O Conselho Tutelar e suas relações com a escola: da busca pela vaga ao combate à evasão escolar

Josias Patriolino de Lima

Mestre em Educação (Unicid), especialista em Metodologia do Ensino de Sociologia e Filosofia (Intervale)

Trazemos para a discussão neste trabalho um tema que consideramos pertinente para que seja levado à sala de aula pelos professores de Sociologia e de Filosofia, especialmente no Ensino Médio. Trata-se das relações entre a família e a escola quando intermediadas pelo Conselho Tutelar. A fim de analisar as relações entre os vários grupos sociais, buscamos entender essas relações entre a família e a escola, trazidas como demanda até os conselheiros, que podem incluir desde a busca por vaga em uma creche para uma criança até o combate à evasão escolar, esta geralmente praticada pelos adolescentes.

O Conselho Tutelar foi instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (chamado simplesmente por Estatuto ou ECA), ou seja, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. De acordo com o ECA, em seu Art. 131, o Conselho Tutelar é um “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” definidos na referida lei. As atribuições dos conselheiros são definidas no Art. 136.

Enquanto a Filosofia questiona, entre outros elementos, a existência de grupos sociais como organismos vivos na sociedade, a Sociologia estuda os comportamentos e a interação entre esses grupos sociais. Auguste Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883) talvez sejam os melhores exemplos de estudiosos que se preocuparam em ligar ambas as disciplinas, desde os pensadores pré-socráticos da Grécia Antiga, na Filosofia e, mais recentemente, desde Émile Durkheim (1858-1917) na consolidação da Sociologia como disciplina. No Brasil de hoje, o estudo dessas disciplinas torna-se mais que necessário quando se observam a multiplicidade e a diversidade nas quais se desdobram os agrupamentos sociais em suas mais diversas expressões e manifestações. A família e a escola são apenas dois dos exemplos, mas estão entre os mais importantes. Nosso estudo tem como objetivo mostrar as faces desses grupos quando se interligam e necessitam da presença do Conselho Tutelar. Além disso, buscaremos identificar como essas relações podem ser apresentadas e discutidas em sala de aula pelos professores de disciplinas como Sociologia e Filosofia.

Revisão bibliográfica e metodologia

Tomamos como base para nosso estudo a dissertação de mestrado em Educação Brasileira apresentada por João Tancredo Sá Bandeira, à Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2006, com o título Conselho tutelar: espaço público de exercício da democracia participativa e seus paradoxos. Bandeira (2006) encontra elos entre pensadores como Locke, Hobbes e Montesquieu para, por meio dos conceitos de democracia e Estado democrático de direito, trazer para a discussão as relações intermediadas pelo Conselho Tutelar como espaço público na luta pela cidadania infantojuvenil, apesar de seus paradoxos. Para ele, “no caso do Conselho Tutelar, a atuação da sociedade civil visa fiscalizar o Estado e a própria sociedade para melhor efetivar os novos direitos socialmente conquistados e estipulados pela Constituição e pelo ECA” (Bandeira, 2006, p. 106).

Também nos apropriamos dos estudos realizados por Marcelo Baumann Burgos em seu artigo Redes de proteção e a decantação dos direitos das crianças, publicado em 2020 pela revista Tempo Social, da Universidade de São Paulo, além do artigo Conselheiros tutelares: um estudo acerca de suas representações sociais, publicado na revista Ciências Sociais em 2011, de Hebe Signorini Gonçalves e Thiago Sandes de Brito. Além desses, buscamos ainda informações no artigo de Hemerson Pase, Gabriele Padilha Cunha, Márcia Leite Borges e Ana Paula Dupuy Patella, com o título O Conselho Tutelar e as políticas públicas para crianças e adolescentes, publicado em 2020 nos cadernos Ebape.BR.

Quanto à parte pedagógica deste trabalho, buscamos os elementos mais importantes das obras Didática da Filosofia, de Ericson Sávio Falabretti e Jelson Roberto de Oliveira (2010), e Formação docente para a diversidade, de Margarete Terezinha de Andrade Costa, ambas publicadas pela Iesde Brasil.

A metodologia, de abordagem qualitativa, além da revisão bibliográfica, incluiu uma pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas com narrativas autobiográficas realizadas com participantes da região. Foi assim que incluímos conselheiras tutelares do Jardim Jacira, no município paulista de Itapecerica da Serra, e de Embu das Artes, ambas cidades da Grande São Paulo. Também foi incluída neste trabalho a ex-conselheira Marinalva Lima de Sousa, que atuou nos dois Conselhos Tutelares de Itapecerica da Serra – o do Centro e o do Jardim Jacira. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O Conselho Tutelar e as relações família–escola

Buscando entender as relações entre a família e a escola, procuramos entre os conselheiros tutelares aqueles que atuam nas cidades de Itapecerica da Serra e Embu das Artes. Na primeira, as participantes de nosso estudo foram Cristiane Ricardo de Souza (professora e atual presidente, 42 anos), Renata Ravene Lima Bueno (assistente social, 28 anos) e Tatiane Pessoa Borges da Cruz (gestora de recursos humanos, 32 anos), todas integrantes do Conselho Tutelar do Jardim Jacira, que é responsável por grande parte dos atendimentos na periferia da cidade. Também participaram da pesquisa as ex-conselheiras Gilmara Araújo de Souza Almeida (48 anos), que atuou no Conselho Tutelar de Itapecerica da Serra por três mandatos, e Marinalva Lima de Sousa (56 anos), que atuou nos Conselhos Tutelares do Centro (por duas vezes) e Jardim Jacira (2016-2020).

Em Embu das Artes, tivemos como participantes as conselheiras Maria Amélia Barros de Matos (presidente, 59 anos), Rosimeire Costa da Luz Almeida (46 anos) e Gisele Neres Dionísio (39 anos), integrantes do Conselho Tutelar I, responsável pelo atendimento na região central. O município conta com dois conselhos e já está autorizada a implantação de um novo conselho até 2023. Nos conselhos com os quais tivemos contato há integrantes homens, mas, coincidentemente, não tivemos nenhum como participante de nossa pesquisa.

Bandeira (2006) esclarece elementos importantes de uma pesquisa semiestruturada, como a que propomos. Para ele,

a pesquisa é um dos instrumentos básicos para a coleta de dados na pesquisa qualitativa e nas Ciências Sociais de modo geral. Sua utilização é bastante diversificada quanto à forma, que pode variar desde o uso de uma conversa informal até o tradicional pergunta/resposta, expresso tanto objetiva (questionário) quanto subjetivamente. Cabe ao pesquisador, a partir do direcionamento que pretende desenvolver na sua investigação, estabelecer as opções metodológicas mais adequadas aos seus objetivos (Bandeira, 2006, p. 51).

Bandeira (2006) ainda acrescenta que esse modelo de entrevista se caracteriza por “maior interatividade entre o pesquisador e os sujeitos, em que o entrevistado tem mais liberdade em manifestar suas opiniões e o pesquisador pode propor temáticas de seu interesse na busca das informações que o entrevistado detém” (Bandeira, 2006, p. 54).

Com isso, constatamos com as participantes da pesquisa que o conselho do Jardim Jacira, em Itapecerica da Serra, apesar do nome, tem como responsabilidade dezenas de bairros do município nas divisas com a capital paulista e com o município de Embu Guaçu. Foi criado em 2015, tendo iniciado seus trabalhos no mesmo local do conselho do Centro em janeiro de 2016. A nova sede foi inaugurada em maio daquele ano no bairro Jardim Santa Júlia. Em 2021, a sede foi transferida para o local atual, localização privilegiada no Jardim Jacira, entre o pronto-socorro e o terminal de ônibus.

De acordo com Bandeira (2006), em sua dissertação sobre o Conselho Tutelar, são estes os conceitos para definir o que é o Conselho:

O presente estudo enfoca investigação de saberes da prática social, considerando o Conselho Tutelar um espaço público de conflitos e contradições sociais, mas, sobretudo, um espaço educativo, onde é constante o processo de aprendizagens e formação humana, que podem contribuir para a elevação cultural do povo e para fortalecer as perspectivas de lutas e reivindicações organizadas, participando em potencial para edificar transformações sociais na sociedade que temos (Bandeira, 2006, p. 17).

A ex-conselheira Gilmara Araújo é graduada em Direito e atuou no Conselho Tutelar de Itapecerica da Serra desde o início dos anos 2000, nos tempos em que o município contava com apenas um conselho. O órgão só viria a ser desmembrado em 2015, ano em que Gilmara foi eleita para seu último mandato no agora Conselho do Centro. Segundo ela, as principais atividades do Conselho estão ligadas à escola. São atividades que vão desde a intermediação na busca por uma vaga em creche, seguem pelo acompanhamento da criança em vagas para o Ensino Fundamental I e II, em eventuais conflitos que surgem dentro da escola, e nos contatos com o adolescente e a família nos casos de baixo rendimento ou evasão escolar. Na maioria dos casos, o atendimento simplesmente para após o conselheiro encontrar uma vaga para a creche. A evasão escolar não tinha número tão grande. Não tinha. Gilmara concluiu seu último mandato em janeiro de 2020, quando ainda não havia eclodido a pandemia do novo coronavírus e a covid-19, que trouxe novos números sobra abandono escolar, o que abordaremos mais adiante. Mesmo assim, a ex-conselheira passou a atuar no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) local, onde chegam várias das demandas das famílias iniciadas junto ao Conselho Tutelar.

Encontramos no Conselho Tutelar do Jardim Jacira as três conselheiras citadas, em uma manhã quente de abril de 2022. Todas estão em seus primeiros mandatos, mas com grande experiência na intermediação de conflitos. A presidente, Cristiane Souza, iniciou a conversa indicando que falaria sobre a atuação do Conselho nas escolas, o que inclui a evasão escolar, mas a colega Renata Ravene já sinalizou que outros temas são recorrentes entre os atendimentos, como ato indisciplinar, vaga em creche, ato infracional. A conselheira Tatiane Borges acrescenta que a escola é uma extensão da família e passou a falar sobre um caso específico em que a escola acionou o Conselho sem consultar a família. O Conselho havia solicitado à escola um relatório sobre a vida escolar de uma criança em julho de 2021. Sem enviar o relatório, em março de 2022, a escola acionou o Conselho quando o mesmo aluno chegou à unidade com uma arma branca visando agredir um colega que estaria praticando bullying contra ele. De acordo com a conselheira, esse não é o procedimento correto. A escola deveria chamar o responsável legal para assinar um registro do fato; o mesmo deveria ser feito por algum órgão de segurança, como Guarda Civil Municipal, Polícia Militar ou Polícia Civil. Esses registros deveriam constar do relatório (ainda não recebido) para que o Conselho fizesse o acompanhamento junto à criança e sua família. Casos de indisciplina e de atos infracionais dentro da escola não fazem parte da atividade do Conselho Tutelar.

Renata Ravene, atual vice-presidente, falou do projeto O Conselho Tutelar Trabalhando com a Escola, iniciado no ano passado e já implantado em algumas escolas da região; o projeto leva para o ambiente escolar palestras de conscientização sobre o papel do Conselho e sua relação com a escola, além de desmistificar conceitos equivocados sobre a atividade dos conselheiros. A orientação começa com a explanação do Art. 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo por outros itens importantes dos direitos e deveres de crianças, famílias e escolas. É nesses momentos que professores e alunos recebem o esclarecimento sobre quando e como devem procurar o Conselho ou quando o assunto é atribuição de outro órgão ou profissional. De acordo com a conselheira, há casos em que o atendimento básico da família deve ser realizado no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) ou em outros órgãos da rede de proteção à criança e ao adolescente ou sistema de garantia de direitos (Art. 227).

Entendemos que essa rede de proteção se coaduna com o pensamento de Bandeira (2006) quando diz que o ECA “trouxe avanços nos direitos da criança e do adolescente, que na sua potencialidade progressista se expressa numa concepção ampliada de líder com a questão, concepção essa que se materializa na Doutrina da Proteção Integral” (Bandeira, 2006, p. 99). Essa é apenas uma das pontas dos atendimentos levados ao Conselho. Para Renata Ravene, muitos conceitos e orientações destacados no Estatuto são desconhecidos por gestores, orientadores, coordenadores pedagógicos e professores, incluindo os maus-tratos e abusos de qualquer natureza no ambiente familiar (Art. 245), que devem ser encaminhados pela escola ao Conselho, que também integra a rede de proteção. Burgos (2020) aponta que professores se ressentem do distanciamento com o Conselho, já que na maioria dos casos os contatos se concentram em reuniões apenas com a direção (Burgos, 2020, p. 380).

Cristiane Souza esclareceu que o Conselho do qual é presidente atua nas 45 escolas da região, entre unidades públicas (municipais e estaduais) e particulares. Há visitas sistemáticas às escolas, quando os conselheiros passam as orientações sobre como deve ser a relação entre o Conselho e a escola, além do eventual agendamento de palestras, participação em reuniões de pais e mestres, ocasiões em que são fornecidas informações sobre o atendimento de outros órgãos da rede de proteção, inclusive quanto a outras questões de demanda das famílias.

Quanto a isso, Pase et al. (2020) mostram que o Conselho Tutelar atua como “um articulador de demandas” das mais diversas (p. 1.006), mas que tem especial atuação em suas relações com a escola:

De igual forma, dá-se a relação entre o Conselho Tutelar e a escola. Esta encaminha denúncias sobre violações (quando externas a ela ou em situação de evasão escolar), diante das quais o Conselho atua como mediador entre a família ou responsáveis, e a escola procura solucionar o problema e garantir o direito da criança ou do adolescente à educação. Em outras circunstâncias, o Conselho possui legitimidade para encaminhar casos ao Poder Judiciário, tanto para o Ministério Público como para a Justiça estadual. Exemplo dessa situação é a necessidade de ingresso de ações para requerer acesso ao sistema de saúde e denunciar crimes contra a vida, bem como casos de crimes de maus-tratos e violações mais graves de direitos (Pase et al., 2020, p. 1.006).

Sobre o papel do professor, especialmente o professor de Sociologia ou de Filosofia, a conselheira Renata Ravene lembra que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) abordou recentemente questões sobre a criança e o adolescente, o que já é uma realidade para as discussões entre os vestibulandos. Ela considera que este é um ótimo momento para que o docente fale sobre a consciência e o pertencimento de classe, além da compreensão sobre as realidades sociais brasileiras, especialmente a das famílias de baixa renda, sobre a violência institucional e outros temas que podem ser debatidos na sala de aula no Ensino Médio. Segundo a conselheira, o Conselho Tutelar do Jardim Jacira forneceu às escolas da região uma cartilha que poderia ser aproveitada pelos professores de Sociologia e de Filosofia quanto aos direitos e deveres de crianças e adolescentes com indicadores sociais sobre a realidade da região. A conselheira também esclareceu que o ano de 2021 apontou aumento nos casos de violência doméstica, de violência sexual, de falta de vagas nas creches (inclusive nas instituições conveniadas) e de excesso de faltas dos alunos às escolas. Relatórios com esses casos foram encaminhados ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA, responsável pelas políticas públicas), ao Ministério Público, à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e à Câmara Municipal. Para Tatiane Borges, há muitos casos de famílias que levam seus filhos para creches e escolas em São Paulo pela falta de vagas em Itapecerica da Serra e pela proximidade de seus locais de trabalho.

A ex-conselheira Marinalva Lima concorda com as afirmações das colegas. Marinalva deixou o Conselho Tutelar do Jardim Jacira, em Itapecerica da Serra, em janeiro de 2020, com o fim do seu mandato. Para ela, o Conselho sempre é chamado a atuar quando há falha na garantia dos direitos de uma criança ou adolescente, seja da família, da escola ou do próprio Estado. Algumas dessas situações já foram aqui indicadas, mas ela acrescenta a eventual relação tumultuada entre o adolescente e a escola, exigindo intervenção do Conselho. Com isso, há necessidade de uma análise detalhada sobre as condições do conflito, que muitas vezes leva a excesso de faltas, expulsão ou evasão escolar. O Poder Público é o principal e último guardião dos direitos do estudante, pela condição deste “como pessoa em desenvolvimento” (Art. 6º). E não raro o Conselho Tutelar se vê obrigado a intermediar relações conflituosas que envolvem o próprio Conselho.

A realidade na periferia de Itapecerica da Serra não é muito diferente daquela que encontraríamos em Embu das Artes. Neste município, as participantes de nossa pesquisa são membros do Conselho Tutelar I, que atua na região central e em vários bairros da periferia. As três conselheiras com as quais tivemos contato em uma tarde de garoa no fim de abril de 2022 foram unânimes no relato de ações semelhantes àquelas de Itapecerica.

Para a conselheira Maria Amélia, os conflitos nas relações entre a família e a escola não tinham grande histórico até recentemente, mas foram retomados nos últimos anos, especialmente quanto à busca de vagas nas creches da região. Ela aponta que há diversos fatores que podem ter contribuído para a situação atual. Houve acréscimo dessas solicitações, como efeito da pandemia do coronavírus (covid-19), quando famílias perderam seus empregos e rendas ou tiveram que substituí-los por remunerações menores, o que levou muitas famílias a trocar seus filhos das escolas particulares para as públicas, situação que também foi abordada pela conselheira Rosimeire Almeida. A presidente, Maria Amélia, acrescentou que, apesar de as crianças terem recebido equipamentos eletrônicos para suas aulas remotas durante o isolamento imposto pela pandemia, muitas famílias não tinham o conhecimento necessário para o uso de tais equipamentos.

Quanto à demanda, Maria Amélia citou o exemplo de uma grande área invadida entre os bairros Jardim Santo Antônio e Jardim Magali. A invasão, que se iniciou há poucos meses, já conta com cerca de 6.000 famílias, e a procura por creches e escolas explodiu na região, congestionando o sistema em uma região com estrutura já insuficiente. A demanda não é apenas na área de educação e no transporte escolar, mas em outras áreas, como na saúde e na assistência social. A conselheira ainda apontou que há outras áreas invadidas na cidade, com problemas semelhantes. Como o Conselho atua mediante demanda quando os direitos são negados, seu papel tem sido fundamental frente à grande procura neste momento, com a orientação das famílias que buscam os serviços públicos ou têm outro tipo de necessidade.

Quanto às dificuldades de garantia dos direitos de crianças e adolescentes que buscam vagas nas creches e escolas, a conselheira Rosimeire Almeida retoma as declarações da presidente mostrando que há deficiência na quantidade de vagas frente à alta demanda do momento. Além disso, muitas instituições estaduais tornaram-se escolas de período integral (no Programa de Ensino Integral – PEI), havendo redução no número de vagas e déficit na oferta principalmente no ciclo II do Ensino Fundamental, entre o 6º e o 9º anos. Além disso, a busca por vaga é realizada automaticamente, via sistema e por meio de geolocalização, o que gera dificuldades no acesso e no transporte de muitos estudantes. A conselheira acredita que não haveria necessidade dessa procura, haja vista que se trata de um direito das famílias. Mesmo assim, muitos casos acabam indo para a discussão na Diretoria Regional de Ensino ou até na Justiça.

Gonçalves e Brito (2012), em seu artigo sobre os conselheiros, mostram que são vários os conceitos equivocados sobre a atuação do Conselho, mas, após tomar o perfil e as diversas atribuições dos conselheiros como pressupostos, dizem:

Tomando esses pressupostos como referência, parece lícito supor que, no dia a dia do Conselho Tutelar, a distância entre aquilo que o Estatuto prega como tese – a interlocução entre família, sociedade e Estado – e a realidade – a demanda concreta pelo direito negado ou violado e as formas de ressarci-lo – seja preenchida pelo conjunto de crenças dos conselheiros (Gonçalves; Brito, 2012, p. 57).

Maria Amélia também considera que o momento exige que todos busquem a adaptação à nova realidade, inclusive quanto ao uso das tecnologias mais recentes na escola e fora dela. Para ela, a dificuldade com a tecnologia foi causa de grande parte da evasão escolar desde 2020. E o Conselho Tutelar funciona como termômetro das demandas da sociedade, especialmente na área de educação. Rosimeire Almeida acrescenta que muitos alunos se sentem excluídos da escola e não sabem como se adaptar ao novo ambiente escolar e a seus novos desafios; lembra que o Conselho tem atuado no encaminhamento para a solução de problemas psicológicos e comportamentais de crianças, adolescentes e até mesmo dos pais e responsáveis.

A conselheira Gisele Neres Dionísio indica que o professor de Sociologia ou de Filosofia deve buscar atualização constante do que ocorre nas relações entre esses grupos sociais, tão próximos como tão propensos a conflitos. De acordo com a conselheira, é importante o professor estabelecer a relação entre fatos históricos a serem aproveitados na discussão em sala de aula, incluindo as mudanças na lei quanto aos direitos e deveres de cada um. Para a conselheira Rosimeire Almeida, há que se considerar os problemas advindos da pandemia e do isolamento pelos quais passaram professores e estudantes, como esgotamento físico, mental e emocional desse período e seu impacto nas relações interpessoais.

Considerações finais

A intermediação das relações entre grupos sociais tão importantes como a família e a escola, colocada sob responsabilidade do Conselho Tutelar, é um tema que nunca se esgotará. São relações que merecem estudos constantes. É dessa atualização que fala a conselheira Gisele Dionísio, mas não é apenas isso. Nas palavras de Falabretti e Oliveira (2010), o professor de Filosofia deve manter a prática de ensinar a pensar e a ler. O exemplo, também aplicável ao professor de Sociologia, deve partir do próprio docente.

Ensinar a pensar e a ler, no sentido que apresentamos aqui, é a tarefa primordial do professor de Filosofia. Talvez nenhum outro professor deva assumir com tanta seriedade essa tarefa como o docente de Filosofia. Sua arte é engendrar perguntas e provocar descobertas cujo resultado deve ser a recusa da mera hipertrofia do intelecto para dar lugar à capacidade de distinção do que é raro e delicado. Ensinar é, antes de tudo, perturbar. Causar inquietação, insatisfação, provocar. Muitas vezes chocar, causar indignação (Falabretti; Oliveira, 2010, p. 21-22).

O cotidiano do professor mostra que nada adianta falar aos alunos sobre a Escola de Frankfurt se se desconhece a realidade dentro de sua própria escola. O aluno, como centro do processo educacional, busca encontrar referências na forma como o docente apresenta seu conhecimento na construção de uma formação cidadã. É o que mostra a professora Margarete Costa (2018):

O principal protagonista da educação é, sem dúvida alguma, o aluno, pois ele é o centro de todo o processo, é para ele que a escola foi construída. Junto dele trabalha o professor, que tem papel primordial, pois gerencia o processo de ensino-aprendizagem. Mas a função do docente vai além: ele ajuda ainda a formar cidadãos que vão atuar na sociedade e, consequentemente, torna-se assim um agente de mudança social (Costa, 2018, p. 148).

Ademais, o papel do professor como agente formador e transformador perpassa o conhecimento da realidade das relações internas e externas de grupos sociais como os que apresentamos neste estudo. Esse conhecimento será fundamental em sua atividade docente, e esse perfil de professor é reforçado nas palavras de Costa (2018, p. 149), para quem “o professor só será agente de mudança se tiver consciência de seu papel social, quando perceber que seu trabalho refletirá socialmente nos atos de seus alunos”.

Referências

BANDEIRA, João Tancredo Sá; DAMASCENO, Maria Nobre. Conselho Tutelar: espaço público de exercício da democracia participativa e seus paradoxos. 216f. Dissertação (Mestrado em Educação Brasileira) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/3101. Acesso em: 01 mar. 2022.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 15 mar. 2022.

BURGOS, Marcelo Baumann. Redes de proteção e a decantação dos direitos das crianças. Rev. Tempo Social, São Paulo, v. 32, nº 3, p. 375-397, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2020.163553. Acesso em: 15 mar. 2022.

COSTA, Margarete Terezinha de Andrade. Formação docente para a diversidade. 2ª ed. Curitiba: Iesde Brasil, 2018.

FALABRETTI, Ericson Sávio; OLIVEIRA, Jelson Roberto de. Didática da Filosofia. Curitiba: Iesde Brasil, 2010.

GONÇALVES, Hebe Signorini; BRITO, Thiago Sandes de. Conselheiros tutelares: um estudo acerca de suas representações e de suas práticas. Dossiê: Pertencimentos, individualização e subjetividades. Civitas, Rev. Ciências Sociais, v. 11, p. 56-77, jan./abr. 2011. Disponível em:  https://doi.org/10.15448/1984-7289.2011.1.9194. Acesso em: 15 mar. 2022.

PASE, Hemerson Luiz; CUNHA, Gabriele Padilha; BORGES, Márcia Leite; PATELLA, Ana Paula Dupuy. O Conselho Tutelar e as políticas públicas para crianças e adolescentes. Caderno Ebape.BR, Rio de Janeiro, v. 18, nº 4, p. 1.000-1.010, out./dez. 2020. Disponível em:  https://doi.org/10.1590/1679-3951201901533.  Acesso em: 15 mar. 2022.

Publicado em 10 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, Josias Patriolino de. O Conselho Tutelar e suas relações com a escola: da busca pela vaga ao combate à evasão escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 1, 10 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/47/o-conselho-tutelar-e-suas-relacoes-com-a-escola-da-busca-pela-vaga-ao-combate-a-evasao-escolar

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1 Comentário sobre este artigo

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MARIA BERNADETE DE SOUSA CARVALHO MONTE • 1 ano atrás

O Autor foi muito inteligente em seu trabalho, quando faz alusão ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ferramenta essa, que deve ser trabalhada em sala de aula. Ademais, esse instituto foi instituído a partir da Lei nº 14.164/2021, que altera a Lei nº 9.394/96, com o intuito de agregar ao currículo escolar, como também, tendo o compromisso de trabalhar pontos relevantes e a assistência integral e garantias essenciais do sujeito em desenvolvimento. Assim, a referida lei em comento, inclui o ECA como temas transversais nos currículos adequando o conteúdo a cada nível é o que diz o art. 26 § 9º da Lei 14.164/2021. Portanto, esse dispositivo legal, tem como finalidade garantir aos alunos da educação básica uma infância e adolescência respeitada,
Parabéns! Ótimo Trabalho!

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