"Relatos do Mundo": aspectos do filme que podem ser trabalhados na sala de aula

Monica Ferreira Fortes

Professora de Artes, licenciada em Educação Artística (UEMG), especialista em Artes Visuais (Faculdade do Vale Elvira Dayrell)

Figura 1: Cena do filme

A linguagem cinematográfica já vem sendo usada por alguns educadores como um meio de enfatizar conteúdo a serem trabalhados na sala de aula.

Um filme sensibiliza e acrescenta, muito além de deixar a aula mais lúdica pode contribuir com novas ideias e visão de mundo, estimulando os alunos no seu papel questionador e criativo e no seu posicionamento na sociedade.

Em seu artigo O uso de filmes em sala de aula e o Guia Dogefopi: uma proposta didático-metodológica, Kochhann; Rodrigues e Mendonça (apud Napolitano, 2003, p.11) comentam que

trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados em uma mesma obra de arte.

O assunto visa contribuir com aspectos apresentados no filme Relatos do Novo Mundo que podem ser inseridos na sala de aula por algumas disciplinas numa proposta de projeto que pode ser abordado de maneira interdisciplinar para a Educação Básica, a depender da turma e seu ano de escolarização, pela própria observação do professor para inserir o tema.

Os aspectos relacionados à linguagem cinematográfica não foram detalhados aqui.

A ênfase de nosso estudo foi a própria história, o roteiro construído, a relação que vai se estabelecendo entre os personagens principais, os valores que são passados no filme e a própria contextualização histórica.

O filme em 2021 teve indicação ao Oscar de Melhor Fotografia, Melhor Design de Produção, Melhor Som e Melhor Trilha Sonora Original.

O filme

Dirigido por Paul Greengrass, o filme tem por ator principal Tom Hanks, que faz o papel do capitão Jeffery Kidd, e relata sua trajetória para encontrar a família alemã de Johanna, menina que foi criada por índios kiowa no oeste norte-americano, no Texas.

Capitão Kidd, como é chamado, é um veterano da Guerra de Secessão que, após seu término, passeia de cidade em cidade lendo notícias de jornais para as pessoas de seu país que não sabem ler.

Nessa trajetória, encontra Johanna, uma menina de família alemã que fora criada pelos índios kiowa. Ele então decide levá-la aos parentes mais próximos, já que os pais se encontravam mortos. Numa cena em que é indagado por que estava fazendo isso, ele responde: “Ela precisa rir e sonhar, ela precisa criar novas histórias”.

O capitão também está sem lar e precisa resolver seu passado. Eles vão encontrar vários perigos nessa trajetória: uma época de divisões, homens de má-fé e perigos naturais.

Juntos vão se encontrando e se conhecendo, minimizando diferenças de língua e cultura, aprendendo um com o outro e estabelecendo elos de confiança, com respeito, afeto e aceitação. Nos grandes perigos que enfrentam, vão construindo parceria e cumplicidade, até o final do filme.

O filme se passa no ano de 1870, após o término da Guerra Civil, quando o Estado do Texas se torna violento e sem lei, onde colonizadores e nativos viviam em batalhas por território e guerras.

O papel do capitão como contador de histórias 

Figura 2: Cena do filme

O capitão, além de sua missão de levar a menina à sua família, é um personagem extremamente envolvido com todo o contexto social no qual estava inserido. Mais do que alfabetizado, ele é letrado, conhecedor do mundo, politizado, capaz de encantar, esclarecer fatos pela leitura de notícias de jornais para as pessoas que não sabem ler.

Minuzzi, Teixeira e Noble (apud Soares, 2003, p. 72) dizem que o letramento é mais que o simples fato de ler uma notícia; é

o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social.

Perspicaz e sensível ao ler uma notícia para as pessoas em determinado momento do filme, tem também o perfil de apaziguador de conflitos, ajudando-as a se superarem em dias tão conturbados.

Politizado, numa outra cena do filme mostra para pessoas que elas estão sendo exploradas, com a leitura no jornal de um fato bem parecido com a realidade local, exploração em mina de carvão, para que elas possam tomar consciência de que estão sendo exploradas e que poderiam ter uma vida melhor, arriscando sua própria vida e não aceitando suborno.

Ele não só relata, mas acrescenta, transforma, faz o outro questionar; a meu ver, isso constitui o seu talento principal, vai além do contador de histórias, papel a nos inspirar.

Sugestões de atividades com base no filme

  • História e Geografia poderiam trabalhar o contexto histórico e geográfico da Guerra Civil de 1870, costumes, locais, fatos, a história dos indígenas, explorando também outros filmes, como Dança com Lobos etc.;
  • Português e Artes poderiam trabalhar contação de histórias ou teatro, a partir da leitura de jornais e notícias e revistas com temas que podem ser narrados pelos alunos com olhar crítico e politizado, como foi feito no filme, ou mesmo gravando um vídeo relatando alguma notícia com esse olhar mais crítico, o que está além das palavras;
  • Ensino religioso, Sociologia ou Filosofia poderiam discutir valores e diferenças que podem ser superadas, ética e integridade.

Considerações finais

Na minha opinião, todo o contexto do filme é muito bonito, e o diretor Greengrass tem seu mérito. Toda a trajetória de construção das relações, o papel do capitão como contador de histórias, um homem ético e sensível que, além de passar por momentos extremamente difíceis, ainda se mantém com integridade, trazem ética e solidariedade, valores de que somos tão carentes nos dias de hoje.

Fiquei também refletindo sobre o papel da arte e da leitura, que vai muito além do que podemos imaginar. Quem tem leitura de mundo pode acrescentar, dar ao outro mais autonomia e criatividade, mais do que podemos imaginar.

Cabe a nós, educadores, fazer um pouco dessa ponte, ter esse papel.

Referências

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KOCHHANN, Andréa; RODRIGUES, Julia Kassia Alves; MENDONÇA, Thiago Gomes. O uso de filmes em sala de aula e o Guia Dogefopi: uma proposta didático-metodológica. SEMANA DE INTEGRAÇÃO DA UEG. Anais... Inhumas, v. 3, n.1: Interdisciplinaridade na educação - redimensionamento práticas pedagógicas. GT4 - Mídias, Arte E Educação, p. 184-193, 2021.

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MINUZZI, Luara P.; TEIXEIRA, Mariana T.; NOBLE, Debbie M. et al. Literatura infantojuvenil. Grupo A, 2019. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788533500129/. Acesso em: 15 dez. 2022.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

REIS, Erisnaldo Francisco; STROHSCHOEN, Andreia Aparecida Guimarães. Filmes na sala de aula como estratégia pedagógica para aprendizagem ativa. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 18, nº 15, 31 de julho de 2018. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/15/filmes-na-sala-de-aula-como-estratégia-pedagógica-para-aprendizagem-ativa.

Publicado em 22 de agosto de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

FORTES, Monica Ferreira. "Relatos do Mundo": aspectos do filme que podem ser trabalhados na sala de aula. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 32, 22 de agosto de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/33/relatos-do-mundo-aspectos-do-filme-que-podem-ser-trabalhados-na-sala-de-aula

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