Uso de filme como prática interventiva no processo de ensino-aprendizagem em uma escola pública de Cuiabá/MT

Muito se tem falado sobre desmotivação nos estudantes, porém é preciso compreender os motivos de tais manifestações. De acordo com Zenti (2000), as causas da desmotivação podem ser oriundas de fatores diversos. Steinmayr e Spinath (2009) salientam que conhecer as razões e os objetivos que levam os estudantes a desenvolverem ou não as atividades escolares propostas, deve passar pela compreensão dos fatores emocionais que alavancam o processo de ensino-aprendizagem. 

Nesse sentido, conhecer os fatores pelos quais os estudantes estão apresentando dificuldades no aprendizado ou na motivação ao aprendizado é relevante para planejar estratégias que possam auxiliá-los. Partindo dessa compreensão, esse estudo, realizado em uma escola pública situada em Cuiabá, Mato Grosso, foi planejado e executado em 2019, utilizando o filme como prática interventiva estratégica para motivar um grupo de 30 estudantes, do 6º ao 9º anos, do Ensino Fundamental, que apresentava dificuldades de aprendizagem em diversos componentes curriculares.

A pesquisa se justificou pela necessidade de um trabalho interventivo que atuasse estrategicamente como fator motivacional capaz de sensibilizar os estudantes e conduzi-los a uma reflexão sobre suas perspectivas de vida e o entendimento da importância dos estudos para a transformação social. Conforme Duarte (2002), o filme atua como instrumento preciso no ensino de valores, crenças e diferentes interpretações do mundo, orientando práticas de diversos grupos sociais existentes na sociedade atual.

Objetivos

O objetivo geral do estudo foi analisar a utilização de filmes como prática pedagógica estratégica para estimular a motivação de estudantes do Ensino Fundamental, com dificuldades de aprendizagem. Já os objetivos específicos do estudo foram evidenciar a importância da educação na vida dos estudantes, por meio do uso de filmes, e despertar a consciência social dos estudantes para transformar a sua própria realidade.

O cinema como ferramenta didática

Sendo um sistema de signos criado para comunicar (Martin, 2005), o cinema é percebido como arte e carrega em seu escopo narrativas imagéticas com a capacidade de encantar (Silva, 2019). Para Mendonça (2007), o significado de cinema supera a conceituação exclusivamente artística, pois considera-se também a presença dos dispositivos técnicos e o conhecimento artístico.

Ao se pensar na película como ferramenta didática, para Silva (2019), o educador encontra, em filmes, possibilidades de trabalho com estruturas narrativas que abrem espaços para interpretações de significações imagéticas, sobre a realidade da vida cotidiana dos sujeitos. Assim, abre espaços para eixos temáticos, que fundamentam debates e discussões a posteriori. Aumont (2009, p.175) destaca que “a importância do cinema provém precisamente do fato de ele sugerir com insistência a ideia de uma linguagem de um novo tipo, diferente da linguagem verbal”.

Na busca por um fazer pedagógico diferenciado, com a perspectiva de desenvolver um trabalho didático, com discentes que apresentam dificuldades de aprendizagem, o olhar do educador deve se posicionar em contraponto aos fazeres da “educação bancária”, tão debatida por Freire (1974), atuando como mediador na construção de hábitos escolares, sadios e consistentes. Napolitano (2009, p. 11) argumenta que utilizar filmes como ferramentas didáticas “é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada”.

Paulo Freire (2005, p. 119) destaca ainda que “ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido”. Para além do entretenimento, a presença da sétima arte no ambiente escolar é fonte de cultura e informação, servindo como instrumento de exposição de ideologias, concatenação de ideias (Silva, 2019) e ferramenta motivacional para os estudos e para a vida.

Procedimentos metodológicos

Sendo uma pesquisa aplicada de abordagem qualitativa, este trabalho se configura como um estudo de caso. Os participantes foram estudantes do 6º ao 9º anos, com dificuldades de aprendizagem, de uma escola pública da Rede Estadual de Mato Grosso, localizada em um bairro da região periférica da cidade de Cuiabá. Os instrumentos de coleta de dados foram a análise documental das anamneses escolares e o portfólio de trabalho dos professores pela observação direta.

Atendidos por meio do trabalho de apoio pedagógico, os estudantes inicialmente foram avaliados para que se obtivesse um diagnóstico que, dentre diversas observações sobre a desmotivação dos estudantes, apresentou-se de forma pontual. A partir disso foi planejada a realização de um trabalho interventivo estratégico, com uso de filmes. Para isso, optou-se pela escolha do filme Mãos talentosas: a história de Ben Carson (2009), com o intuito de construir uma interlocução dos diversos aspectos retratados no enredo do filme, com as dificuldades enfrentadas pelos estudantes. Sobre isso, Silva (2019) ressalta que, ao se pensar em educação, pensa-se também em um processo de socialização e o cinema se apresenta como um universo de produção de sociabilidade.

Durante a operacionalização do trabalho, realizamos a comunicação aos pais e/ou responsáveis, com agendamento prévio do dia e do horário do evento. Foi feito o planejamento da intervenção e entregue, antecipadamente, à coordenação pedagógica da escola para organização logística dos recursos necessários para a aula, tais como, organização do espaço, uso e agendamento do datashow, da caixa de som e do notebook. No dia da intervenção, realizada no contraturno escolar, os estudantes receberam as informações pertinentes sobre os pontos relevantes que deveriam observar e, em seguida, exibiu-se o filme “Mãos Talentosas”. Ao término, fez-se uma roda de conversa, como um momento para a expressão das reflexões dos alunos sobre a história. Todo processo de intervenção durou cerca de 4 horas.

Apresentação e discussão dos resultados

O ponto de partida da intervenção era conduzir os estudantes a refletirem sobre suas vidas e seus propósitos na tentativa de sensibilizá-los a desenvolverem a autoestima e a motivação, como ferramentas para aprimorarem seu processo de ensino-aprendizagem. 

Durante a exibição do filme era possível perceber as expressões de curiosidade e interesse por parte dos estudantes. Após o encerramento da exibição houve a oportunidade de fala, para cada estudante, a respeito do entendimento adquirido com a proposta e sobre qual seria a mensagem obtida da narrativa do Dr. Benjamin Solomon Carson (protagonista da história), respeitando-se a interpretação de cada sujeito.

Foi perceptível o quanto o filme os impactou, levando-os à reflexão sobre suas próprias histórias. Eles se sentiram motivados a contar sobre si mesmos, suas dificuldades e anseios. Ao serem questionados pela professora que mediava a roda de conversa, cada um citou uma profissão que gostaria de atuar. Tal fato chamou-nos a atenção, pois até o momento os estudantes não tinham perspectiva de futuro para além do período escolar.

A professora conduziu a conversa a fim de que pensassem sobre o que cada um faria para atingir seu objetivo pessoal. Questionou-os sobre quais caminhos escolheriam trilhar. Nessa altura, percebemos a empolgação dos alunos. Foi pedido aos estudantes que pesquisarem sobre a biografia do Dr. Benjamin Solomon Carson, para continuarem as suas reflexões no decorrer dos próximos encontros.

No encontro seguinte, a maioria dos estudantes apresentou a pesquisa solicitada pela professora, socializando, com os demais colegas, os resultados.  Este fato vai ao encontro do que Torres e Irala (2014) apontam, que na ação pedagógica o centro é o aluno, como sujeito participativo, que traz suas experiências de vida e suas necessidades.

Dessa maneira, percebe-se que a prática implementada, com o uso de filmes como ação pedagógica estratégica, mostrou-se eficiente em relação à motivação dos estudantes na direção de questões concernentes à dedicação e à predisposição com os estudos, facilitando o processo de ensino-aprendizagem e, também, o desenvolvimento do protagonismo discente. Concordamos, então, com Clayton, Blumberg e Auld (2010), quando afirmam que a motivação tem sido frequentemente ligada a uma aprendizagem exitosa.

Considerações finais

A partir dessa prática interventiva, observamos que, entre as diversas causas das dificuldades de aprendizagem, a desmotivação é um fator pontual. Para auxiliar os estudantes desmotivados, faz-se necessária a sensibilidade do olhar atento, a fim de diagnosticar a problemática, possibilitando alternativas que favoreçam a autoestima dos estudantes para que permaneçam sonhando e acreditando no seu potencial. A educação é o caminho para a transformação social e para a melhoria da qualidade de vida.

Ademais, o professor é peça fundamental para evitar o agravo e o retardo na aquisição do conhecimento, devendo agir tão logo perceba a desmotivação dos estudantes. Desse modo, entendemos o uso de filmes como uma importante ferramenta na dinamização pedagógica, contribuindo para o processo de ensino-aprendizagem, especificamente em estudantes com dificuldades de aprendizagem, público alvo deste estudo.

Referências

AUMONT, J. A estética do filme. 7ª ed. São Paulo: Papirus, 2009.

CLAYTON, K.; BLUMBERG, F.; AULD, D. The relationship between motivation, learning strategies and choice of environment whether traditional or including an online component. British Journal of Educational Technology, v. 41, n° 3, p. 349-364, 2010.

DUARTE, R. Cinema & educação. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1974.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 2005.

MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005.

MENDONÇA, L. J. L. R. Cinema e indústria: o conceito de modo de produção cinematográfico e o cinema brasileiro. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

NAPOLITANO, M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

SILVA, D. S. da. O uso do cinema da escola: a construção de aprendizagens a partir de filmes. TCC – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2019.

STEINMAYR, R.; SPINATH, B. The importance of motivation as a predictor of school achievement. Learning and Individual Differences, n° 19, p. 80-90, 2009.

TORRES, P. L.; IRALA, E. A. F. Aprendizagem colaborativa: teoria e prática. In: TORRES, P. L. (org.). Complexidade: redes e conexões na produção do conhecimento. Curitiba: Senar, 2014.

ZENTI, L. Aulas que seus alunos vão lembrar por muito tempo: motivação é a chave para ensinar a importância do estudo na vida de cada um de nós. Nova Escola, São Paulo, v. 134, ago. 2000.