O ensino lúdico no desenvolvimento do saber
Thiago Rodrigo Veríssimo de Brito
Mestrando em Ciências da Educação (World Educacional University), guarda civil municipal da prefeitura de Mossoró/RN
Jefferson Castro de Moura
Mestrando em Ciências da Educação (World Educacional University), guarda civil municipal da prefeitura de Mossoró/RN
Ainda hoje, o lúdico nos anos iniciais do Ensino Fundamental é um assunto pouco discutido. O conhecimento sobre as ações lúdicas requer amadurecimento para favorecer um maior aproveitamento do tempo, disponibilizando práticas relacionadas às diversidades culturais. Elas trarão, ao educando, uma aprendizagem global e prazerosa, a fim de despertar a capacidade de se tornar um cidadão crítico e reflexivo.
A ludicidade é a presença da brincadeira e dos jogos, ou seja, das regras, dos limites, mas também do prazer. Ela está presente na vida da criança desde seus primeiros passos. Na vida escolar, não é diferente, pois lá é o lugar onde ocorrem os maiores progressos. Na escola, a criança se torna a protagonista na construção da sua aprendizagem para, a partir dela, recriar e transformar o que aprendeu em algo prazeroso, contribuindo para a sua própria autonomia e cognição.
Inserido no processo lúdico, o cidadão entende a ação e tem a curiosidade estimulada, pois ele é fonte de lazer e fonte de saber, levando o sujeito a experimentar o primordial da atividade educativa. O brincar se faz presente no cotidiano das pessoas, independentemente da classe social, da raça, dos gêneros e da cultura. Isso mostra a sua importância para o desenvolvimento humano.
Para este trabalho, trazemos os fundamentos de Piaget (1978), Almeida (1994), Kishimoto (1994) e Rodrigues (2005), que enfatizam a importância da ludicidade e das suas contribuições para a vida da criança e seu desenvolvimento cognitivo.
Afinal, o que é lúdico?
A palavra lúdico vem do latim “ludus”, que significa jogo, brincadeira e diversão. Com o aprimoramento das práticas de ensino, o lúdico ganhou espaço na sala de aula, como subsídio à relação professor, aluno e escola, ajudando a construir um ambiente facilitador e estimulador para as práticas pedagógicas de ensino-aprendizagem, possibilitando o encantamento e a participação dos sujeitos nas atividades propostas. Roloff (2007) afirma que
o lúdico pode trazer à aula um momento de felicidade, seja qual for a etapa de nossas vidas, acrescentando leveza à rotina escolar e fazendo com que o aluno registre melhor os ensinamentos que lhe chegam, de forma mais significativo.
Introduzir as práticas lúdicas no cotidiano escolar é transpassar a essência da criança para a vivência real, fazendo-a pensar sobre como ver o mundo, construindo pontes, por meio do ser e do saber, que resultarão em práticas educacionais mais humanizadas, formando um bom ambiente para a construção do conhecimento. Segundo Almeida (1994), Jean Jacques Rousseau mostrou que a criança tem maneiras próprias de ver, de pensar e de sentir. Ele demonstrou que não se aprende nada, se não por meio de uma conquista ativa. “Não deis ao vosso aluno nenhuma espécie de lição verbal: só da experiência ele deve receber” (Almeida,1994). E complementa:
A verdadeira educação é aquela que cria na criança o melhor comportamento para satisfazer suas múltiplas necessidades orgânicas e intelectuais – necessidades de saber, de explorar, de observar, de trabalhar, de jogar, de viver, a educação não tem outro caminho senão organizar seus conhecimentos, partindo das necessidades e interesses da criança.
Assim, entendemos a importância do lúdico como um meio para o desenvolvimento do saber, indicando caminhos para a concretização de práticas educativas instigantes e encantadoras, pautadas no fascínio do brincar e do aprender da criança. Segundo Piaget (1998, p. 62), “o brinquedo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e moral”. Brincando, os alunos são instigados a usar a inteligência, pois se esforçam para acertar e para jogar bem, superando os obstáculos que possam existir, sejam eles emocionais ou cognitivos.
De acordo com os estudos de Piaget, o desenvolvimento humano acontece por meio da interação com o meio, obedecendo a um amadurecimento biológico. Desse modo, a construção do conhecimento acontece a partir de atitudes físicas e mentais sobre algo, provocando a instabilidade, que resultará na assimilação ou na acomodação destas atitudes.
A maturação é um aspecto intrínseco ao indivíduo e desempenha papel importante em seu desenvolvimento cognitivo, uma vez que este se constitui a partir das ocorridas nos esquemas com os quais a criança nasce. Tais esquemas são estruturas, inicialmente de natureza reflexa, que se adaptam e se modificam com o desenvolvimento mental. Ao nascer, a criança possui poucos esquemas. Com o seu desenvolvimento, os esquemas se transformam, tornam-se mais diferentes, mais numerosos (Farias, 1995).
Nesse sentido, o meio se torna um facilitador do desenvolvimento cognitivo, por meio do objeto. Já a ludicidade pode ser retratada por intermédio de jogos ou dinâmicas que revelam conteúdos pedagógicos, como também, as trocas de vivências que cada criança produz no decorrer do processo, concebendo aprendizagens fecundas e divertidas. Corroborando Kishimoto (2000), a criança toma por base menos as características físicas dos objetos e mais as particularidades das atitudes que foram executadas sobre eles. Podemos citar, como exemplo, o brincar com blocos, quando separamos os pequenos blocos dos grandes. Mas, após selecioná-los, os contamos e, então, descobrimos a quantidade total deles. É brincando que se fazem descobertas, excedendo o saber do objeto utilizado e descobrindo o que existe para além dele ou do seu entorno.
Dessa maneira, a criança interfere sobre o objeto de modo indireto, pois o resultado consiste nas suas necessidades, visto que essa inter-relação faz parte do lúdico e instiga o processo de adaptação, na formação do pensamento da criança. Piaget (1972) afirma:
Conhecer significa estruturar, explicar o real a partir das experiências vividas. E modificar, transformar o objeto, é compreender o mecanismo de sua transformação e, consequentemente, o caminho pelo qual o objeto é construído.
Assim, compreendemos a importância da ludicidade para a autonomia da criança, proporcionando situações de aprendizagens, onde se estimule a curiosidade, como fonte de lazer e, ao mesmo tempo, de saber, visto existirem muitos motivos para que se explore a criatividade infantil, na tentativa de melhorar o cognitivo do sujeito envolvido no processo de ensino-aprendizagem.
Logo, entendemos que o lúdico não se refere somente às práticas aplicadas na execução de uma metodologia, obedecendo à singularidade do indivíduo, mas também se refere aos aprendizados cognitivos que pode desenvolver, criando situações que promovam a sua autonomia, assim como outros conhecimentos significativos.
Por que é necessária a prática da ludicidade em sala de aula?
Vivenciar o brincar faz parte da interação escolar, principalmente na fomentação de atitudes e reflexões mais humanizadas. Ao desenvolver o lúdico em sala de aula, assumimos um papel significativo no desenvolvimento do indivíduo, como um todo, inclusive como ser social. Segundo Rubem Alves (1987), “o lúdico privilegia a criatividade e a imaginação, por sua própria ligação com os fundamentos do prazer. Não comporta regras preestabelecidas, nem velhos caminhos já trilhados, abre novos caminhos, vislumbrando outros possíveis”.
Piaget (1978), em seu estudo sobre a formação do símbolo na criança, caracteriza três tipos de jogos que facilitam a aquisição de novos conhecimentos pela criança.
O primeiro tipo traz os jogos de exercícios, por meio dos quais há repetições sequenciadas, identificadas em ações motoras. Com eles, os alunos ampliam seus movimentos e melhoram suas percepções dinâmicas, contribuindo para o desenvolvimento do cognitivo e propiciando um fluxo de ligação entre as atividades abordadas na prática do cotidiano. De acordo com Almeida e Shigunov (2000), “o brincar é característica essencial para o ser humano, pois exige concentração durante certo tempo e varia de acordo com a faixa etária e o desenvolvimento que o adulto e/ou criança se encontra”.
O segundo tipo é o jogo simbólico, que pode ser denominado como jogo do “faz de conta”, respeitando a subjetividade de cada criança. Ao iniciar uma atividade, com o uso dos símbolos, os sujeitos estão envolvidos uns com os outros, colaborando no processo de socialização, com uma visão própria de mundo, exposta de acordo com os símbolos trabalhados. A utilização dos símbolos desenvolve uma linguagem universal na qual todos se encontram propícios a conhecer e a utilizar uma linguagem que os possibilita ver, sentir e reagir do seu próprio modo. Nesse sentido, Kishimoto (2000) diz que “qualquer jogo, desde que respeite a natureza do ato lúdico, apresenta caráter educativo e pode receber também a denominação geral de jogo educativo”.
O terceiro e último tipo aborda a aplicação das regras em forma de jogos, quando o brincar passa a ser um momento de aprendizagem direcionado a situações cotidianas. As crianças vivenciam e aprendem o que está sendo proposto na prática, buscando novas situações e criando possibilidades para melhorar o seu empenho, com isso o uso dessas regras permite a formação de seres mais reflexivos, situando o sujeito na aplicação de cada uma delas. Isso faz com que todos se sintam envolvidos no processo de desenvolvimento do conhecimento, por meio do lúdico, no ambiente escolar.
Os ensinamentos de Piaget nos orientam no que diz respeito ao processo de aprendizagem dos alunos, com os jogos como instrumentos de representatividade do lúdico, utilizados para colaborar no aprendizado. Piaget (1978, p. 160), sobre a importância dos jogos no uso da prática escolar, afirma que
o jogo é, portanto, sob as suas duas formas essenciais de exercício sensório motor e de simbolismo, uma assimilação da real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem todos que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil.
Piccolo (1993) destaca, então, que é “através de atividades que, além de proporcionarem prazer na execução, promovam o crescimento evolutivo do educando” que a prática escolar vai encontrar um caminho coerente com o seu compromisso educacional. “O ensino torna-se mais humanista quando se respeita o aluno em sua individualidade pessoal” (PiccoIo, 1993). Respeitar a individualidade do sujeito no processo de aprendizagem, entrelaçado ao lúdico, é essencial para a sua materialização.
Seguindo essa linha de pensamento, outra possibilidade que poderia ser uma forma de promover a ludicidade nos anos iniciais, seria por meio da contação de histórias. Esta é uma prática importante, que constrói, além de conhecimentos, valores. Sua atuação é fundamental na formação do sujeito integral. As histórias representam um modo de a humanidade manifestar as suas experiências, o que, nas narrativas realistas, não acontece. A contação de histórias, além de relacionar-se ao campo da educação e à área das humanidades, é uma atividade reflexiva. Por intermédio dela, são repassados costumes e tradições capazes de incentivar a formação do cidadão. Contar histórias é saber idealizar um ambiente de fascinação, suspense, admiração e comoção, no qual o mistério e as personagens ganham vitalidade, modificando tanto o narrador, em seu enredo contado, como o leitor/ouvinte.
A prática de contação de histórias deve ser inspirada em todos os sentidos até o engrandecimento da leitura do mundo na vida de cada ser. Utilizar essa metodologia estimula não somente a imaginação, mas também o repertório infantil literário, assim como desenvolve o vocabulário, a criatividade, a fala, expandindo a cultura. Desse modo, a relação entre o imaginário da criança e o mundo real, resulta na formação da personalidade do sujeito e de seus valores.
É indispensável, portanto, que o jogo e a contação de histórias, ou seja, o lúdico, estejam presentes em sala de aula, como situações pedagógicas, a fim de conquistarem espaços reais para aprendizagens efetiva, de modo que garantam, ao aluno, o fortalecimento das suas experiências pessoais e sociais, ajudando-o em novas descobertas, desenvolvendo e enriquecendo a sua originalidade, como um instrumento pedagógico que leve o professor à função de mediador da aprendizagem.
Dessa forma, brincar significa retirar da vida nenhuma outra finalidade que não seja ela mesma, por isso a ludicidade é o melhor caminho de iniciação para este entrelace do aprendizado do conteúdo, de forma prazerosa, à descoberta da individualidade.
Metodologia
Para o desenvolvimento deste trabalho, optamos pela pesquisa bibliográfica em artigos, livros, revistas e na internet. Sentimos o peso do chão da escola para compreender como é importante e necessário o uso da ludicidade na aprendizagem global dos alunos. Foram feitas entrevistas e distribuídos questionários entre a equipe escolar para entender como acontecem as práticas pedagógicas no cotidiano.
Os ensinamentos de Piaget foram de extrema importância para entender como acontece o processo de ensino-aprendizagem das crianças, com o auxílio do jogo como instrumento representativo do lúdico.
A utilização dos jogos e das brincadeiras são formas de ampliar a ludicidade, desde as primeiras séries escolares, possibilitando momentos que acrescentem à construção dos saberes o despertar do prazer em aprender e em criar. Entendemos, assim, como é importante, dentro desse processo, que o docente esteja engajado e aberto em conhecer novas práticas pedagógicas.
Considerações finais
Diante dos estudos realizados, compreendemos o quanto a ludicidade é significativa para os alunos, a fim de que sejam os construtores dos seus próprios conhecimentos, capazes de realizarem sua cidadania com competência.
A partir do conhecimento dos profissionais da Educação sobre o lúdico e sua aplicação efetiva em sala de aula, chegaremos a uma educação de qualidade, que consiga ir ao encontro das necessidades das crianças. Quanto mais espaços lúdicos forem oferecidos, mais alegria, espontaneidade, leveza e criatividade os educandos terão em relação ao estudo.
Para tanto, o professor precisa atuar como um mediador, promovendo e descobrindo, dia a dia e junto ao seu aluno, como a ludicidade facilita as interações de aprendizagem. Utilizando-se dessa ferramenta, o professor resgatará seus alunos ao prazer de aprender e entenderá o quanto esses vários estímulos podem ajudá-los a crescer como sujeitos.
O presente estudo elenca e aponta a ludicidade como instrumento significativo no processo de ensinar a aprender, de cada indivíduo, visto que o lúdico é o enlace entre a realidade e o imaginário.
Referências
ALMEIDA, Ana C. P. C. de; SHIGUNOV, Viktor. A atividade lúdica infantil e suas possibilidades. Revista da Educação Física, Maringá, v. 11, n° 1, 2000.
ALMEIDA, Paulo Nunes. Educação Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola, 1994.
ALVES, Rubem. A gestação do futuro. Campinas: Papirus, 1987.
FARIAS, Anália Rodrigues de. O desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1995.
KISHIMOTO, Tizuco M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2000.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
______. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
PICCOLO, Vilma L. Nista (org.). Educação Física: ser ... ou não ter? São Paulo: Ed. Unicamp, 1993.
RODRIGUES, Edvânia Braz Teixeira. Cultura, arte e contação de histórias. Goiânia: Gwaya, 2005.
ROLOFF, Eleana Margarete. A importância do lúdico em sala de aula. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Publicado em 14 de março de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
BRITO, Thiago Rodrigo Veríssimo de; MOURA, Jefferson Castro de. O ensino lúdico no desenvolvimento do saber. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 9, 14 de março de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/9/o-ensino-ludico-no-desenvolvimento-do-saber
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
1 Comentário sobre este artigo
Deixe seu comentárioParabéns aos Autores desse Artigo intitulado "O ensino lúdico no desenvolvimento do saber". Nos tempos presente, o saber não se perfaz apenas com conteúdo programático, é preciso uma pitadinha de práticas criativas, como por exemplo, lúdicas, as quais venham subsidiar o conhecimento da teoria e prática. Assim, acreditamos que é brincando que se aprende, e para aprender melhor é necessário que se viva o prazer de aprender.
Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.