Trabalhando o conceito de bairro no Ensino Fundamental em Nova Iguaçu/RJ: análise de mapas mentais

Alex Ferreira Agustinho

Mestrando em Geografia (PPGEO-UERJ), graduado em Geografia (UERJ), bacharel em Administração de Empresa (Unicarioca), especialista em Gestão Pública (UEMG) e em Gestão Escolar (USP), tutor do curso de Assistente Administrativo – FIC EAD da Faetec/Cecierj

Este artigo é parte de uma pesquisa realizada em 2019, antes da pandemia do covid-19, na qual, o autor busca trabalhar com o conceito de bairro por meio da percepção dos alunos integrantes do Projeto Horário Integral, com a confecção de mapas mentais.

Segundo Oliveira (2017), a psicologia da percepção, tradicionalmente, procura explicar os mecanismos perceptivos pela experiência e maturação. A experiência desempenha um papel importante no desenvolvimento da percepção, pois o contato direto ou indireto com o objeto permite ao sujeito construir seu espaço perceptivo. Sendo assim, por meio da análise dos mapas mentais, o autor busca identificar os principais fixos percebidos pelos discentes e que constituem um bairro. Segundo Soares (1990), a noção de bairro é de origem popular, tirada da linguagem corrente. Para o habitante de uma cidade, o bairro constitui, no seu interior, um conjunto que tem originalidade própria.

A motivação para trabalhar com essa temática sobre os mapas mentais, a partir da percepção dos alunos, foi influenciada pelas dicas e as orientações da professora Lívia de Oliveira, docente da Unesp, para quem dedicamos este artigo (in memoriam), com todo carinho e gratidão. Antes do seu falecimento, em 2020, tivemos a oportunidade de sermos agraciados com o seu livro autografado, Percepção do meio ambiente e Geografia: estudos humanistas do espaço, da paisagem e do lugar. Essa obra é fundamental para trabalhar com o conceito de percepção, um conceito-chave para esta pesquisa.

Segundo Archela et. al. (2004), mapas mentais são imagens espaciais que as pessoas possuem dos lugares e dos objetos conhecidos, de forma direta ou indireta, ou seja, as representações espaciais mentais podem traduzir o espaço vivido, no seu cotidiano, e os principais fixos podem estar relacionados ao presente ou ao passado. Sendo assim, por meio da análise dos mapas mentais elaborados pelos discentes, podemos observar a sua compreensão e percepção sobre o espaço de vivência, que neste estudo compreende o recorte territorial formado pelo bairro de Vila Nova.

Utilizando como referência Maria Therezinha de Segadas Soares (in Souza, 1989, p. 139-172), uma cidade é um conjunto de bairros dos quais cada um tem sua fisionomia, resultante de sua função, de seus habitantes, de sua idade. Todos esses bairros, mais ou menos integrados entre si, formam a cidade. Um bairro urbano tem uma feição que só a ele pertence, uma vida particular, uma alma. Nessa perspectiva, a percepção dos alunos com relação ao seu ambiente de convivência será fundamental para a elaboração dos mapas mentais, cuja conexão intermediada pelo sentimento de pertencimento auxiliará na hora de transcrever os principais fixos pertencentes ao bairro.

A metodologia foi a revisão bibliográfica, atividade de campo, composta pelo trajeto da residência à escola, material fotográfico, entrevista com pessoas da escola e familiares dos alunos residentes no bairro de Vila Nova, em Nova Iguaçu. Também adotou-se a leitura de textos infantis em sala de aula com os integrantes do horário integral sobre o conceito de bairro. As obras escolhidas foram “O bairro de Marcelo” (Rocha, 2012), “Meu bairro” (Victorino, 1993) e “Meu bairro, pessoas e lugares” (Bullard, 2012).

O trabalho foi operacionalizado e dividido em seis etapas, sendo a primeira constituída por roda de leitura com os alunos do horário integral, sobre os temas bairro e escola. Na segunda foi trabalhada a percepção e a representação gráfica do espaço vivido. Na terceira fase foi realizada entrevista com a direção da escola, fornecendo dados do próprio programa Horário Integral. A quarta etapa do projeto faz parte da atividade na qual os alunos analisam o percurso da residência à escola. Na quinta parte, os alunos observaram o espaço percorrido, criando o mapa mental. Por último, foram analisados os mapas mentais criados pelos integrantes do referido Programa.

O objetivo geral deste artigo é analisar os mapas mentais elaborados pelos alunos pertencentes ao Projeto Horário Integral de Nova Iguaçu, matriculados no 3º, 4o e 5º ano da Escola Municipal Capistrano de Abreu, Ensino Fundamental, no bairro Vila Nova. Como objetivos específicos, o autor analisa e identifica os principais fixos expressos graficamente pelos alunos, a partir dos mapas mentais, e compara o nível de percepção geográfica dos referidos discentes por série.

A prática pedagógica que foi aplicada no mês de abril de 2019, com os alunos do referido projeto, resultou em 55 mapas mentais, sendo assim, a pesquisa possibilitou identificar a percepção dos alunos em relação aos seus conhecimentos geográficos, analisando os principais objetos percebidos no bairro em tela, no qual são destacados aqueles de maior relevância e encontrados no espaço de vivência desses alunos.

Primeira etapa: roda de leitura com os alunos do horário integral com os temas bairro e escola

A etapa consiste em reunir os alunos, para realizar leitura sobre a temática de bairro, utilizando algumas obras da Literatura Infantil que trabalham com o conceito proposto, mas de forma simples, divertida e criativa. Durante esse momento, foram apresentadas algumas imagens para despertar interesse e curiosidade nos alunos. O objetivo nessa etapa é entusiasmar os discentes auxiliando na identificação de alguns símbolos que estão presentes e podem ser encontrados em seu bairro. O mais importante é que eles consigam adquirir novos conhecimentos e aprendam novos conceitos geográficos para, principalmente, entenderem sobre o local no qual residem.

Nesta primeira fase foram utilizados os livros: “O Bairro de Marcelo”, de Ruth Rocha, da Editora Salamandra, com observações e descrições do lugar, por ilustrações e referenciais espaciais, “Meu Bairro”, de Célia J. A. Victorino, da Editora Vozes, que aponta como é a vida em diferentes bairros tendo em vista os alunos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que residem em um bairro, mas estudam em outro e “Meu Bairro, Pessoas e Lugares”, de Lisa Bullard, que conta a história de Lili, que vai conhecer seu novo vizinho, para quem deseja apresentar seu bairro e com o qual passeia e descobre muitos objetos interessantes (fixos). As ilustrações podem ser observadas a seguir, conforme mencionado no texto.

As Figuras 1, 2 e 3 trazem as capas dos livros infantis que abordam a temática do bairro. As rodas de leituras foram realizadas no início do mês de abril de 2019, com duração de uma semana, aproximadamente, com os alunos inscritos no Programa.

Figuras 1, 2 e 3: “O bairro de Marcelo”, “Meu bairro” e “Meu bairro, pessoas e lugares”

Segunda etapa: trabalhando a percepção e a representação da paisagem vivida

Esta etapa teve como objetivo trabalhar a compreensão e a percepção ambiental que os alunos apresentam sobre a paisagem onde vivem.

Segundo Oliveira (2017), a partir da década de 1970 até 1980, como fruto dos movimentos renovadores da Ciência Geográfica, a noção de paisagem começa a se desdobrar por múltiplos sentidos, tornando-se um conceito polissêmico. O olhar geográfico se aprofundou, tornando-se “mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma consequência, um momento vivido, uma ligação interna, uma impressão que une todos os elementos” (Oliveira, 2017), ou seja, o observador foi colocado dentro da paisagem, integrando-se a ela. Nesta fase foi solicitado aos alunos que registrassem a paisagem ao redor da escola, considerando-se o que entendiam como feio ou bonito e o que eles mais gostavam de fazer. Depois, que comentassem, em grupo, sobre o que havia sido observado. Quase todos observaram os pontos que mais se destacam, como a poluição do Rio da Prata, que passa próximo à escola. Também, o descaso com as praças que se encontram depredadas, pichadas e em mau estado de conservação. Os problemas estruturais também foram notados e as crianças apresentaram o desejo de que os pontos observados fossem vistos como questões a serem sanadas.

Tuan (1980) aponta que a percepção está ligada à afetividade. Como as pessoas possuem ligação com o ambiente, elas criam laços afetivos com determinados locais. Nesta mesma obra, Tuan apresenta outros conceitos importantes para a compreensão do ambiente, tais como, a topofilia, a topofobia e os lugares valorizados.

Alguns locais do bairro, como o Rio da Prata, foram considerados “estranhos”, ou seja, como uma paisagem feia. Essa percepção ocorre devido ao alto grau de poluição presente e a degradação ambiental, problemas observados em vários outros locais da cidade. Tuan (1980) define topofobia como “paisagem do medo”, quando muitos locais ou objetos presentes na paisagem são valorizados de forma negativa, provocando sentimentos de aversão nas pessoas próximas desses ambientes. Topofobia está associada ao feio, ao desagradável, denotando uma aversão do indivíduo àquela paisagem, que, muitas vezes, provoca um sentimento de medo. 

Terceira etapa: entrevista sobre o bairro, a escola e o Projeto Horário Integral

Segundo a diretora adjunta, Luciana Neves, em entrevista concedida no mês de maio de 2019, o Projeto Horário Integral é importante para as crianças da escola, pois suas atividades influenciam na dinâmica do bairro. Desde seu início, em 2007, o bairro se transformou em uma grande escola, pois os conteúdos eram elaborados e ministrados de forma extracurricular e algumas fases do projeto ocorreram para além dos muros do referido fixo. 

No período em que a prefeitura realizava maiores investimentos no Programa (2010), muitos alunos tiveram a oportunidade de participar de aulas sobre atenção no trânsito e seus perigos, com a ajuda de guardas e fiscais de trânsito. Os professores saiam com os discentes para conhecer melhor o bairro, com o objetivo de ensinar sobre a importância de atravessar a rua somente na faixa de pedestres e ter atenção na hora de se deslocar.

As praças eram utilizadas para realizar atividade esportiva extraclasse, como aulas de judô, capoeira e hip hop. Sendo assim, essas formas diferenciadas e didáticas de ensinar, ocupavam e aproveitavam melhor os espaços públicos do bairro.

Após a entrevista com a diretora, continuamos com o debate em sala de aula. Assim, solicitamos aos alunos que respondessem a seguinte questão: “qual é primeira coisa que vem à cabeça em relação ao bairro?”. Vários comentaram sobre a praça que fica ao lado da referida escola. Também comentaram sobre a grande quantidade de árvores presentes no espaço interno da escola, assim como as que estão à margem do Rio da Prata. Tais percepções denotam a relação dos discentes com o ambiente próximo a eles.

Os alunos do 5° ano do Ensino Fundamental comentaram sobre o descaso e a degradação dos espaços públicos, o mau estado de conservação das ruas e das áreas ao redor da escola, assim como de pontos e ruas que alagam e da quadra de futebol, com sua grama sintética completamente destruída.

Logo em seguida, pedimos que falassem um pouco mais sobre suas observações com a seguinte questão: “cite os principais objetos observados na escola”. Segundo a percepção dos discentes, a escola possui grandes pátios, muito espaço externo, locais onde podem brincar e realizar atividades extraclasse, “principalmente com o Professor Luiz, da turma do 5° ano do Ensino Fundamental”. Lembraram da quadra que, mesmo precisando de reformas, eles podem usar como opção de recreação. Mencionaram os brinquedos fornecidos pela Secretaria de Educação de Nova Iguaçu, tais como, o jogo de dama, o totó, as cordas e as bolas de futebol e basquete. Assim que terminamos de conversar sobre os pontos positivos da escola, fizemos a seguinte pergunta: “a escola precisa de cuidados e reformas?”.

Os alunos conseguiram perceber os problemas e citaram os banheiros, o bebedouro e a cozinha. Comentaram sobre o telhado da escola, que em períodos de chuvas registra algumas goteiras, principalmente, no refeitório. A quadra esportiva fora mencionada anteriormente, um alvo de críticas, porque é o local mais deteriorado e, ao mesmo tempo, o mais usado por eles para momentos recreativos e para a prática de esportes. A direção da unidade escolar solicitou as reformas.

Por fim, chegamos à última pergunta da entrevista sobre o bairro: “o seu bairro precisa de cuidados? O ambiente é preservado?”. Cada um fez um comentário sobre as suas percepções. Os pontos com maior destaque foram a falta de preservação do meio ambiente, o lixo, a falta de cuidado com o Rio da Prata e as praças em mau estado de conservação. Durante os comentários, relatamos que os problemas perceptíveis ali, podem ser encontrados na maioria das cidades do país, em maior ou menor grau. Por esses motivos, muitos não expressaram o sentimento de pertencimento em relação ao bairro e disseram que, em algum momento de suas vidas, pretendem sair dali para algum lugar melhor, para uma outra cidade ou estado, como São Paulo, por exemplo.

A próxima etapa da atividade consiste em observar o trajeto da escola à casa do aluno.

Quarta etapa: observando o trajeto casa x escola: atividade de campo

Segundo Tuan (1980), para o novo morador, o bairro é uma confusão de imagens. “Lá fora é um espaço embaçado, por isso aprender a conhecer o bairro exige a identificação de locais significativos, como esquinas e referências arquitetônicas. Objetos e lugares são núcleos de valor, pois atraem ou repelem em graus variados. Preocupar-se com eles, mesmo momentaneamente, é reconhecer sua realidade e valor”. Então, como as impressões recebidas por meio dos sentidos, adquirem a estabilidade de objetos e lugares?

Após termos trabalhado o conceito de bairro com as crianças, solicitamos que observassem a paisagem, utilizando a percepção para extrair do meio ambiente o que mais chamasse a sua atenção durante o percurso de casa à escola. Esta etapa foi realizada no início do mês de abril de 2019. Oliveira (2017, p. 111) aponta que

o fenômeno perceptivo não pode ser estudo como um evento isolado, nem pode ser isolável da vida cotidiana das pessoas. A percepção deve ser encarada como uma fase da ação exercida pelo sujeito sobre os objetos, pois as atividades não se apresentam como simples justaposições, mas como um encadeamento, em que umas estão ligadas às outras.

Para Oliveira (2017), a porta de entrada, ou melhor, o nosso contato com o mundo exterior, ocorre pelos nossos órgãos sensoriais, de maneira seletiva e instantânea. Sendo assim é possível constatar que a realidade “entra” em nosso mundo por meio da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato.

Para realizar a atividade sobre a percepção ambiental com as crianças do referido Projeto, foi usado o órgão sensorial, responsável pela visão. Este foi utilizado em decorrência do trabalho quase sempre ser iniciado apenas com a percepção visual do ambiente. Em segundo plano, usamos outros órgãos sensoriais, como o olfato, para sentir os odores do lugar, além da audição, para ouvir os ruídos produzidos pelo espaço urbano. Oliveira (2017, p. 171) ressalta que

a paisagem urbana se apresenta de várias formas, de diversas cores e de inúmeros ângulos. Aqui, nos ateremos aos aspectos geográficos, para ressaltar, somente, a espacialidade do nosso campo de interesse e de investigações ambientais, perceptivas e cognitivas, perpassando por diverso enfoque de paisagens geográficas e pelos filtros da percepção e da cognição.

As crianças selecionadas para realizar a atividade estavam na faixa etária dos 8 aos 13 anos. Assim, seu organismo estava passando por diversas transformações. Estes fenômenos biológicos afetam diretamente seus sentidos e processos de desenvolvimento, cognitivos e perceptivos.

Para continuar o estudo sobre a temática, recorremos aos estudos de Piaget sobre o conceito de processo cognitivo. Piaget é considerado o maior expoente no estudo do comportamento infantil. Ao caracterizar a sequência de desenvolvimento da inteligência em seus quatro estágios, Piaget deixa clara a incorporação gradativa de novas experiências e sua importância para que a criança vá atingindo os estágios subsequentes.

No estágio da inteligência sensório-motora, que vai do nascimento aos dois anos de vida, o pensamento da criança é expresso em ato, em ação. No segundo estágio, da inteligência representativa ou pré-operatório, a criança já substitui um objeto por sua representação simbólica. Isso ocorre entre 2 e 6 anos de idade. O terceiro estágio é o das operações concretas (7 aos 11 anos), quando a criança sofre uma mudança qualitativa, pois ela substitui as relações reais por ações virtuais, ou seja, a ação pode se dar apenas de forma interiorizada. O pensamento, que antes se originava somente na ação real e efetiva, no contato com as coisas, torna-se um pensamento cuja origem está no interior, mas que não perderá sua qualidade de ser uma ação. Então, ela necessita da presença concreta dos objetos para poder raciocinar. No estágio das operações formais (4° estágio), a criança consegue desprender-se dos dados imediatos e seu raciocínio baseia-se em abstrações, não somente em dados da realidade. Essa abstração lhe permitirá avaliar hipóteses sobre diversas possibilidades.

Após abordar brevemente os conceitos elaborados por Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo e os processos de desenvolvimento e de aquisição de dados e informações pelas crianças, iniciamos a quinta etapa da metodologia, sobre a qual ilustramos o local da realização da atividade e seus métodos.

Quinta etapa: observando o espaço percorrido de casa à escola: elaborando o mapa mental

A fase de criação dos mapas mentais, realizada em sala de aula, ocorreu no dia 10 de abril de 2019, com os discentes do 3°ao 5° ano do Ensino Fundamental, integrantes do referido Projeto.

Segundo Oliveira (2006), por mais acuidade que os sistemas tecnológicos e informacionais tenham, o homem precisa de seus órgãos, dos seus sentidos e de seus movimentos, para deslocar-se, coordenar e associar as imagens a fim de construir, mentalmente, representações ligadas aos itinerários percorridos diariamente.

Essa etapa foi realizada após os alunos percorrerem o trajeto de suas residências até a escola. Nesse momento, as crianças elaboraram seus mapas mentais individualmente, sem o auxílio de colegas da classe ou de outro membro da unidade escolar. Cada um se utilizou da sua percepção e criatividade para transcrever os principais objetos percebidos no caminho em um papel, a serem analisados na última etapa da monografia. O principal objetivo era analisar a capacidade de observação dos alunos em relação aos seus conhecimentos do local onde vivem.

A percepção ambiental pode ser representada e mapeada de modo que os alunos, por meio de suas percepções, foram capazes de representar os principais pontos do bairro de Vila Nova, em Nova Iguaçu, com seus desenhos. Para isso, fizeram observações prévias de todo o trajeto da escola à residência. Na fase seguinte, em sala de aula, os discentes receberam uma folha em branco, modelo A4. Todos que integravam o projeto em abril de 2019, realizaram as ilustrações de forma individual, totalizando 55 alunos do Ensino Fundamental, 21 do 3° ano, 12 do 4° ano e 22 do 5° ano.

Para realizar os mapas mentais, os alunos usaram a folha de papel A4, lápis preto, canetinhas coloridas, lápis de cor, giz de cera e régua.  Os resultados desta atividade e a análise dos mapas serão abordados a seguir.

Os resultados: a interpretação dos mapas mentais

A prática pedagógica foi aplicada no mês de abril de 2019, com os alunos do referido projeto. A pesquisa teve como objetivo identificar a percepção dos 55 alunos em relação aos seus conhecimentos geográficos, analisando os principais objetos percebidos no bairro de Vila Nova, com destaque àqueles mais importantes encontrados no espaço de vivência dos referidos discentes.

Diferentemente dos processos cartográficos complexos e sofisticados, os mapas mentais são representações espaciais simples que utilizam basicamente a percepção do indivíduo em relação ao ambiente real, utilizando ferramentas comuns do seu cotidiano. Na verdade, são mapas destituídos dos elementos utilizados pela cartografia, como escala, localização e orientação. Por isso, os alunos utilizam uma linguagem gráfica para representar a sua percepção espacial do local de vivência, utilizando somente suas habilidades artísticas para criar seus mapas mentais.

Os 55 mapas elaborados pelos discentes foram analisados com base nas propostas de Teixeira e Nogueira (1999, p. 6) cujo enfoque está no método geográfico fenomenológico, possibilitando interpretar a percepção e também a experiência dos alunos em relação ao espaço de vivência. Para esses autores,

como vimos os mapas mentais são construções mentais de um mundo real, concreto, sobretudo vivido por homens concretos que os produzem. Pensamos que esta discussão pode ser resgatada ao introduzirmos em nossas aulas o conceito de mapa, mostrando a partir dos mapas mentais que cada um constrói que os mapas técnicos, os que servem para as nossas aulas, como produtos de orientações e localização, também são construções desse mundo conhecido por nós, e que apesar de se mostrarem absolutos, contêm informações relativas e subjetivas.

Para Castellar (2005), por meio da construção de mapas mentais os alunos vivenciam o processo de letramento cartográfico, possibilitando a compreensão de símbolos e signos que corresponderão aos fenômenos ilustrados nos desenhos, onde são representados o seu lugar de vivência (rua, escola, moradia e outros não tão próximos). É fundamental, no entanto, que a criança desenvolva o raciocínio para que possa adquirir esses conceitos geográficos.

O Gráfico 1 representa a análise quantitativa do total de discentes do Projeto Horário Integral, que participaram da atividade sobre o bairro, utilizando a percepção para observar os principais objetos e criar os mapas mentais.

Gráfico 1: Total de discentes que participaram da elaboração dos mapas mentais

A proposta de trabalho, utilizando os mapas mentais com os alunos, foi idealizada com o objetivo de identificar seus conhecimentos geográficos e sua capacidade de percepção. O gráfico 2 representa a análise quantitativa dos principais objetos percebidos no bairro, considerando-se cinco categorias diferentes:

  • Mapas mentais subjetivos, com ruas e casas sem identificação.
  • Atividade comercial.
  • Locais de lazer, praças e quadras esportivas.
  • Área preservada e arbórea.
  • Rio da Prata e área degradada.

Os cinco pontos supramencionados representam os objetos que aparecem nos mapas mentais com recorrência, ou seja, locais que fazem parte do cotidiano dos alunos. Cada um representa este espaço conforme o seu ponto de vista. Piaget (1984) aponta que a percepção dos discentes está diretamente ligada à sua idade e nível de desenvolvimento cognitivo. Eles estão associados às etapas de desenvolvimento da inteligência e descritos pelo autor em seus quatro estágios. Nesse caso, os mapas mentais foram elaborados por alunos de aproximadamente cinco faixas etárias, entre 8 e 12 anos.

Para a elaboração deste artigo foram selecionados nove mapas mentais, divididos em três grupos que representam as turmas do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Eles serão utilizados na análise dos 5 pontos mencionados no Gráfico 2. Os mapas mentais produzidos são ilustrações gráficas dos objetos percebidos no trajeto da escola à residência. Para observar esses objetos foi utilizado um órgão sensorial. Tuan (1980, p. 9) afirma que

o ser humano tem outras maneiras para responder ao mundo além dos cinco sentidos da visão, audição, olfato, paladar e tato, por nós conhecidos desde os tempos de Aristóteles. Por exemplo, algumas pessoas são extremamente sensíveis às mudanças sutis na umidade e na pressão atmosférica; outras parecem ser dotadas de um extraordinário sentido de direção, embora se tenha questionado o caráter inato desta faculdade. Dos cinco sentidos tradicionais, o homem depende mais conscientemente da visão do que dos demais sentidos para progredir no mundo. Ele é predominantemente um animal visual.

Gráfico 2: Porcentagem de objetos percebidos pelos alunos

Os três mapas mentais a seguir foram produzidos pelos alunos do 3° ano do Ensino Fundamental. Seus nomes serão substituídos por letras para preservar a identidade dos discentes. O primeiro grupo foi formado pelos alunos A, B e C, que elaboraram as ilustrações de número 4, 5 e 6, respectivamente.

Figuras 4, 5 e 6: Turma do 3º ano do Ensino Fundamental, mapa mental dos alunos A, B e C

A Figura 4, elaborada pelo aluno A, corresponde ao último item do Gráfico 2. Esses mapas mentais subjetivos, com apenas ruas e casas, representam 33% dos mapas elaborados pelos alunos. Por outro lado, o aluno B possui um pouco mais de percepção referente aos objetos identificados no bairro, registrando e percebendo o Rio da Prata em forma de valão. Isso ocorre devido ao alto grau de poluição no qual este acidente geográfico se encontra. Assim, por sua perspectiva, o rio pode ser considerado como um local desagradável, degradado, causando mau cheiro e sendo vetor de transmissão de doenças, o que agrava ainda mais o problema, pois a população o utiliza frequentemente como um local para despejo de entulhos e lixo. Oliveira (2017, p.176) ressalta que

muitas vezes as belezas naturais se diluem ao longo do tempo: um rio é retificado ou canalizado, um morro que é aplainado, uma lagoa que é entulhada ou um mangue que é drenado. Assim, os atrativos físicos são modificados para atender, a expansão de bairros, de avenidas, de túneis ou então são glamurizados para atender a moda do momento ou do interesse.

Dando continuidade à análise interpretativa, os três mapas mentais a seguir foram produzidos pelos alunos do 4° ano do Ensino Fundamental. Esse segundo grupo foi formado pelos alunos D, E e F, representados pelas ilustrações de números 7, 8 e 9, respectivamente.

Figuras 7, 8 e 9: Turma do 4º ano do Ensino Fundamental, mapa mental dos alunos D, E e F

A Figura 7, elaborada pelo aluno D, é bem subjetiva e apresenta poucos detalhes e objetos encontrados no bairro de Vila Nova. Ele também corresponde ao primeiro item do gráfico, com apenas ruas e casas, e representa parte dos 33% dos mapas elaborados pelos alunos. Os elementos representados não possuem referências, pois não se reconhece qual casa é a residência do aluno ou qual objeto representa a escola. Porém, por meio de sua percepção, o aluno inseriu três árvores de forma linear, algo comum às margens do Rio da Prata.

O mapa 8, elaborado pelo aluno E, possui um pouco mais de detalhes. Nesse caso, o discente identifica alguns objetos humanizados, como a casa, fazendo referência à sua residência e um outro objeto desenhado, referenciado como a escola. Também insere um objeto comum desse espaço urbano que é um carro na rua. É possível perceber ainda alguns equipamentos presentes em parques de praça pública. No Gráfico 2, ele é representado por locais de lazer, praças e quadras esportivas, totalizando 19% dos mapas analisados. O mapa 9, elaborado pelo aluno F, não apresentou grande diferença em relação ao mapa 8. Desse modo, não houve a necessidade de ser detalhado aqui, com maiores descrições.

Figuras 10, 11 e 12: Turma do 4º ano do Ensino Fundamental, mapa mental dos alunos G, H e I

O mapa mental presente na Figura 10, elaborada pelo aluno G, possui outro nível de percepção do espaço de vivência, onde estão inseridos objetos e símbolos presentes no bairro. Na parte superior do mapa é possível identificar a ponte que atravessa o Rio da Prata, local que foi considerado degradado e descaracterizado de suas condições naturais.

Nesse mapa é possível também observar um estabelecimento comercial, identificado como padaria. Esse tipo de comércio é comum no bairro, inclusive há uma unidade Arte Pão, confeitaria muito conhecida no município, presente na área central, na Via Light e em outros municípios da Baixada Fluminense.

O mapa mental 11, elaborado pelo aluno H, apresenta menor quantidade de elementos e objetos percebidos, mas conseguiu captar alguns em destaque na paisagem do espaço vivido, como o campo de futebol, um símbolo marcante do bairro, com campo de grama sintética, localizado ao lado da escola, na Praça do Cajueiro. O último mapa analisado foi produzido pelo aluno identificado pela letra I, em correspondência à Figura 12. Neste mapa, o aluno conseguiu perceber alguns estabelecimentos comerciais, como padarias e bares que estão presentes no Gráfico 2. Novamente, o Rio da Prata é registrado e percebido em forma de valão, termo utilizado pela população como local onde escoa o esgoto não tratado. O referido acidente geográfico faz parte das informações mencionadas no gráfico como área poluída, representando 9% dos mapas analisados.

Análise dos resultados

A reflexão e o debate sobre a elaboração de mapas mentais para trabalhar conceitos elementares da Geografia, constituem ótimas ferramentas que ampliam e viabilizam a socialização e o desenvolvimento dos alunos do Ensino Fundamental da rede pública ou privada. Percebe-se que muitos professores podem utilizar meios não convencionais, variando métodos, procedimentos e novas linguagens para realizar aulas em espaços diversos, fora da sala de aula. Com isso, o professor pode pensar e executar outras metodologias pedagógicas diferenciadas para diminuir as desigualdades no sistema de educação do país. Os mapas mentais é um bom exemplo de como trabalhar a geografia a partir do espaço de vivência, conforme foi elaborado no referido artigo.

Pela pesquisa realizada, percebe-se que é possível realizar atividades criativas e diferentes do cotidiano dos alunos. Trabalhar com o conceito de bairro foi interessante para que os discentes desenvolvessem um olhar reflexivo sobre o espaço de vivência, com relação às questões ambientais e sociais. Sendo assim, os mapas mentais proporcionam uma forma metodológica e pedagógica que envolve a percepção do meio, cujo discente possa ilustrar os principais fixos do espaço urbano, que constituem o bairro e suas transformações causadas pela ação da sociedade.

Os resultados dos mapas mentais mostraram uma grande variação com relação à percepção dos alunos sobre o espaço geográfico e o lugar de vivência. Os objetos percebidos estão diretamente ligados à idade dos alunos, quanto maior a idade, maior a capacidade de percepção e, nesse sentido, conseguiram identificar com mais detalhes os objetos encontrados no bairro.

Considerações finais

Após analisar os mapas mentais produzidos pelos referidos discentes do Projeto Horário Integral, pode-se constatar que eles possuem elementos em comum. Alguns objetos foram destacados com recorrência pelos alunos. No bairro é bastante visível a presença do Rio da Prata, que corta o bairro de Vila Nova e o município de Nova Iguaçu. Além disso, por meio dos mapas mentais, o professor pode avaliar e identificar se o aluno tem a percepção efetiva da ocorrência do fenômeno no espaço e a capacidade de transferir para o papel esses objetos geográficos.

Por meio dessas representações gráficas é possível observar sua percepção, com relação ao espaço real no qual eles procuram estabelecer relações entre espaços vivenciados e espaços concebidos. Nesse contexto, a proposta dos mapas mentais, sobre a percepção dos discentes, com relação ao bairro Vila Nova, em Nova Iguaçu, se mostrou uma forma interessante e criativa de trabalhar os conceitos geográficos referentes à temática bairro e à temática escolar, aplicando a elaboração de mapas mentais.

Por fim, os mapas mentais produzidos pelos referidos discentes se mostraram como um grande instrumento para o ensino da Geografia, sendo utilizados para analisar o espaço vivenciado pelos alunos. Dessa forma, por meio de uma cartografia pessoal, retratada pelos mapas mentais, o professor pode utilizar uma metodologia didático-pedagógica diferenciada para trabalhar elementos geográficos e cartográficos essenciais. Desse modo, pela percepção, o aluno compreende melhor as funções dos objetos presentes no bairro, podendo auxiliar na construção e na transformação da realidade social e ambiental espacial, em seu cotidiano. 

Referências

ARCHELA, Rosely Sampaio; GRATÃO, Lúcia Helena B; TROSTDORF, Maria A. S. O lugar dos mapas mentais na representação do lugar. Geografia, Londrina, v. 13, n° 1, jan./jun. 2004. Disponível em http://www.geo.uel.br/revista. Acesso em: 08 jan. 2022.

BULLARD, Lisa. Meu bairro, pessoas e lugares. São Paulo: Hedra, 2012.

CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. Educação Geográfica: a Psicogenética e o conhecimento escolar. Cad. Cedes, Campinas, v. 25, nº 66, p. 209-225, maio/ago. 2005.

OLIVEIRA, Lívia de. Os mapas na Geografia. Geografia, Rio Claro, v. 31, n° 2, p. 219-239, maio/ago. 2006.

______. Percepção do meio ambiente geografia: estudos humanísticos do espaço, da paisagem e do lugar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2017.

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1984.

ROCHA, Ruth. O bairro de Marcelo. Rio de Janeiro: Salamandra, 2012.

SOARES, Maria Therezinha Segadas. Rio de Janeiro, Cidade e Região. Rio de Janeiro, 1990. (Biblioteca Carioca v. 3).

TEIXEIRA, Salete Kozel; NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A Geografia das representações e sua aplicação pedagógica: contribuições de uma experiência vivida. Revista do Departamento de Geografia (online),São Paulo, n° 13, p. 239-257,1999. Disponível em: http://citrus.uspnet.usp.br/rdg/ojs/index.php/rdg/article/view/158/138. Acesso em: 28 out. 2019.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: Difel, 1980.

VICTORINO, Célia L. A. Meu bairro. Petrópolis: Vozes, 1993.

Publicado em 31 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

AGUSTINHO, Alex Ferreira. Trabalhando o conceito de bairro no Ensino Fundamental em Nova Iguaçu/RJ: análise de mapas mentais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 4, 31 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/4/trabalhando-o-conceito-de-bairro-no-ensino-fundamental-em-nova-iguacurj-analise-de-mapas-mentais

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