessar a plataforma sem dificuldades e compreenderam bem todas as atividades. Ressaltamos que, possivelmente por ser um tópico sensível de sua vivência, um dos participantes relatou no formulário que sentiu desconforto ao relembrar a infância.

Quando questionados sobre as partes de que mais gostaram, estas foram algumas das respostas:

Difícil dizer. Todos foram ótimos, mas destaco a atividade 5.

A última parte! Adoro processos criativos!

Recordações de minha infância. Lembrança de minha avó e do surgimento da música em minha vida.

A oficina foi inteiramente integrada e gostosa.

Os participantes relataram como foi importante ter aquele momento de compartilhamento de histórias, de trocar experiências e memórias, expandir a criatividade e imaginação, entre tantas outras respostas advindas dessa experiência. Nas observações extras, tivemos os seguintes comentários no formulário:

Adorei a proposta e a forma como foi conduzida! Continue com o bom trabalho!

Talvez uma atividade em que cada um pudesse usar a arte que sabe desempenhar ou expressar.

Parabéns pelo trabalho. Foi excelente!

Considerações finais

Tendo em virtude todos os referentes teóricos mencionados, verificamos a potencialidade de autonomia que nos é oferecida com novas abordagens e metodologias ativas com uso de tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC), que se mostram relevantes quanto ao cenário atual, pois a educação vem sofrendo diversas modificações nos últimos anos e as TDIC oferecem formas inovadoras de se expressar, possibilitando interações mais dinâmicas, o que confirma as transformações pelas quais as formas de comunicação e a aprendizagem vêm passando. Se antes atividades como essa se davam exclusivamente de forma presencial (síncrona), hoje em dia podem ser realizadas com uma parte síncrona e outra assíncrona.

Os caminhos metodológicos percorridos pelas oficinas dialógicas elaboradas em período de isolamento social salientam a comunicação virtual obtida em cada uma das etapas desenvolvidas, como coleta e distribuição de informação. Para se ter um espaço reflexivo e de interação dialógica, devemos estabelecer uma relação com o outro; por isso, o uso instrumental das redes sociais e das ferramentas/aplicativos digitais.

Percebemos que as oficinas dialógicas de narrativas literárias podem ser uma ferramenta eficaz para pensar, refletir, educar e de bem-estar e promoção da saúde, principalmente em tempos mais sombrios, como o que vivemos. Elas apresentaram-se como possibilidade flexível para ser utilizada tanto espaços não formais como em formais de ensino, em que, por meio das narrativas, fosse possível estimular os participantes em diversos aspectos de sua vida, pois por alguns instantes podemos dizer que trouxeram a nós e aos participantes mais energia e otimismo, por meio de alguma coisa que trouxe prazer, diversão e leveza.

Também observamos a importância de criar situações significativas e lúdicas para motivar os participantes, apesar de não ser por meio somente da ludicidade que as pessoas possam ser motivadas para engajar em uma proposta, como essa da nossa oficina.

As oficinas propiciaram formas para que os participantes se mostrassem de forma criativa, além de deixá-los à vontade para que se expressassem e contassem histórias, enfim, emergindo nas atividades, muitas vezes podendo expressar emoções. Foi uma experiência simbólica, ainda mais devido ao contexto da pandemia da covid-19 e de isolamento social; esperamos conseguir realizar muitas outras oficinas em nossa jornada.

Referências

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Publicado em 05 de abril de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Adrielle Macêdo Fernandes da; MENDES, Ana Beatriz Acioli; PERRONE, Nathalia Sena Sassone; STRATTNER, Victor Ramos; MELLO, Márcio Luiz. Oficinas virtuais dialógicas de narrativas literárias: possibilidades metodológicas em ensino nos tempos de pandemia. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 12, 5 de abril de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/11/oficinas-virtuais-dialogicas-de-narrativas-literarias-possibilidades-metodologicas-em-ensino-nos-tempos-de-pandemia

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