Educação Matemática Crítica e a contemporaneidade: uma reflexão frente à problemática das fake news

Jessé Lemos Pereira

Licenciando em Matemática (IFMG – Câmpus São João Evangelista)

João Gabriel Moura da Silva

Licenciando em Matemática (IFMG – Câmpus São João Evangelista)

Sara Generoso da Silva

Licencianda em Matemática (IFMG – Câmpus São João Evangelista)

José Fernandes da Silva

Doutor em Educação (IFMG – Câmpus São João Evangelista)

O crescente aumento de notícias fraudulentas – denominadas fake news – têm promovido a deterioração do tecido pelo qual se forma a democracia, colocando em ceticismo neurótico instituições científicas e democráticas fundamentais para a superação dos problemas sociais e econômicos da atualidade.

Segundo o Relatório de Segurança Digital no Brasil (2018), “as chamadas fake news tiveram um aumento de 50,6% no número de registros realizados pelo Dfndr Lab, saltando de 2,9 milhões para 4,4 milhões entre o primeiro e o segundo trimestre de 2018” (Dfndr Lab, 2018). Vale lembrar que o Dfndr Lab é o laboratório especializado em segurança digital da Psafe. Formado por um time de especialistas em cibersegurança, utiliza técnicas de inteligência artificial e machine learning para detectar, analisar e alertar a população sobre os mais recentes e sofisticados ataques cibernéticos.

As notícias falsas, disseminadas em grandes proporções nas mídias sociais, não são produtos da reflexão e veracidade, mas sim das curtidas e compartilhamentos que deturpam a realidade e isolam em bolhas epistemológicas visando homogeneizar as ideias. Assim, o debate, a criticidade e “o outro” deixam de existir e acaba-se por desmotivar a dialogicidade, fundamental para a construção de um campo democrático dentro e fora das salas de aula.

Ademais, grande parte dessas notícias possuem elementos matemáticos errôneos sobre porcentagem, função, gráficos estatísticos, razão e proporção. Com isso, cabe à escola, como agente transformador, não permanecer inerte frente a essa problemática de cunho social.

Gadotti enfatiza a escola

como lugar de pessoas e de relações, é também um lugar de representações sociais. Como instituição social, ela tem contribuído tanto para a manutenção quanto para a transformação social. Numa visão transformadora, ela tem papel essencialmente crítico e criativo (Gadotti, 2017, p. 11).

Pelo supracitado e por diagnósticos realizados pelos autores deste trabalho, utilizando como base as experiências adquiridas na participação no Programa de Iniciação à Docência (Pibid) e no Programa Residência Pedagógica (PRP), reconheceu-se a necessidade do uso da Educação Matemática Crítica (EMC) para o atendimento de demandas sociais e individuais em todo o corpo escolar, buscando a formação de indivíduos conscientes de seus direitos e deveres com a finalidade de exercer a cidadania na sociedade na qual está inserido. Para tanto, este trabalho buscou investigar, à luz da EMC, como as investigações científicas têm discutido a relação entre Matemática e fake news.

Para contextualizar: o Pibid é uma ação da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação que visa proporcionar aos discentes na primeira metade do curso de licenciatura sua aproximação prática com o cotidiano das escolas públicas de Educação Básica e com o contexto em que elas estão inseridas. O Programa de Residência Pedagógica, por sua vez, é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores e tem por objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de Educação Básica, a partir da segunda metade de seu curso.

A Matemática tem sido permeada por roteiros e algoritmos prontos que não envolvem criticidade e reflexão sobre seu uso. Segundo D’Ambrosio (1996), pode-se orientar o currículo matemático para a criatividade, para a curiosidade e para a crítica e o questionamento permanentes; espera-se que a Matemática contribua para a formação de um cidadão na sua plenitude. Assim sendo, entende-se que a busca por uma discussão sobre a relação dialética entre fake news e Educação Matemática é de grande valia na realidade escolar.

Educação Matemática Crítica

Neste tópico, será apresentado o referencial teórico sobre temas relacionados à investigação deste trabalho: EMC e a problemática das fake news. O principal escopo teórico deste trabalho está fundamentado na corrente de pesquisa em Educação Matemática denominada Educação Matemática Crítica (EMC), pensada na década de 1980 pelo professor dinamarquês Ole Skovsmose, que rapidamente ganhou influências em todas as partes do mundo.

Skovsmose (2021) esclarece que a EMC não é um passo a passo a ser utilizado pelo professor ou pesquisador nas aulas de Matemática, muito menos uma metodologia de ensino. A EMC é uma expressão das preocupações de duas naturezas: a primeira em relação aos problemas contemporâneos que afetam principalmente a democracia, justiça social e relações sociais, pois, para Skovsmose (2021), não existe distinção entre EMC e Educação Matemática para a justiça social; a segunda se propõe a pensar sobre o papel social que a Matemática desempenha em uma sociedade tecnológica.

Skovsmose (2021) atenta para o fato de que nenhum desenvolvimento tecnológico seria possível sem os artefatos da Matemática; portanto, essa é muito mais que uma ferramenta para compreensão da realidade. Se a Matemática é a linguagem fundamental da tecnologia, a EMC apresenta grande preocupação com o papel sociopolítico que a Educação Matemática pode desempenhar, buscando combater a interpretação da neutralidade do ensino de Matemática e mostrando as suas consequências sociais na atualidade.

No livro Educação Matemática Crítica: a questão da democracia, Skovsmose (2001) destaca algumas escolas de pensamento que detêm influência sobre o ensino da Matemática na atualidade: o estruturalismo, pragmatismo e a orientação ao processo. 

O estruturalismo, que surgiu no século XX, se concretiza como escola de pensamento baseada na premissa de que o conhecimento só pode ser absorvido por meio de estruturas prefixadas e construídas. Na Educação Matemática, é defendida a tese de que o currículo de Matemática deve ser ensinado e planejado por matemáticos profissionais que conhecem a influência matemática para organização do conhecimento científico. Essa Matemática sistematizada deve ser transferida para o aprendiz por meio de concretizações de acordo com o potencial epistemológico de cada um.

O pragmatismo, explica Skovsmose (2001), surge em oposição ao estruturalismo, defendendo uma ideia utilitária de Matemática. Os grandes avanços na ciência e na tecnologia, sobretudo no século XVII, estão associados à matematização da natureza, papel esse atribuído a Galileu (Roque, 2012). Sendo assim, para os defensores do pragmatismo toda a importância do conhecimento matemático não está nele, e sim nos problemas científicos e tecnológicos que ela potencialmente pode resolver. A filosofia pragmática orienta a Educação Matemática para os problemas aplicáveis passíveis de serem resolvidos com suas ferramentas.

Por fim, na escola de pensamento orientação ao processo é defendida a tese de que a Matemática não está ligada a nenhum conhecimento, de modo que a sua importância está no raciocínio ou insight sobre o qual é feita a descoberta de seus princípios. Desse modo, seu grande objetivo é que os próprios estudantes descubram as invenções dos matemáticos e a eles seja dado o modo de pensar que levaram os matemáticos a chegar a certas invenções e conclusões.

Por mais que essas escolas tenham contribuído e influenciado positivamente na Educação Matemática, Skovsmose (2001) mostra que o desenvolvimento da competência crítica não se materializa nos pressupostos metodológicos de nenhuma delas.

D’Ambrosio (2007) destaca que o modelo tradicional de ensino, pautado nos processos explicativos de cálculo, centrado no professor e baseado na repetição de diversos tipos de exercício, tem sido frequente na aula de Matemática. Não importa a escola de pensamento que determina os rumos da Educação Matemática, conforme Skovsmose (2001), tem faltado a competência crítica para ensino e aprendizagem da Matemática.

A competência crítica se materializa na capacidade da Educação em discutir os problemas sociais vigentes, em reagir aos problemas contemporâneos e em evidenciar as relações de poder econômico que influenciam a elaboração do currículo da Matemática. Sob cada um dos paradigmas de pensamento contemporâneo, Skovsmose (2001) mostra que a Educação Matemática tem contribuído muito mais como extensão das relações de poder do que como um instrumento dialógico de questionamento da realidade e de tratamento do conhecimento que discute a realidade do aprendiz não promovendo a alienação.

A problemática das fake news

As chamadas fake news intensificaram a desinformação e a propagação de mentiras, tomando proporções cada vez maiores, sobretudo em razão de sua fácil disseminação pela internet. Nesse sentido, considera-se neste trabalho a propagação de notícias falsas como um problema de cunho social que deve ser discutido e combatido pela sociedade, a fim de construir um país cada vez mais democrático.

Para a discussão da problemática das fake news na sociedade, foram utilizados como principal base teórica os trabalhos desenvolvidos pelas autoras D’Ávila (2020) e Kakutani (2018), que, mesmo morando em países diferentes e vivendo realidades distintas, se complementam em muitos aspectos abordados.

O termo fake news, que provém da língua inglesa tem como significado literal "notícia falsa”. Entretanto, para a discussão deste trabalho, considerou-se que traduzir esse termo para a língua portuguesa não seria o usual, uma vez que as fake news são notícias intencionalmente fraudulentas, falsas, criadas com o objetivo de lesar a opinião daquele que a lê (Mannarino; Mihich, 2018).

Portanto, o conceito de fake news ao qual este trabalho se refere será das notícias falsas produzidas e disseminadas deliberadamente, com o intuito de manipular a opinião pública e promover ideologias (Jardelino; Cavalcanti; Toniolo, 2020).

Segundo alguns autores, o termo sempre esteve presente ao longo da história, não sendo possível datar exatamente quando foram produzidas as primeiras notícias fraudulentas no mundo. Mas pode-se perceber que, pelos atuais meios utilizados para sua divulgação, ela adquiriu maior potencial de persuasão nos últimos anos, principalmente a partir de 2016, durante a eleição presidencial norte-americana, quando passou a ser usado de forma onipresente (Campos 2018; D’Ávila, 2020; Kakutani, 2018).

Entretanto, os ataques à verdade não ficaram limitados somente aos Estados Unidos; se espalharam pelo mundo, como um vírus, utilizando as redes sociais como seu principal meio de propagação. Dessa forma, as altas propagações de notícias fraudulentas, com o surgimento de ondas de populismo e fundamentalismo, fizeram, e ainda fazem, com que as pessoas recorram mais ao medo e à raiva do que ao debate sensato, corroendo as instituições democráticas e marcando a ascensão do radicalismo e denominando esta como a era da pós-verdade (Kakutani, 2018; Pinto; Moraes, 2020).

No Brasil, as eleições de 2018 também ficaram manchadas pelas diversas fake news divulgadas nas mídias sociais que ganharam credibilidade a cada curtida e compartilhamento (D’Ávila, 2020).

Segundo D’Ávila (2020), as notícias fraudulentas apresentam-se de tal forma que alimentam e reforçam o discurso de ódio contra determinados grupos sociais baseado em raça, etnia, gênero, orientação sexual, religiosa ou origem nacional. São diversas as narrativas, citadas pela autora, de pessoas que enfrentaram e/ou ainda enfrentam dificuldades no convívio social, sendo agredidas oralmente ou até mesmo fisicamente em razão de uma mentira divulgada em seu nome, proveniente de indivíduos que se mantêm geralmente em anonimato.

D’Ávila (2020) e Kakutani (2018) demonstram a influência das notícias fraudulentas no crescimento de movimentos racistas, contra a ciência (como os antivaxxers), LGBTfóbicos, misóginos, supremacistas brancos, negacionistas e outros, corroendo as instituições democráticas e criando bolhas ideológicas e segregacionistas na sociedade.

As autoras compartilham, em seus trabalhos, a ideia de que, para o combate dessa rede de ódio e a diminuição de propagação de notícias fraudulentas, “é necessário educar para a internet, para que as pessoas saibam checar e, também possam refletir antes de apertar o botão de compartilhar” (D’Ávila, 2020, p. 121).

Percursos metodológicos

Este trabalho se encaixa na modalidade de pesquisa qualitativa, tendo como principal preocupação de investigação, conforme Godoy (1995), o contexto do objeto analisado.

Todo o processo de pesquisa se deu utilizando a metassíntese qualitativa, uma das modalidades de pesquisa que realiza uma revisão sistemática de investigações que visa produzir interpretações ampliadas de resultados ou achados de estudos qualitativos obtidos por estudos primários (Alencar; Almouloud, 2017; Fiorentini, 2013).

Dessa forma, é possível realizar um estudo mais conciso e profundo das investigações primárias. Neste sentido, Matheus (2009) reforça que

os estudos de outras investigadoras dessa área que têm fundamentado os poucos estudos nacionais decorrentes de metassíntese esclarecem que a nova síntese interpretativa dos dados não é uma visão resumida com características desvinculadas daquele evento ou experiência, mas sim integra os dados a fim de alcançar um nível teórico de compreensão mais elevado (Matheus, 2009, p. 544).

Visando corroborar o objetivo da pesquisa, utilizaram-se neste trabalho as etapas da metassíntese qualitativa explanada por Matheus (2009), as quais estão na Figura 1.

Figura 1: Etapas da metassíntese qualitativa

Fonte: Baseada no trabalho de Matheus, 2009.

As etapas apresentadas na Figura 1 estão descritas neste tópico e na análise de dados deste trabalho. O principal objetivo, já descrito na introdução da pesquisa, foi investigar, à luz da EMC, como as investigações científicas têm discutido a relação entre Matemática e fake news.

Com a finalidade de atingir tal objetivo, a pesquisa investigou as modalidades de dissertação, tese e artigo científico nos principais bancos de pesquisas: BDTD, Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, Google Acadêmico e SciELO. Para isso, foram utilizados os seguintes descritores nos campos de busca das plataformas: “fake news and Matemática”, “fake news and Educação Crítica”, “fake news and Educação Matemática" e "fake news and Educação Matemática Crítica''.

Para a análise qualitativa dos trabalhos catalogados, escolheu-se segmentá-los em cinco categorias que tinham como objetivo organizar em classes trabalhos que tinham objetos de estudo semelhantes. Nesse sentido escolheram-se características em comum que os trabalhos catalogados compartilhavam entre si para agrupá-los, conforme destaca Gil (2008).

Foram criadas 5 categorias:

a) Práticas de Matemática na Educação Básica - O princípio de classificação práticas de Matemática na Educação Básica buscou estabelecer quais trabalhos, dentre os disponíveis, privilegiam a relação entre Educação Matemática e a problemática das fake news explorada no âmbito da Educação Básica.

b) Práticas educativas de Matemática no Ensino Superior - Esta categoria teve como utilidade selecionar os trabalhos que apresentam como objeto de estudo uma interlocução entre Educação Matemática e fake news no Ensino Superior.

c) Modelos matemáticos gerais - Nesta categoria foram agrupados trabalhos de Matemática Aplicada que desenvolveram contribuições para o combate à disseminação de fake news.

d) Reflexões sociais - Nesta categoria, organizaram-se os trabalhos que tinham como alvo reflexões sobre o impacto das fake news no meio social e qual o papel e a participação da Educação Matemática perante esse fenômeno. As abordagens nos trabalhos selecionados não trazem reflexões apenas no âmbito escolar ou acadêmico, mas sim para a sociedade tecnológica marcada por esse bombardeamento de informações.

Análise dos dados

Para início da análise de dados obtidos, foram considerados todos os resultados encontrados nas plataformas que preferencialmente fossem escritos nos anos de 2018 a 2021, considerando inicialmente todos os resultados que discutiam ambas as temáticas.

No primeiro processo de busca, foram obtidos, a princípio, 20.339 resultados de trabalhos acadêmicos em geral. O Quadro 1 demonstra a relação de trabalhos encontrados, distribuídos por plataformas.

Quadro 1: Distribuição das pesquisas encontradas

 

Nº de pesquisas por plataforma

Descritores

BDTD

Capes

Google Acadêmico

SciELO

Fake news and Matemática

1

46

5.490

0

Fake news and Educação Crítica

5

0

10.500

3

Fake news and Educação Matemática

1

13

2.790

0

Fake news and Educação Matemática Crítica

0

0

1.490

0

O objetivo central desse quadro é descrever a quantidade de trabalhos encontrados de acordo com os descritores pesquisados nas plataformas citadas. Vale destacar, nesse primeiro processo de pesquisa, que:

I - não se objetivou identificar e classificar os trabalhos quanto ao tipo (artigo científico, tese e dissertação);

II - foram encontrados trabalhos acadêmicos em duas plataformas ao mesmo tempo e muitos deles não apresentavam ambas as temáticas procuradas, nas quais se destaca um número elevado de pesquisas encontradas no Google Acadêmico.

III - a plataforma Google Acadêmico apresentou um número vasto de resultados por conta do seu sistema de busca relacionar os descritores a palavras similares;

IV - foram encontradas pesquisas que abordavam apenas as fake news nos âmbitos filosófico, sociológico ou jornalístico, ora sobre Matemática pura e aplicada; parte considerável dos resultados não apresentava interligação entre as partes.

Diante dos dados encontrados foram tomadas as seguintes decisões visando seu refinamento:

a) Evitando a dupla contagem de trabalhos, que poderia prejudicar os resultados, foi considerado apenas um dos trabalhos que se repetiam em plataformas diferentes;

b) foram lidos de forma breve os títulos e o resumo desses trabalhos, identificando a finalidade destes. Nesse sentido, foi possível identificar os trabalhos que relacionavam Matemática e fake news, mas que não tinham contribuições significativas para o âmbito da EMC, portanto foram excluídos;

c) Foram excluídos os trabalhos acadêmicos que, em um primeiro momento, não apresentaram como objetivos a investigação que correlacionava a Educação Matemática e fake news.

Após a realização do refinamento descrito, as pesquisas catalogadas foram distribuídas como está no Quadro 2.

Quadro 2: Distribuição das pesquisas após catalogação

Plataforma de pesquisa

N° de trabalhos acadêmicos encontrados

Autor(es)/Ano - Tipo do documento

Google Acadêmico

7

L. B. Vieira; G. E. Moreira (2020) - Artigo

J. R. F. Braúna (2020) - Artigo

M. P. Cerigatto; A. K. F. Nunes (2020) – Artigo

L. B. Vieira (2020) - Tese

A. L. D. Almeida; G. C. Carrara; I. B.  Prates; L. Nascimento; P. H. O. Souza; T. R. Almeida

R. C. Cani; J. G. R. Silva (2021) – Artigo

A. Coelho (2020) – Artigo

A. Malheiros (2021) – Artigo

BDTD

2

I. Basílio e Josaphá (2020) - Dissertação

E. A. J. Correia (2021) - Dissertação

SciELO

1

F. C. de Andrade; C. V. Schiller; D. A. F. Silva; L. P. Menezes; A. S da Silva (2020) - Artigo

Capes

1

D. Kaufman; L. Santaella (2020) - Artigo

Os onze estudos analisados estão inseridos na discussão da abordagem das fake news pela Educação Matemática. Dessa forma, com o intuito de determinar a relação existente entre os estudos encontrados, as pesquisas catalogadas foram agrupadas de acordo com os aspectos que possuíam em comum.

É possível notar uma boa distribuição de trabalhos nas diferentes plataformas, mas existe predominância de produção científica sobre o assunto no Google Acadêmico e no BDTD, o que revela uma nascente, mas ainda escassa, preocupação de discussões sobre fake news e Educação Matemática.

Com vistas a aprofundar a análise sobre a temática abordada em cada quadro, optou-se por agrupar os estudos em categorias. Para tanto, Gil (2008) destaca que é imprescindível, primeiramente, a criação de um princípio de classificação. Desse modo, foram procurados cinco princípios de classificação com o objetivo de unir os trabalhos mencionados.

Quadro 3: Categorização das pesquisas

Categorias

Estudos (Trabalhos/Autores)

Práticas de Matemática na Educação Básica

Basílio; Josaphá (2020); Correia (2021); Nunes (2020); Malheiros (2021)

Práticas educativas de Matemática no Ensino Superior

Andrade; Schiller; Ferreira; Menezes; Silva (2020)

Modelos matemáticos gerais

Almeida; Carrara; Prates; Nascimento; Souza; Cani; Silva (2021); Silva (2020); Coelho (2020); D. Kaufman; L. Santaella (2020)

Reflexões sociais

Vieira; Moreira (2020); Braúna (2020)

Os princípios estão de acordo com o nível de ensino no qual foi fomentada a relação entre Educação Matemática e fake news, conforme apresentado no Quadro 1: Práticas de Matemática na Educação Básica; Práticas de Matemática no Ensino Superior; Modelos matemáticos gerais e Reflexões sociais. A partir da leitura dos trabalhos apresentados, buscou-se a inserção de cada um na sua categoria.

a) Práticas de Matemática na Educação Básica - Nesta categoria estão inseridas as abordagens de: Basílio; Josefa (2020); Correia (2021); Nunes (2020); e Malheiros (2021).

Basílio e Josaphá (2020) apresentam esse princípio norteador em suas discussões, na medida em que pretendem mostrar mecanismos da lógica matemática proposicional contextualizados com a problemática das fake news aos alunos da Educação Básica, mais especificamente no Ensino Médio, o que justifica a sua inserção nessa categoria.

Neste trabalho, não há a junção epistemológica dos campos da EMC, mas há preocupação com as competências críticas a serem fomentadas pelo professor em sala de aula que levem os discentes, mediante as ferramentas da Matemática, a leitura de forma crítica das notícias aos quais são apresentados diariamente utilizando as ferramentas da lógica proposicional.

Correia (2020) também se insere nessa categoria, uma vez que, no seu trabalho, é demonstrada a preocupação com os discentes no atual contexto tecnológico, estando eles submersos em um universo onde o conhecimento apresenta disponibilidade nunca antes apresentada. O autor levanta os seguintes questionamentos: “quais são os papéis da escola enquanto instituição de ensino-aprendizagem em meio a tantas fontes de conhecimento?”; “Quais são as referências utilizadas para pesquisa no âmbito escolar? As fontes podem ser confiáveis e seguras?”. Nesse sentido, o autor fomenta a preocupação com o desenvolvimento da competência crítica ao se analisar uma notícia.

Nunes (2020) discute acerca da necessidade de incorporação, por parte da escola, do que os autores conhecem por cultura digital, que se conceitua como letramento midiático ensinado no âmbito da Educação Básica, com o intuito de incorporar o meio digital na educação. Existe preocupação epistemológica com o desenvolvimento da competência crítica no meio tecnológico como ferramenta de combate às fake news.

Pode-se perceber que os trabalhos supramencionados vão de encontro ao pensamento de D`Ávila (2020) no que tange à necessidade de educar para a internet, ou seja, eles buscam fazer com que o aluno em sala de aula tenha um papel crítico e reflexivo frente à propagação em massa de notícias.

As discussões apresentadas por Malheiros (2021) preocupam-se com o desenvolvimento de metodologias através da EMC para o ensino da Matemática em sala de aula. Não há nesta pesquisa o objetivo central das problemáticas das fake news, mas a autora, pensando na aplicação das discussões da EMC, contribui para a conscientização dos papéis não neutros que a Matemática desempenha em uma sociedade dominada pela tecnologia, colaborando indiretamente no combate das fake news.

b) Práticas educativas de Matemática no Ensino Superior - Nessas discussões se encaixam trabalhos como o de Andrade et al. (2020), uma vez que existe preocupação com o Ensino Superior relacionado ao letramento estatístico. Neste trabalho, foi realizada uma discussão sobre o quanto as mídias sociais têm sido utilizadas como mecanismo de divulgação de gráficos estatísticos enviesados, propiciando a propagação de notícias fraudulentas.

Motivados pela importância e extenso uso da estatística no cotidiano, os autores elaboraram um curso para os estudantes de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intermediado pelo ambiente virtual de aprendizagem (AVA) com o objetivo de favorecer o consumo crítico de informações pelos estudantes. O trabalho apresenta preocupação quanto ao consumo de dados e os autores partem de uma perspectiva crítica e analítica para combater esse problema.

As produções científicas contidas nas categorias de práticas de Matemática na Educação Básica e na Educação Superior dialogam com os principais fundamentos das reflexões de Skovsmose (2001), pois, ao propor uma investigação sobre a quantidade de gráficos estatísticos com informações falsas, os pesquisadores Andrade et al. acabam por refletir sobre o papel que a Matemática pode desempenhar em uma sociedade altamente informatizada e tecnológica.

Questionar e investigar tais contradições pressupõe a não neutralidade da Matemática, um princípio da EMC. Se a Matemática é um campo do conhecimento científico não neutro, podemos extrair? Pelas reflexões de Basílio; Josaphá (2020); Correia (2021); Nunes (2020) e Malheiros (2021), conclui-se que ela possui um papel sócio-político que é usado como instrumento por aqueles que estão no poder.

c) Modelos matemáticos gerais – Ao contrário das interpretações da Matemática clássica, que conceituam que o papel da Matemática em uma crise é unicamente representá-la, Skovsmose (2021) dialoga com diferentes ideias, de que a Matemática pode ser parte indissociável de uma crise, e influenciar toda a dinâmica de um distúrbio social.

Nesse sentido, se entendermos o “fenômeno das fake news” como uma crise generalizada da informação, os trabalhos inseridos nessa categoria nos ajudam a entender esse aspecto da Matemática. Por conseguinte, objetivou-se pesquisar quais trabalhos constituíam e promoviam discussões sobre modelos matemáticos que dialogassem com fake news.

No trabalho a seguir, tem-se a criação de um modelo lógico-matemático que é capaz de detectar e investigar notícias determinando através de aspectos da linguagem, sua veracidade ou falseabilidade. Dessa forma, Coelho (2020) utiliza a Teoria dos Jogos em Matemática para criar esse mecanismo.

Somadas às reflexões de Coelho (2020), temos também nessa categoria as reflexões de Almeida et al (2020) que, faz uso de um algoritmo de Matemática para detectar fake news. O modelo utilizado neste trabalho estabeleceu sete critérios correspondentes a elementos estruturais de uma notícia, entre eles, a existência de um autor e quantidade de notícias similares entre outros.

Assim, os autores utilizaram artifícios matemáticos tanto para se pesquisar a veracidade de notícias, utilizando um modelo matemático, quanto para divulgação dos dados em tabelas e gráficos apresentados no texto.

O trabalho de Kaufman e Santaella (2020), por sua vez, busca desmistificar o funcionamento da inteligência artificial e o papel que ela desempenha por trás do funcionamento das redes sociais, descrevendo os processos por meio de modelos estatísticos computacionais.

d) Reflexões sociais – Os trabalhos dessa categoria dialogam com as preocupações e reflexões de Skovsmose (2001), pois a tarefa dos pesquisadores de refletir sobre o papel que a Matemática pode desempenhar em uma sociedade altamente informatizada recai em dois pressupostos básicos da EMC: o primeiro deles é de que a Matemática não é uma ciência que possui neutralidade em suas aplicações e isso acarreta, consequentemente, o segundo pressuposto, de que a Matemática possui papel sociopolítico que é usado como instrumento por aqueles que estão no poder.

Por conseguinte, selecionou-se o trabalho de Vieira e Moreira (2020), que trata da interlocução entre EMC e direitos humanos e seu papel sociopolítico, priorizando uma educação que aborda temas essenciais para a manutenção desses direitos elucidados pela pergunta da autora: “é possível pensar-se em um currículo de Matemática fundamentado na Educação Crítica que traga como abordagens reflexões sobre grupos sociais violentados?”.

No artigo de Braúna (2020), por sua vez, há uma reflexão sobre o papel da Educação Matemática para a construção de uma cultura social de paz. Segundo o autor, a paz é um valor que só poderá ser desfrutado se for um sentimento compartilhado pelos indivíduos pautado em respeito, solidariedade, arte, espiritualidade, justiça e equidade, dentre outros.

Esse trabalho apresenta pontos de interseção entre a Educação Matemática e fake news, pois, sobre ele é feita uma reflexão sobre a problemática das fake news como empecilho para fomento de uma cultura de paz, uma vez que, segundo Braúna (2020), um dos aspectos presentes nas notícias falsas é o caráter da violência e do preconceito. O autor ainda lança mão de conceitos relacionados à EMC, pois Skovsmose (2001) fomenta reflexões da participação da Matemática para construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Conclusão

O ensino-aprendizagem da Matemática precisa romper os paradigmas positivista e cartesiano, que propõem que a finalidade da Matemática é o utilitarismo, sem o vislumbramento da vivência de aplicação dos conceitos na realidade do educando, conforme destacam Alvarenga, Silva e Viana (2021). Ao investigar as possibilidades de aproximações teóricas que a EMC pode ter com a problemática das fake news, desejamos que o positivismo cartesiano seja substituído por filosofias da Educação Matemática que destaquem as diferentes relevâncias sociais dos conteúdos.

Pode-se destacar que as investigações científicas que problematizam questões concernentes às fake news e Matemática foram recorrentes nos resultados, podendo significar que o ensino-aprendizagem da Matemática que se adéque às exigências da contemporaneidade esteja emergindo. Destacam-se aqui os trabalhos apresentados na categoria Reflexões sociais, em que os autores apresentam uma abordagem em que se preocupam com o papel e a implicação da Educação Matemática frente a problemática das fake news, refletindo sobre as consequências dessa disseminação em massa de notícias fraudulentas no contexto social.

Contudo, reforça-se neste trabalho a necessidade do desenvolvimento do pensamento crítico da Matemática na atualidade, interligando com os principais problemas estruturais do mundo. Nesse sentido, Skovsmose (2001) afirma que um ensino que valorize a EMC deve fornecer aos estudantes instrumentos que os auxiliem tanto na análise de uma situação crítica quanto na busca por alternativas para resolver a qualquer situação. Para isso, é necessário que os educadores pensem em metodologias de ensino que visam tornar o conhecimento matemático mais democrático e crítico ou, pelo menos, mais propício a suprir as exigências da sociedade atual (Barros; Gervázio, 2021). Dessa forma, tornam-se possíveis o desenvolvimento da cidadania e a inclusão social do estudante a partir de reflexões, questionamentos e análises da realidade.

Referências

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BARROS, Claudemir Galdino de; GERVÁZIO, Suemilton Nunes. A importância da metodologia de resolução de problemas nas aulas de Matemática e o que presumem professores da rede municipal de Alhandra/PB sobre o tema. Revista Educação Pública, v. 21, nº 39, 26 de outubro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/39/a-importancia-da-metodologia-de-resolucao-de-problemas-nas-aulas-de-matematica-e-o-que-presumem-professores-da-rede-municipal-de-alhandrapb-sobre-o-tema. Acesso em: 15 fev. 2022.

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Publicado em 06 de dezembro de 2022

Como citar este artigo (ABNT)

PEREIRA, Jessé Lemos; SILVA, João Gabriel Moura da; SILVA, Sara Generoso da; SILVA, José Fernandes da. Educação Matemática Crítica e a contemporaneidade: uma reflexão frente à problemática das fake news. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 45, 6 de dezembro de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/45/educacao-matematica-critica-e-a-contemporaneidade-uma-reflexao-frente-a-problematica-das-fake-news

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