Educação Ambiental e o projeto político-pedagógico na rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul

Marcos Vinicius Campelo Junior

Geógrafo e pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (UEMS)

Douglas Henrique Melo Alencar

Biólogo, mestrando do Programa em Ensino de Ciências (UFMS), professor da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul

Vera de Mattos Machado

Bióloga, professora do Programa em Ensino de Ciências (UFMS)

A Educação Ambiental (EA) nos espaços de ensino vem sendo um desafio para os professores, haja vista a necessidade de compreender e trabalhar as questões socioambientais nos espaços de aprendizagem. Diante disso, os documentos oficiais que tratam dessa proposta educativa, como a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (DCNEA), dentre outros, reforçam a importância de a EA ser desenvolvida de forma permanente e contínua para que haja possibilidades concretas de mudanças de paradigmas, atitudes e pensamentos (Silva; Santos, 2022).

Dessa forma, a EA, em uma perspectiva educativa, pode e deve estar presente em todos os componentes curriculares escolares, principalmente quando se discutem temas que permitem explorar e problematizar as relações entre sociedade e natureza. Na escola, a EA presume uma modificação de concepção de educação para que haja transformação escolar, em que se rompam barreiras de conhecimento e a busca do diálogo entre todas elas, a fim de encontrar alternativas para os problemas socioambientais (Reigota, 2012).

Nesse sentido, a EA deve ser pensada com o envolvimento de todos no ambiente escolar, com um viés social, político, cultural e econômico que problematiza e busca o diálogo entre os discursos, por se tratar de um lugar de cultura plural.

Sendo assim, há emergência de ações pedagógicas voltadas para a EA que propiciem o compartilhamento e a reflexão sobre saberes e conhecimentos, com o sentido que rompa com o ensino tradicional, descontextualizado e depositário, tornando a criticidade presente no ambiente escolar. Por essa razão, foi verificada a necessidade de uma ação investigativa voltada para identificar quais escolas contemplam a EA nos seus documentos curriculares, fomentando as discussões em torno da temática.

Nessa perspectiva, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul (SED/MS), por meio da Resolução SED nº 3.322, de 13 de setembro de 2017, instituiu a oferta da EA nas escolas como tema essencial e permanente na educação formal para todas as etapas e modalidades de ensino, sendo desenvolvida de forma transversal, contínua e interdisciplinar. Além disso, determinou sua inclusão obrigatória nos projetos político-pedagógicos (PPP) das unidades escolares da rede estadual de ensino.

Com base na demanda da educação estadual, a Comissão Interinstitucional de Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul (CIEA/MS) encaminhou como pauta para a 59ª Sessão Ordinária o acompanhamento da EA nas escolas da rede estadual, por meio da análise dos PPP, avaliando consequentemente a implementação da resolução citada.

A CIEA/MS é responsável por promover a discussão, o acompanhamento e a avaliação da Política e do Programa Estadual de Educação Ambiental e se faz importante nesse processo de inserção da EA no âmbito escolar das redes públicas e particulares de MS.

Nesse contexto, o PPP insere-se na escola como documento curricular orientador, que possui caráter de planejamento e direcionamento das ações políticas e pedagógicas que permeiam o contexto escolar. Guedes (2022) destaca que o PPP é um documento coletivo, ancorando seus objetivos e metas na intenção da transformação social. A EA, como área da educação voltada para as políticas que envolvem o relacionamento entre sociedade e o ambiente, deve estar imersa no PPP de forma que se articule com todos os setores da escola, como a equipe pedagógica, gestora, de manutenção e supervisão e possuir uma proposta de desenvolvimento interdisciplinar, contínua e presente em todas as etapas e modalidades do ensino formal.

Instituir a EA nos PPP das escolas de MS é uma forma de garantir a democratização do tema, inserindo-o em diferentes contextos e regiões, tal como frente a diferentes problemáticas sociais e ambientais, levando-a para debates junto à escola e à equipe pedagógica. O Programa Estadual de Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul (ProEEA/MS) insere como uma de suas linhas de ação a formulação e a implementação de políticas ambientais de âmbito local, em que defende a construção de políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental para que se promova a EA em todos os níveis e modalidades de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do ambiente (Mato Grosso do Sul, 2018).

Diante do exposto, este trabalho objetiva analisar e discutir se a Educação Ambiental se faz presente nos projetos político-pedagógicos de duas escolas da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul.

Metodologia

A pesquisa relatada é de natureza qualitativa, por meio de análise documental. A análise documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades e práticas, entre outros (Cellard, 2008).

O Estado de Mato Grosso do Sul (MS), possui 79 municípios e 345 escolas estaduais. Os municípios estão agrupados em onze coordenadorias regionais de Educação (CRE), extensões da SED/MS no interior do estado. Cada CRE é responsável por um grupo de municípios próximos, geralmente aqueles que fazem fronteira com o município sede, os quais coordenam e orientam as ações pedagógicas das escolas da rede.

Partindo dessa divisão por CRE, os representantes da CIEA/MS que atuam na SED/MS foram divididos seguindo o modelo citado e realizaram o levantamento dos PPP das escolas de cada coordenadoria regional.

Após cada membro acessar o PPP pelo portal de sistemas SED/MS, foi realizada uma busca ativa dos termos correlatos à EA que foram selecionados pelos integrantes da CIEA/MS: meio ambiente, Educação Ambiental, sustentável, socioambiental e sustentabilidade, além de suas variantes no plural.

Posteriormente foi realizado o agrupamento dos resultados, destacando as escolas em que não havia qualquer menção aos termos selecionados e contabilizando a frequência dos termos nos PPP de toda a rede estadual de educação.

A primeira medida tomada após o levantamento foi o envio de uma comunicação para todas as escolas da REE/MS, que orientou acerca da importância e obrigatoriedade de os temas de EA estarem presentes nas práticas e documentos orientativos e de planejamento da escola para o ano de 2023. Nessa circular foram inseridos em anexos os links dos documentos oficiais que embasam as ações da EA em nível estadual e federal.

Em seguida, foi dado início às análises e discussões dos dados levantados e, devido ao grande número de documentos das escolas, optou-se por realizar um recorte na pesquisa, sendo selecionadas duas escolas estaduais do município de Campo Grande/MS que possuem um número considerável de termos relativos à EA.

Em seguida à busca pelos termos, os membros da CIEA/MS preencheram uma planilha no Excel para organizar quantitativamente as informações encontradas, conforme a exemplificação a seguir (Quadro 1).

Quadro 1: Modelo ilustrativo da tabela de levantamento quantitativo

Coordenadoria Regional 2 – Metropolitana

Município

Escola

Ano do PPP

Termo

Quantidade total de vezes em que o termo foi encontrado no PPP

Item em que aparece o termo no PPP

Página em que o termo foi encontrado no PPP

********

****

2020

Educação Ambiental

02

Acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem

11

Meio ambiente

02

Diagnóstico

04

Sustentabilidade

02

Acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem

10

Socioambiental

00

-

-

Sustentável(eis)

00

-

-

Os termos encontrados foram selecionados a partir das suas respectivas relações entre seus conceitos e as temáticas da EA. São também os termos que possuem maior frequência nos documentos oficiais estaduais e nacionais que orientam para execução de propostas da EA considerados pertinentes à pesquisa.

Sendo assim, conforme indicado, utilizou-se como metodologia para esta pesquisa a análise documental, de forma crítica, e os PPP como as produções investigadas. O PPP de cada escola foi coletado no Portal de Sistemas da SED/MS referentes à vigência dos anos de 2020-2021 e examinado segundo a análise de conteúdo (AC).

Segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), a AC é uma das diversas formas de interpretação dos significados inseridos em um texto, dando foco à frequência de participação de determinado objeto de estudos e medindo seu peso baseado na atuação do ator dentro de sua pesquisa/material, extraindo seus significados de forma mais compreensível.

Os PPP selecionados nesta pesquisa foram analisados com olhar crítico, com vistas às premissas da EA abordadas nos principais documentos oficiais para o Mato Grosso do Sul e textos científicos; do mesmo modo, realizou-se a aproximação com a tendência crítica da EA, de Layrargues e Lima (2014).

Resultados e discussões

Posteriormente à sistematização do quantitativo de termos relativos à EA e as escolas, realizou-se uma reunião com o grupo de trabalho frente aos resultados obtidos, em que foi consentida a elaboração de uma comunicação interna (CI) para todas as escolas da REE/MS orientando sobre a importância da inserção dos temas de EA nos PPP, tendo como base os documentos oficiais orientadores.

Os referidos documentos são: Deliberação CEE/MS n° 10.814, de 10 de março de 2016; Resolução/SED nº 3.322, de 13 de setembro de 2017; Currículo de Referência de Mato Grosso do Sul do Ensino Fundamental e Educação Infantil; Currículo de Referência de Mato Grosso do Sul do Ensino Médio; Programa Estadual de Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul; Política Estadual de Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul; e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental.

Ressalta-se um recorte da natureza da Resolução SED nº 3.322, de setembro de 2017, que trata da EA e o currículo escolar da rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul:

A Educação Ambiental é tema integrante do currículo, essencial e permanente, e deve estar presente de forma articulada aos conhecimentos adquiridos pelos estudantes em todas as etapas e demais modalidades de ensino, e inserida no projeto político-pedagógico (Mato Grosso do Sul, 2017).

Com a busca ativa dos termos que se referem à EA nos PPP de escolas da REE/MS, constatou-se que, das 342 escolas estaduais, 41 não possuem menção aos termos selecionados. Contrariando a perspectiva apresentada no ProEEA/MS, de que a escola deve ser

espaço que deve incentivar o estudante a pensar e a agir rumo à sustentabilidade, auxiliando na compreensão dos princípios básicos referentes à Educação Ambiental presentes nos documentos oficiais nacionais e internacionais. Dessa maneira, a grande tarefa da escola é proporcionar um ambiente escolar saudável e coerente com aquilo que pretende que seus estudantes aprendam, para que possa, de fato, contribuir para a formação da identidade como cidadãos conscientes de suas responsabilidades com o meio ambiente e capazes de atitudes de proteção e melhoria em relação a ele (Mato Grosso do Sul, 2018, p. 16).

Diante disso, faz-se necessário o assessoramento técnico-pedagógico com orientações às escolas da REE/MS e para a formações continuadas de professores e gestores, a fim de orientá-los quanto às políticas estaduais e nacionais de EA para o ensino formal. O Conselho Nacional de Educação (CNE) dispõe, por meio da Resolução nº 1, de 27 de outubro de 2020, as DCN para Formação Continuada de Professores da Educação Básica, onde insere a Educação Socioambiental como a sétima competência geral docente, com o objetivo de:

Desenvolver argumentos com base em fatos, dados e informações científicas para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental, o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta (Brasil, 2020, p. 8).

Dessa maneira, a EA como tema contemporâneo e transversal presente no Referencial Curricular da REE/MS deve oferecer às escolas a oportunidade de reflexão e desenvolvimento com potencial de transformação socioambiental da comunidade onde estão inseridas. Loureiro (2004) insere o conceito de EA transformadora como um processo que deve ser permanente, articulado com o cotidiano e desenvolvido coletivamente, considerando o ser de forma integral e todos os aspectos de nossa espécie.

A EA está inserida em todas as esferas da sociedade, entre os sujeitos, nos espaços sociais e políticos, fazendo com que ela seja discutida em vários aspectos e por vários setores da sociedade. Como escreve Paulo Freire (1969), é por meio das práxis que se fortalecem os laços, e, se a EA está em todas as partes da sociedade, principalmente entre os movimentos sociais, é por meio dela que se pode transformar pensamentos e realizações de ações voltadas para as questões ambientais e sociais.

Portanto, a EA transformadora desenvolvida por Loureiro (2004; 2016) opõe-se à fragmentação do conhecimento por áreas e “matérias” curriculares; assim, ancora-se em pressupostos freirianos, citando a dialética e tendo como entendimento dos humanos como “seres inacabados”.

Com base nessa situação, tem-se a importância da reflexão para uma transformação socioambiental, sobretudo nas instituições escolares da Educação Básica, haja vista a argumentação de Leff (2009), de que o saber social emerge de um diálogo de saberes, do encontro de seres diferenciados pela diversidade cultural, orientando o conhecimento para a formação de uma sustentabilidade partilhada.

Análise dos PPP das escolas

Conforme já explicitado, a seleção das escolas foi realizada com base nos dados do levantamento quantitativo, levando em consideração as duas instituições que tinham maior frequência de termos relativos à EA, a fim de enriquecer as discussões no presente artigo. As escolas selecionadas foram: Escola Estadual Padre José Scampini e Escola Estadual Profª. Célia Maria Naglis.

Salienta-se que os PPP de ambas as escolas foram analisados com base em fundamentos científicos e legislativos, e em nenhuma hipótese foram comparados entre si, a fim de não ferir suas diferentes aptidões e respeitando principalmente o contexto escolar onde foram planejados.

Para Mardini Sobrinho, Nonnenmacher e Peixoto (2021), o PPP é um instrumento vivo e ativo, construído sob o ponto de vista dos sujeitos integrantes e participantes de comunidades escolares; todos podem e devem cooperar na formulação, execução e restauração do documento da instituição de ensino com a qual possui relação.

Iniciando a discussão a partir do PPP da Escola Scampini, nota-se a ausência da menção direta à “Educação Ambiental”; porém, são inseridos em seus tópicos termos como: socioambiental e meio ambiente. O termo “socioambiental” encontra-se uma vez na apresentação do PPP e duas vezes na proposta de trabalho para medidas de melhoria da organização da escola e do desempenho:

Diante da realidade atual que nos cerca, percebemos as mudanças acontecendo de formas variadas e rápidas. Desde os avanços tecnológicos e demográficos, passando pela transformação socioambiental, associados à chamada revolução tecnológica, que influenciam de forma direta as nossas relações e nosso cotidiano (Mato Grosso do Sul, 2020a, p. 2).

Sintetizando, nesse item a escola identifica em seu cotidiano, sem apontar uma esfera específica, mudanças que levam à transformação socioambiental, associando-a diretamente à revolução tecnológica e sem menção a outras complexidades gerais. Seguindo a busca, o próximo tópico é a proposta de trabalho, onde a escola insere o seguinte alento:

7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

Complementa posteriormente dentro da perspectiva Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA). Essa perspectiva, segundo o próprio PPP, é definida como aquela que “reconhece a necessária articulação dos conhecimentos científicos e tecnológicos com o contexto social e o meio ambiente. Ela visa preparar cidadãos capacitados para julgar e avaliar as possibilidades, limitações e implicações do desenvolvimento científico e tecnológico” (Mato Grosso do Sul, 2020a, p. 7). Nota-se que a escola utiliza pressupostos que corroboram a Pedagogia da Autonomia, de Freire (2019), de que a percepção humana é capaz de comparar, analisar, avaliar e decidir e ainda faz entender a prática educativa como um exercício constante em favor da autonomia de professores e estudantes.

Sendo assim, o PPP goza das ideias de outro ator, que apresenta a necessidade de essas questões socioambientais serem trabalhadas de forma interdisciplinar:

No que se refere aos aspectos pedagógicos para uma abordagem CTSA no ensino, os conteúdos das disciplinas devem, sempre que possível, serem trabalhados de forma interdisciplinar, incluindo temas socioambientais, sendo esta uma questão central (Santos; Schnetzler, 1997 apud Mato Grosso do Sul, 2020a, p. 7).

Dessa forma, os problemas científicos abordados nas aulas estão associados às necessidades sociais e aos processos tecnológicos. Um dos documentos regulamentadores no Estado de Mato Grosso do Sul que se referem diretamente à EA e aos PPP em seu texto é a Resolução SED nº 3.322, de 13 de setembro de 2017, que institui a obrigatoriedade da inserção da temática nos projetos; em seu Art. 6º, ampara a opinião do autor citado no PPP, apontando que a EA requer a interdisciplinaridade de todas as áreas do conhecimento e a articulação entre os diferentes componentes curriculares (Mato Grosso do Sul, 2017).

Ao buscar compreender melhor a abordagem, na tentativa de aproximar a EA apresentada no PPP da Escola Scampini a uma vertente da EA existente em literaturas, ressalta-se um trecho exposto no documento em que trata dos aspectos metodológicos das temáticas com enfoque em técnicas expositivas e sem problematizações: com relação às questões metodológicas, uma abordagem CTSA sugere a utilização de várias estratégias de ensino, como: palestras com especialistas, visitação a fábricas, resolução de problemas abertos, sessões de questionamentos, debates e experimentos em laboratório (Santos; Schnetzler, 1997).

A Resolução SED nº 3.322/17, em seu Art. 6º, inciso 6º, traz o dever às escolas no aprofundamento do pensamento crítico-reflexivo a partir das questões socioambientais inseridas na EA. Conforme Loureiro (2016) aponta em seu livro, a vertente da EA crítica possui como desafio o desenvolvimento de métodos que englobam a participação ativa do estudante, o uso da inter e da transdisciplinaridade, a contextualização, as articulações locais e globais, a continuidade e a permanência em suas atividades, a avaliação crítica e a contraposição do sujeito neutro.

Partindo dos pressupostos das macrotendências da EA de Layrargues e Lima (2014), aponta-se a EA exposta no PPP da Escola Scampini como sendo da esfera pragmática, que, segundo os autores, preocupa-se com a resolução imediata de problemas, atividades pontuais sem problematizações profundas, sem propostas em ambientes naturais e sem envolver outras esferas (econômicas e políticas).

A Escola Estadual Profª. Célia Maria Naglis destinou um tópico específico para expor seus posicionamentos sobre os temas contemporâneos do currículo, fazendo desse espaço um recorte resumido das orientações previstas no Referencial Curricular do Estado. No tópico da EA, nota-se a presença dos principais documentos oficiais em nível estadual e federal e se afirma o desenvolvimento de atividades interdisciplinares e transdisciplinares, assim como previsto no Currículo do Estado, Resolução SED nº 3.322/17, no Programa Estadual de Educação Ambiental e na Política Nacional de Educação Ambiental.

A escola aponta inicialmente que os temas contemporâneos são desenvolvidos tanto na base diversificada (BD) como na base comum (BC) do currículo. No que diz respeito à BC, a Escola Naglis apresenta um cronograma anual (Quadro 2) e dois planos de trabalhos (Quadros 3 e 4) nos anos iniciais para o desenvolvimento da EA na BD e BC, durante o ano letivo.

Quadro 2: Representação do cronograma de ação dos temas contemporâneos em todas as etapas

Tema

Etapa

Componentes envolvidos

- O estudo da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena

- Cultura sul-mato-grossense e diversidade cultural

- Educação Ambiental

4o bimestre

História

Geografia

Artes

Ciências

 Fonte: Mato Grosso do Sul, 2020b.

Quadro 3: Representação do Plano de Ação Pedagógica da Escola  Naglis no 3º ano do Ensino Fundamental

Série

Tema

Componente curricular

Objetivo

3o Ano

Reciclar brincando: construir jogos e brinquedos com material reciclado

Educação Física

Estudo Orientado

Eletivas I e II

Desenvolver o hábito de reciclar para preservar o meio ambiente

Fonte: Mato Grosso do Sul, 2020b.

Quadro 4: Representação do plano de ação pedagógica da Escola  Naglis no 5º ano do Ensino Fundamental

Série

Tema

Componente curricular

Objetivo

5o Ano

Reciclar brincando: construir jogos e brinquedos com material reciclado.

Educação Física

Estudo Orientado

Eletivas I e II

Desenvolver o hábito de reciclar para preservar o meio ambiente

Fonte: Mato Grosso do Sul, 2020b.

A mobilização integral da escola em prol de projetos/temas de EA, entre outros, é de extrema importância para a formação dos seus educandos, visto que eles serão capazes de refletir sobre o tema em múltiplas facetas, fazendo com que enxerguem a temática em todas suas dimensões, correlacionado e articulando os saberes construídos mais adequadamente ao próprio cotidiano. O Programa Estadual de Educação Ambiental tem como terceiro princípio “o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade e do diálogo de saberes da comunidade local” (Mato Grosso do Sul, 2018, p. 20).

Valverde (2021, p. 22) destaca um ponto importante da inserção de EA crítica nas ações pedagógicas dos docentes: que ela deve ultrapassar o simplismo de ações rápidas e descontextualizadas alusivas às datas comemorativas, utilizando assim a interdisciplinaridade e suas complexidades para avançar em relação a esses estereótipos construídos ao longo do tempo, que continuam a se perpetuar no ambiente escolar.

Sendo assim, com base no exposto sobre o PPP da Escola Naglis, que expõe a inserção da EA em grande parte dos componentes curriculares de forma inter e transdisciplinar, sejam da BC ou BD, pode-se afirmar que a escola possui tendências pedagógicas com viés crítico em seus trabalhos. Mas, ainda assim, apresenta pressupostos de uma EA pragmática; logo, sugere-se que sejam realizadas revisões acerca das abordagens dos temas presentes no plano de ação, com vistas à ultrapassagem de temáticas focadas somente na gestão dos resíduos sólidos, despertando discussões acerca das esferas sociais, econômicas e políticas envolvidas no processo, se o objetivo da escola for alcançar uma Educação Ambiental crítica.

Conclusão

A partir dos resultados desta investigação, constatou-se que alguns termos relacionados à EA foram citados com mais frequência. Logo, notou-se que a grande maioria das escolas possui, de forma incipiente, conhecimento da necessidade e da importância da presença da temática ambiental nos documentos curriculares orientadores das atividades pedagógicas.

Dada a avaliação qualitativa crítica dos PPP, mesmo que de um pequeno recorte da REE/MS, conclui-se que, das raras escolas que possuem os termos correlatos à Educação Ambiental, poucas apresentam propostas profundas e críticas acerca da temática. E, ainda assim, com a gama de documentos orientadores disponíveis, os projetos permanecem tratando a Educação Ambiental como um interposto burocrático a ser cumprido, inserindo-a de forma incipiente nas atividades escolares, isolando suas práticas nos componentes curriculares de Ciências e/ou Geografia.

Conclui-se ainda que ambas as escolas analisadas se ancoram em uma perspectiva não crítica e conservadora da EA, sem intervenções e conflitos que estimulem os estudantes a questionamentos e reconstruções significativas de saberes sobre suas relações com o ambiente em seu entorno.

O presente estudo não objetivou equiparar ou apresentar vantagens entre Educação Ambiental de uma ou outra instituição, tampouco apresentar um modelo ideal e/ou padrão dessa temática para as referidas escolas, visto que cada instituição de ensino é um reflexo da sociedade onde está inserida e possui, assim, autonomia para direcionar suas respectivas atividades da forma mais coesa possível, priorizando a qualidade do ensino ofertado.

Destarte, cabe aos órgãos gestores promover formações continuadas aprofundadas aos professores e políticas públicas que democratizem o acesso acerca das possibilidades dentro da temática da Educação Ambiental que apontem as múltiplas esferas e possibilidades a serem exploradas dentro do tema contemporâneo, seja por meio de projetos, ações ou intervenções coletivas. E que, dessa forma, ampliam-se os horizontes de atuação das escolas em busca de caminhos profundos e reflexivos, a fim de superar os obstáculos impostos pelo sistema econômico de mercado cada vez mais insustentável.

Referências

BRASIL. Resolução CNE/CP no 1, de 27 de outubro de 2020. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica. Brasília: MEC, 2020.

CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 45ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 44ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

GUEDES, N. C. A importância do projeto político-pedagógico no processo de democratização da escola. Ensino em Perspectiva, v. 2, nº 2, p. 1-15, 2021. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/article/view/4815. Acesso em: 15 jul. 2022.

LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. C. As macrotendências político-pedagógicas da Educação Ambiental brasileira. Ambiente & Sociedade, v. 17, p. 23-40, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/asoc/a/8FP6nynhjdZ4hYdqVFdYRtx/?f. Acesso em: 10 dez. 2022.

LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação & Realidade, v. 34, nº 3, p. 17-24, 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/9515. Acesso em: 15 set. 2022.

LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental transformadora. Identidades da Educação Ambiental brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 65-84.

LOUREIRO, C. F. et al. Educação Ambiental: dialogando com Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2016.

MARDINI SOBRINHO, J.; NONNENMACHER, P.; PEIXOTO, J. F. Projeto político-pedagógico da escola pública brasileira: possibilidades abertas ou fechadas? Revista Educação Pública, v. 21, nº 2, 19 de janeiro de 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/2/projeto-politico-pedagogico-da-escola-publica-brasileira-um-leque-de-possibilidades-abertas-ou-fechadas. Acesso em: 30 jul. 2022.

MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia. Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. Programa Estadual de Educação Ambiental (ProEEA). Campo Grande, 2018.

MATO GROSSO DO SUL. Projeto político-pedagógico da Escola Estadual Padre José Scampini. Campo Grande, 2020a.

MATO GROSSO DO SUL. Projeto político-pedagógico da Escola Estadual Profª. Célia Maria Naglis. Campo Grande, 2020b.

MATO GROSSO DO SUL. Resolução SED nº 3.322, de 17 de setembro de 2017. Dispõe sobre a Educação Ambiental na rede estadual de ensino. Campo Grande, 2017.

REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental? 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012.

SÁ-SILVA, J. R.; ALMEIDA, C. D.; GUINDANI, J. F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 1, nº 1, p. 1-15, 2009. Disponível em: https://periodicos.furg.br/rbhcs/article/view/10351. Acesso em: 01 ago. 2022.

SANTOS, W. L.; SCHNETZLER, R. Educação Química: compromisso com a cidadania. Ijuí: Editora Unijuí, 1997.

SILVA, A. F. S; SANTOS, T. M. Educação Ambiental no processo formativo de professores: nunca vi, nem vivi, eu só ouço falar. Revista Ambiente & Educação, v. 27, nº 1, ago. 2022. Disponível em: https://periodicos.furg.br/ambeduc/article/view/13561/9734. Acesso em: 10 ago. 2022.

VALVERDE, L. H. O. Educação Ambiental crítica: utopia ou desafio? Experiências em formação continuada de professores na Educação de Jovens e Adultos na atualidade. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2021.

Publicado em 03 de setembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

CAMPELO JUNIOR, Marcos Vinicius; ALENCAR, Douglas Henrique Melo; MACHADO, Vera de Mattos. Educação Ambiental e o projeto político-pedagógico na rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 32, 3 de setembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/32/educacao-ambiental-e-o-projeto-politico-pedagogico-na-rede-estadual-de-ensino-de-mato-grosso-do-sul

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.