Jogo de tabuleiro: uma proposta didática para o processo de ensino-aprendizagem em Fisiologia Animal
Maiza Araújo Cordão
Discente do Curso de Especialização em Docência para Educação Profissional e Tecnológica (IFPB)
Jefferson Flora Santos de Araújo
Professor do Curso de Especialização em Docência para Educação Profissional e Tecnológica (IFPB)
O processo de ensino-aprendizagem passa por modificações benéficas e necessárias, de acordo com as mudanças do cotidiano, para atender de forma mais efetiva os alunos. Diante de tantas mudanças cotidianas e tecnológicas, percebe-se que, na atual conjuntura, o ensino deve ser de forma dinâmica e interativa, para que os alunos se sintam protagonistas no processo de assimilação dos conteúdos. Dessa forma, as metodologias ativas estão sendo utilizadas no processo de ensino-aprendizagem por meio de jogos, aulas invertidas, dentre outros (seminários, projetos, Kahoot!, Quizz etc.).
O estudo de Fisiologia Animal é bem complexo, uma vez que estuda a funcionalidade dos sistemas do organismo e como ocorre cada processo metabólico e fisiológico, sendo necessário compreender os mecanismos para entender a homeostase e a qualidade de vida dos animais, cada um com suas particularidades. Em se tratando de fisiologia do aparelho digestório de ruminantes, por exemplo, consiste em um assunto complexo das espécies de estômago multicavitário, pois há vários mecanismos bioquímicos e rotas metabólicas indispensáveis para o entendimento na área de produção animal. Por ser bem detalhado e bem diferente de outras espécies, o processo de ruminação é bem complexo e dependente de vários mecanismos (Dukes, 2017). Por isso, se faz necessário o uso de diferentes estratégias que contribuam para o aprendizado dos alunos. Nesse sentido, se pensou em um jogo de tabuleiro com as fases do processo de ruminação, que faz parte da digestão dos ruminantes desde o início na captura do alimento (preensão, mastigação e deglutição), passando pela cavidade oral, chegando nos pré-estômagos e retornando pela segunda vez para a boca, quando volta novamente ao estômago, finalizando o processo.
Nesse âmbito, as metodologias ativas de aprendizagem são formas de ensino, as quais proporcionam um aprendizado seguro e atrativo diante dos desafios dos alunos, por meio de um aprendizado seguro, pois o conhecimento está à disposição de todos. Dessa forma, o aluno, ao entrar no mercado de trabalho, está mais apto a aplicabilidade do aprendizado dentro dos processos formativos. De acordo com Macedo et al. (2018), as metodologias ativas têm uma concepção de educação crítico-reflexiva com base em estímulo no processo ensino-aprendizagem, resultando em envolvimento por parte do educando na busca pelo conhecimento. Isso permite que os alunos aprendam de maneira mais divertida e se mantenham ativos no processo, focados na área de conhecimento.
Para Coll (2000), metodologias ativas de aprendizagem são aquelas que induzem à autonomia do aluno e ao autogerenciamento. O aluno é corresponsável por seu próprio processo de formação, o autor da sua própria aprendizagem. Participa de atividades, como leitura, escrita, discussão ou resolução de problemas, promovendo síntese, análise e avaliação do conteúdo. Na aprendizagem ativa, o aluno assume uma postura de construtor principal do conhecimento, resolvendo problemas, desenvolvendo projetos e criando oportunidades para a construção de conhecimento. O professor, nesse cenário, é orientador, motivador e facilitador da aprendizagem.
Nesse contexto, o jogo de tabuleiro surge como uma metodologia ativa a partir da qual o aluno pode raciocinar sobre o assunto e absorver o conteúdo de forma mais concreta. O emprego da metodologia ativa possibilita que o estudante evolua do seu estado passivo, presente no ensino tradicional, tornando-se protagonista do processo de ensino-aprendizagem, adotando uma postura mais participativa junto com o professor (Kaufman, 2003; Korf et al., 2008; Cezar et al., 2010).
Nessa perspectiva, Silva e Dias (2020) relataram que a utilização de jogos didáticos é uma estratégia importante para auxiliar no processo de ensino, como um instrumento fundamental do professor na abordagem de conceitos de difícil compreensão. Esses conceitos, quando apresentados por intermédio de um jogo didático, torna o conteúdo mais atrativo e divertido, despertando a curiosidade e a motivação do estudante, tornando a aula mais interativa e favorecendo o desenvolvimento de um aprendizado significativo. Outra característica do jogo didático é a coletividade, aspecto importante para o desenvolvimento das habilidades do estudante, pois simula a vida em grupo.
A disciplina de fisiologia animal é uma das disciplinas mais complexas da área agrária em Medicina Veterinária, Zootecnia, Agronomia ou Técnico em Agropecuária. Uma disciplina na qual se estuda todos os eventos envolvidos em todos os sistemas do organismo animal e, por isso, necessita de estudos mais dinâmicos para que a compreensão do aluno seja facilitada.
Diante desse contexto, este trabalho teve como objetivo avaliar o rendimento da aprendizagem dos alunos com o uso do jogo de tabuleiro, como metodologia ativa no ensino de Fisiologia Animal e sua aplicabilidade sobre o aparelho digestório de animais poligástricos.
Morfofisiologia do aparelho digestório de ruminantes
Animais poligástricos são animais que possuem quatro estômagos, sendo três deles chamados de pré-estômagos e um o estômago verdadeiro. Muitos herbívoros poligástricos são também chamados de ruminantes: vacas, ovelhas, cabras, búfalos, camelos e girafas. Animais poligástricos possuem um evento fisiológico bem característico, que é o processo de ruminação, reconhecido facilmente devido aos frequentes movimentos de mastigação, mesmo quando não estão comendo. Nesse processo, esses animais podem aproveitar mais as fibras das plantas consumidas para obtenção de energia para as células corporais.
Essa capacidade se deve ao processo evolutivo dos animais. Ele concede aos ruminantes a capacidade de aproveitarem, de forma eficiente, carboidratos fibrosos como fonte de energia e compostos nitrogenados não proteicos como fonte de proteína (Valadares Filho; Pina, 2006). A capacidade de aproveitar esses nutrientes se deve ao fato de o estômago de ruminantes ser dividido em quatro compartimentos (rúmen, retículo, omaso e abomaso) e da relação simbiótica com microrganismos fermentadores de fibra: fungos, protozoários e bactérias (Noschang; Schmidt; Brauner, 2019).
Cada parte do estômago dos ruminantes – rúmen, retículo, omaso, e o estômago verdadeiro, abomaso – (Figura 1) tem suas funcionalidades. Os três primeiros compartimentos abrigam os microrganismos e, portanto, possuem atividade fermentativa. O abomaso assemelha-se ao estômago dos não ruminantes, possuindo epitélio revestido por mucosa com glândulas secretoras de ácido, muco e suco gástrico. Sendo importante o entendimento da funcionalidade destes compartimentos para que se oferte uma alimentação de acordo com a faixa de idade dos animais e sua exigência nutricional, pois a ingestão de forragem auxilia no desenvolvimento do tamanho e volume do rúmen, retículo e omaso, enquanto a ingestão dos alimentos concentrados desenvolve as estruturas (papilas ruminais) do rúmen (Oliveira; Santos; Valença, 2019).
Figura 1: Compartimento do estômago dos ruminantes
Fonte: https://escolakids.uol.com.br/upload/image/estomago.
O estômago multicavitário dos ruminantes deriva embrionariamente do estômago simples; os três primeiros compartimentos possuem função fermentativa. Por essa razão são revestidos por um epitélio não glandular com mucosa absortiva (Furlan et al., 2006). O abomaso assemelha-se ao estômago dos não ruminantes, possuindo epitélio revestido por mucosa com glândulas secretoras de ácido, muco e suco gástrico.
Todo o processo de digestão dos ruminantes é bem complexo e ocorre por meio de processos metabólicos e fisiológicos. O processo da ruminação ocorre em sequências exatas: o alimento, após a deglutição, fica por um tempo em cada compartimento e ao chegar no estômago, no primeiro compartimento, o rúmen (que possui uma fauna microbiana muito rica em microrganismos - protozoários, fungos e bactérias - onde o alimento fibroso passará por uma fermentação e fará a digestão microbiana), logo passará ao retículo, onde o alimento será compactado e, reduzindo a forma, passará pelo regurgitação, pelo antiperistaltismo, voltando à boca, onde ocorrerá a ressalivação e a remastigação (que pode demorar até seis horas). Após o alimento estar bem reduzido e o seu tamanho redeglutido, chegará ao omaso, onde é parcialmente digerido e absorvido em água, chegando ao abomaso, estômago verdadeiro. Nele terá a digestão enzimática, por meio do ácido clorídrico e do muco, produzindo a formação do quimo (bolo alimentar), que chegará ao intestino delgado (duodeno) onde acontecerá a absorção de nutrientes (Figura 2).
Figura 2: Esquema explicativo do processo de ruminação (animais poligástricos)
Fonte: Acervo da autora, 2022.
Metodologias ativas
As metodologias ativas surgem para que as aulas se tornem mais interativas. Após anos, percebeu-se que, na era contemporânea, o uso exclusivo dos métodos tradicionais de ensino não é suficiente para promover uma aprendizagem significativa. Por isso, a aprendizagem ativa surge com o uso de estratégias de ensino para vários tipos de desafios, em que o aluno participa de forma ativa (Rocha; Lemos, 2014).
A metodologia ativa é um processo amplo cuja principal característica é a inserção do educando como agente principal no processo de ensino-aprendizagem, comprometendo-se com seu aprendizado (Oliveira; Pontes, 2011). De acordo com Bacich e Moran (2018), as metodologias ativas são estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes para a construção de uma aprendizagem flexível, interligada e híbrida. Neste contexto, as influências da tecnologia e do ensino à brasileiros, têm estimulado as instituições educacionais a utilizarem novas metodologias em suas aulas, métodos que saem do modelo tradicional de ensino e colocam estudante e professor, lado a lado, em uma parceria para um melhor desenvolvimento e uma assimilação eficaz do conteúdo.
A aprendizagem ativa é compatível com uma prática reflexiva, cujo objetivo está em promover atividades que possibilitem a inclusão de oportunidades de reflexão, como algo que seja intrínseco ao processo de aprendizagem (Moraes, 2017). Na metodologia ativa, as variantes alteram sem comprometer a equação do processo de ensino-aprendizagem, impulsionando o acadêmico em formação a usufruir de todas as oportunidades de aprendizagem pela independência de ler, questionar, analisar e, principalmente, de agir. Aos olhos da metodologia ativa, o processo de ensino-aprendizagem é visto pela equação com as variantes da seguinte forma: aluno – papel ativo, professor – mediador e livro – fonte de pesquisas (Oliveira; Faria, 2019), ou seja, o aluno é o protagonista do seu aprendizado.
São exemplos de metodologias ativas: um tribunal do júri, um fórum, uma dramatização e jogos que estimulem maior integração entre os estudantes, favorecendo maior oportunidade de participar de debates sobre temas ou problemas estudados e que proporcionem um ambiente em que os estudantes possam apresentar comportamentos espontâneos. O mapa conceitual e a tempestade cerebral são técnicas de ensino em que o professor favorece a participação ativa do estudante, o desenvolvimento de sua criatividade, a valorização e o respeito pela opinião do colega, além de estimular o pensamento rápido e organizado sobre determinado tema (CFMV, 2012).
Enfim, compreende-se que as metodologias ativas são fundamentais no processo de ensino e aprendizagem. Por meio delas, impulsiona o aprendizado crítico-reflexivo, no qual o participante tem uma maior aproximação com a realidade, com isso possibilita uma série de estímulos podendo ocorrer maior curiosidade sobre o assunto abordado, pode-se propor inclusive desafios em que o participante busque solução, obtendo assim uma maior compreensão (Souza; Vilaça; Teixeira, 2021).
Jogos de tabuleiro
De acordo com Kishimoto (2001), a palavra jogo, de origem do vocabulário latino ludus, que significa diversão, apresenta muitas definições e sentidos. Os jogos surgiram de acordo com a necessidade e os estímulos intuitivos do homem. Depois foram fazendo parte de determinadas culturas das sociedades. Nesse sentido, os jogos foram surgindo juntamente com a vontade de crescer intelectualmente (Moreira; Fonseca; Nascimento, 2016).
O jogo, seja ele qual for, apresenta-se como uma possibilidade de atuação lúdica numa prática pedagógica pautada em metodologia ativa de ensino (Souza e Salvador, 2019). Vial (2015) relatou que o jogo requer uma verdadeira estratégia, isto é, um projeto lúdico, ou seja, durante o jogo é preciso unir diferentes habilidades e conhecimentos de modo a refletir sobre eles, criando um projeto de atuação que propiciará o sucesso de sua realização.
Notoriamente, os jogos didáticos, como as brincadeiras e os brinquedos, são reconhecidos pela sociedade como meios de fornecer ao indivíduo um ambiente agradável, motivador, prazeroso, planejado e enriquecido, que possibilita a aprendizagem de várias habilidades. Outra importante vantagem no uso dos jogos é a tendência em motivar os estudantes a participar espontaneamente da aula. Acrescenta-se a isso, o auxílio do caráter lúdico no desenvolvimento da cooperação, da socialização e das relações afetivas e como mediador na construção do conhecimento em qualquer área (Silva; Dias, 2020).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+), no que se refere às estratégias para as abordagens dos temas competentes ao Ensino Médio, orientam que os jogos e as brincadeiras são elementos muito valiosos no processo de apropriação do conhecimento. Permitem o desenvolvimento de competências no âmbito da comunicação, das relações interpessoais, da liderança e do trabalho em equipe, utilizando a relação de cooperação e de competição em um contexto formativo (Brasil, 2018). Pode-se observar a relevância do jogo didático que vai além do ensino-aprendizagem, mas auxilia na simulação de valores. De acordo com Galindo (2017), em seus estudos com jogos de tabuleiro, ele relatou que o jogo permite a construção de um mundo em que todas as ações podem ser testadas sem o perigo de alguma consequência real lhe afetar. Além disso, desperta o interesse e motiva os alunos a aprender e buscar o conhecimento que é necessário para compreendê-lo melhor. As duas estratégias, colocam o aluno no papel ativo do processo de aprendizagem e permitem a construção do conhecimento, pois, naturalmente, possuem características que reforçam o aprendizado, devido ao feedback eficiente, a percepção da utilidade da teoria e a aplicação prática.
Metodologia
Para a construção da intervenção pedagógica, recorre-se às contribuições teóricas de Cunningham e Klein (2013), Dukes (2017), Gallindo (2017), Silva e Dias (2020) e Soares Neto et al. (2020), que abordam a temática em estudo.
A partir do embasamento teórico desses referenciais foi construída uma proposta de intervenção pedagógica, com o objetivo de utilizar o jogo de tabuleiro, como metodologia ativa no ensino da Fisiologia Animal e na aplicabilidade do aparelho digestório de animais poligástricos.
O público-alvo da pesquisa foram 24 alunos do 2º ano do Curso Técnico em Medicina Veterinária da Escola Técnica Parthenoon, localizada no município de João Pessoa/PB. A experiência vivenciada aconteceu entre os meses de fevereiro a março de 2022, com carga horária de 12 horas distribuídas em seis aulas.
A sequência de atividades encontra-se esquematizada no Quadro 1 e é discutida a seguir.
Quadro 1: Planejamento das atividades da intervenção pedagógica
Primeiro momento – Problematização inicial |
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Aulas |
Atividade |
O que vou abordar? |
Que recursos vou utilizar? |
01 |
Fisiologia Animal |
Função dos órgãos digestivos (boca, faringe, esôfago, estômago, intestino e ânus) |
Slides, Datashow e apontador a laser |
02 |
Atividade sobre Fisiologia Digestiva |
Perguntas sobre os órgãos e suas funções |
Folhas impressas, canetas e borrachas |
Segundo momento – Organização do conhecimento |
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Aulas |
Atividade |
O que vou abordar? |
Que recursos vou utilizar? |
03 |
Estudo dos pré-estômagos |
Diferenças anatômicas e fisiológicas do rúmen, reticulo e omaso |
Peças anatômicas, slides, Datashow e apontador a laser |
04 |
Estudo do estômago verdadeiro |
Características anatômicas e fisiológicas do abomaso |
Peças anatômicas, slides, Datashow e apontador a laser |
Terceiro momento – Aplicação do conhecimento |
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Aulas |
Atividade |
O que vou abordar? |
Que recursos vou utilizar? |
05 |
Aplicação do jogo de tabuleiro |
Processo de ruminação |
Cartolinas, lápis, caneta e cola |
06 |
Questionário sobre processo de ruminação |
Como ocorre o processo e o que pode ocorrer caso o animal não realize o processo |
Caneta, cadernos e borrachas |
Foi desenvolvido um jogo de tabuleiro baseado em jogo didático como estratégia de ensino, mediante as considerações feitas, a fim de auxiliar no processo de ensino-aprendizagem em Fisiologia Animal sobre a fisiologia do processo de ruminação. O jogo foi produzido levando-se em consideração as dificuldades que os estudantes apresentavam em relação ao processo de ruminação.
Com a estratégia metodológica do jogo didático, pretendeu-se proporcionar um aprendizado prazeroso e significativo dos conceitos de difícil compreensão em fisiologia digestiva de ruminantes, por meio de uma atividade dinâmica e interativa.
Aplicação do jogo de tabuleiro
No primeiro momento foi ministrado o tema Fisiologia do aparelho digestório em animais ruminantes, abordando a função de cada órgão, tais como, boca, língua, dentes, faringe, esôfago, pré-estômagos (rúmen, retículo, omaso) e do estômago verdadeiro (abomaso). Utilizaram-se alguns procedimentos metodológicos, tais como aula expositiva em datashow e slides, com imagens do órgão, com apontador a laser em cada imagem, apontando sobre o órgão e explicando a sua funcionalidade.
Em seguida, após a exposição do conteúdo, aplicou-se uma atividade sobre o assunto, com perguntas subjetivas para que os alunos escrevessem o que entenderam do processo de digestão dos ruminantes, a saber, “como ocorre a captura dos alimentos pelos ruminantes?”, “qual a função da boca?”, “qual a função dos dentes?”, “qual a função da faringe?”, “qual a função do esôfago e quais mecanismos nervosos ocorrem na deglutição?”, “qual a função dos pré-estômagos (rúmen, retículo e omaso) e qual a função do abomaso?” Para tanto, foi entregue aos alunos a atividade impressa e eles responderam individualmente.
A partir daí, deu-se início ao segundo momento, levando-se em consideração que os alunos obtiveram um bom entendimento teórico. Assim foram demonstradas peças anatômicas de cada órgão para uma revisão anatômica dos pré-estômagos (rúmen, retículo e abomaso), associando-os com as imagens demonstradas em Datashow, nos slides, mostrando as características físicas e a função de cada órgão na digestão e na ruminação dos animais.
Da mesma forma foram demonstrados os aspectos anatômicos e fisiológicos do estômago verdadeiro em peça anatômica, com a explicação da funcionalidade e do processo de digestão enzimática que ocorre nesses animais. Nessa aula foi solicitado que os alunos elaborassem algumas perguntas sobre o assunto.
No terceiro momento, após toda a explanação, foi aplicado pela professora da disciplina o jogo de tabuleiro, com peças confeccionadas com cartolinas e canetas permanentes. O jogo continha as fases, desde a captura do alimento (boca), a passagem pelo esôfago, chegada no rúmen, retículo, a volta à boca, os processos de ressalivação, remastigação e regurgitação, volta ao omaso, chegada no abomaso, estômago verdadeiro (Figura 3).
Figura 3: Processo de ruminação nos animais poligástricos
Fonte: https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/e/digestao.jpg.
O jogo continha 18 peças percorrendo todo processo de ruminação, desde a captura do alimento (boca) até a sua chegada ao intestino. Para a execução do jogo, os alunos foram divididos em duas equipes (A e B). Após isso, cada equipe escolheu um líder, para que fosse passando pelas etapas do jogo de tabuleiro, de acordo com as respostas das questões, elaboradas previamente pela pesquisadora e pela equipe adversária. Dessa forma, quando o líder errava alguma resposta, ele ficava retido na casa do tabuleiro. Cada vez que a resposta fosse assertiva, passaria para uma outra casa e as equipes tinham o tempo cronometrado em um minuto para responder até a última fase (intestino) e ganhar o jogo.
Após a aplicação do jogo de tabuleiro foi entregue um questionário para os alunos, com o intuito de avaliar os conhecimentos construídos. As questões contempladas no questionário foram as mesmas utilizadas no jogo de tabuleiro. Por fim, após a sua aplicação, solicitou-se que os alunos fizessem uma comparação no entendimento do assunto, antes e após a aplicação do jogo.
Resultados e discussão
No conteúdo sobre fisiologia digestiva de ruminantes (processo de ruminação) foi realizada uma metodologia ativa (jogo de tabuleiro). A proposta caracterizou-se pela elaboração de um tabuleiro, que constitui o processo digestivo dos poligástricos na ordem da sistematização do processo de ruminação.
O tabuleiro foi construído de acordo com o processo de ruminação dos ruminantes e conforme a fisiologia do processo. Nesse sentido, as etapas do caminho da ruminação são: 1) boca, 2) esôfago, 3) rúmen, 4) ação bacteriana (presença de microrganismos), 5) digestão microbiana, 6) retículo, 7) boca (antiperistaltismo), 8) processos da ressalivação, remastigação e regurgitação, 9) peça de “calma, você está indo bem”, 10) peça ruminando (mais calma, para lembrar que o ruminante pode passar até 8 horas por dia nessa fase), 11) esôfago (alimento sendo redeglutido), 12) omaso (o alimento pode ser misturado com água e leve processo fermentativo), 13) abomaso (estômago verdadeiro), 14) digestão enzimática (enzimas), 15) suco gástrico (ação do ácido clorídrico (HCl), pepsinogênio e gastrina), 16) formação do quimo (bolo alimentar), 17) peça de concentração e 18) intestino delgado ou duodeno (Figura 4).
Figura 4: Jogo de tabuleiro correspondente ao processo de ruminação
Em cada fase do tabuleiro, há uma questão para ser respondida pela equipe A e outra questão a ser respondida pela equipe B (Figura 5). O jogo de tabuleiro possibilitou aos alunos compreender melhor o assunto abordado, de modo a permitir que, de forma lúdica, pensassem e respondessem corretamente. Foi perceptível também observar que as questões formuladas foram positivas e práticas sobre o processo de ruminação.
Figura 5: Aplicação do jogo de tabuleiro
Observou-se, ainda, pelo questionário na aula 2 (antes da aplicação do jogo) e na aula 6 (após a aplicação do jogo), que houve diferenças no entendimento dos alunos sobre o tema abordado. Nota-se que os alunos conseguiram mais questões assertivas quando o jogo do tabuleiro foi aplicado. Assim, conforme ressaltaram Soares Neto et al. (2020), em estudo com jogo de tabuleiro no ensino de anatomia, 90% dos alunos sugeriram a continuidade da metodologia ativa por meio do jogo de tabuleiro para a aprendizagem da anatomia do Sistema Urinário.
Assim, como observado por Galindo (2017), com um estudo de jogos de tabuleiro como instrumento de auxílio na disseminação da Educação Financeira, verificou-se que a ferramenta de ensino se mostrou eficaz, resultando em um alto potencial de aprendizado, evidenciando a relação entre a segurança e a eficácia dos investimentos, com o potencial ganho de qualidade de vida proporcionado pelo controle das finanças pessoais.
Foi observado que, na aplicação do jogo de tabuleiro, houve maior interação e união entre os alunos, confirmando que a partir do jogo também pode aflorar o espírito de coletividade entre eles. Nesse sentido, corroborando com essa ideia, Silva e Dias (2020) ressaltam que a utilização do jogo de tabuleiro promove a sociabilidade e o desenvolvimento da criatividade, assim como o espírito de competição e cooperação. Portanto, o jogo exerceu uma interação entre os estudantes que, procurando entender os seus mecanismos, constituíram uma estratégia didática para aprenderem brincando. Sendo assim, constatamos que a estratégia metodológica utilizada foi eficiente e tornou a aula mais dinâmica e atrativa.
O jogo do tabuleiro permitiu que os alunos compreendessem o processo de ruminação de forma mais profunda, com questões bem formuladas e contextualizadas. Após a aplicação do jogo de tabuleiro foi possível observar que os alunos compreenderam o processo físico e químico da digestão de poligástricos, os processos de redeglutição, remastigação, ressalivação, os processos de digestão fermentativa ou microbiana e a digestão enzimática.
Por fim, a aplicação de jogos de tabuleiro, como metodologia ativa, promove uma maior interatividade e participação dos alunos nas atividades desenvolvidas pelo professor na sala de aula, possibilitando a disseminação de conhecimentos de forma mais profunda e tornando a aprendizagem uma experiência mais significativa.
Considerações finais
A experiência vivenciada da metodologia ativa, por meio da utilização do jogo de tabuleiro, foi essencial para os alunos, pois permitiu um aprendizado dinâmico e significativo. Os alunos tiveram a oportunidade de revisar os conteúdos ministrados na disciplina e, de forma lúdica, consolidaram os conhecimentos construídos.
Nesse sentido, avaliamos que a proposta de intervenção pedagógica garantiu uma aprendizagem significativa e, após o desenvolvimento do jogo de tabuleiro, os alunos o avaliaram como dinâmico, atrativo e eficiente por auxiliar na fixação do conteúdo de Fisiologia Animal.
Por fim, concluímos que a metodologia deve ser aplicada de forma contínua em vários momentos ao longo da disciplina, para que os alunos possam construir conhecimentos relacionados ao conteúdo em estudo.
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Publicado em 31 de janeiro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
CORDÃO, Maiza Araújo; ARAÚJO, Jefferson Flora Santos de. Jogo de tabuleiro: uma proposta didática para o processo de ensino-aprendizagem em Fisiologia Animal. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 4, 31 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/4/jogo-de-tabuleiro-uma-proposta-didatica-para-o-processo-de-ensino-aprendizagem-em-fisiologia-animal
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