O ensino da Educação Ambiental nos livros didáticos dos 6º e 7º anos de Teixeira de Freitas/BA: uma análise comparativa com os pressupostos da BNCC

Daniel Reis Araújo

Graduado em Ciências Biológicas (UNEB), mestrando em Ciências e Sustentabilidade (UFSB), professor de Ciências na rede pública de Teixeira de Freitas/BA

Yolanda Aparecida de Castro Almeida

Doutora em Geografia (PUC-Minas), professora adjunta da UNEB

É comum comparar as transformações da Educação brasileira a partir de leis que demarcam as mudanças. Com isso, não se desmerecem as circunstâncias que precederam uma nova lei, pois ela faz parte de um processo. Todavia, considerando a proposta deste artigo, torna-se necessária uma pequena contextualização a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), sancionada pelo Governo Federal em 20 de dezembro de 1996.

Naquele momento, em seu Art. 26 (Brasil, 1996), mesmo que modificado mais tarde (Brasil, 2013), a LDB regulamentava que os currículos da Educação Básica deveriam ter uma base nacional comum a todos os estudantes. Nesse cenário, foram publicados em 1997 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que apresentavam como objetivo organizar a elaboração dos currículos das escolas brasileiras no ensino público e no privado.

As metas propostas nos PCN concretizavam a intencionalidade educativa no que se refere às competências que os alunos deveriam ter durante a Educação Básica. Nesse sentido, é observado que os parâmetros apresentados objetivavam desenvolver as mais diversas capacidades nos estudantes: cognitiva, física, afetiva, de relação interpessoal e inserção social, ética e estética, visando a educação integral.

Várias mudanças ocorreram no país e no mundo. Visando acompanhar essas transformações, novos currículos iam sendo propostos desde que foram inseridos os PCN. Quase vinte anos após a divulgação desse documento, o governo federal apresentou à sociedade brasileira um novo parâmetro, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um documento padronizado que define conjuntos de aprendizado básico orgânico e gradual objetivando o desenvolvimento dos estudantes ao longo da Educação Básica, para que possam garantir seus direitos de aprendizado e desenvolvimento, de acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE).

Alicerçando a BNCC, são apresentadas, logo nas primeiras páginas do documento, dez competências gerais a serem alcançadas ao longo da Educação Básica. Percebe-se nelas a preocupação de uma formação integral para o estudante. Dentre elas, a sétima em particular apresenta grande preocupação com a questão socioambiental, de tal forma que se espera do aluno, ao final da Educação Básica, a capacidade de argumentar com dados e fatos acerca dessas questões.

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta (Brasil, 2018, p. 9).

Ademais, se observa na página 19 da BNCC (Brasil, 2018) a presença de uma orientação às escolas para que suas propostas pedagógicas apresentem abordagem com foco em temas contemporâneos, no intuito de promover significados não somente no âmbito escolar, mas também em toda a escala de sua vida; dentre esses temas se encontra a Educação Ambiental (EA), inserida a partir da Lei nº 9.795/99. Embora não seja o propósito deste artigo uma análise de todo o currículo escolar, percebe-se, mesmo que em uma leitura superficial, a dimensão dada pela BNCC às questões ambientais em outras áreas, como de Linguagens e Códigos e Ciências Humanas.

A partir disso, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) se incube de aprovar, dentro de análise criteriosa, os novos livros didáticos. Embora não se questione o empenho do programa e se reconheça sua necessidade para que os livros didáticos obedeçam ao critério de acompanhar o currículo apresentado pela BNCC, acredita-se ser necessária a percepção do professor para essa verificação. Nesse sentido, pergunta-se de que forma é possível perceber esse ensino e se ele pode se tornar perceptível para os alunos das séries finais da Educação Básica.

Foi proposto compreender em que medida os livros didáticos de Ciências Naturais adotados para os estudantes dos 6º e 7º anos pela rede municipal escolar de Teixeira de Freitas respondem à proposta da BNCC. Visando abarcar esse propósito, três objetivos secundários guiaram este artigo: inicialmente, buscou-se identificar na BNCC os objetivos propostos para os 6º e 7º anos, considerando a EA no contexto das Ciências Naturais. A partir daí, analisou-se a presença desses objetivos nos conteúdos apresentados nos livros disponibilizados pelo MEC para o município teixeirense para as turmas em questão. Finalmente, com base na análise, objetivou-se comparar as orientações da BNCC e as propostas dos livros didáticos.

Considerando a Educação Ambiental a partir da perspectiva da BNCC

Para esclarecer quais são esses objetivos, primeiramente propôs-se discutir os conceitos de educação, considerando Reigota (2001), Leff (2002) e Loureiro (2004). A partir dessas considerações, serão apresentados os objetivos dos anos mencionados.

Para entender o que é a EA, se faz necessária breve conceituação acerca do que é visto como educação. O livro Educação e Sociologia, de Durkheim (2011, p. 53), propôs uma visão da educação como ação realizada pelos adultos sobre os mais jovens com o intuito de desenvolvê-los de forma física, intelectual e moral.

Essa visão é acrescida por D’Ambrosio (1996, p. 68) ao apontar a educação como “uma estratégia da sociedade para facilitar que cada indivíduo atinja seu potencial e para estimular cada indivíduo a colaborar com outros em ações comuns na busca do bem comum”. Nesse sentido, se observa a educação como uma ação que foi e está sendo atualizada cotidianamente ao serem desenvolvidas novas e melhores estratégias de ensino.

Compreender a complexidade da abrangência que permeia o conceito de EA não é tarefa das mais simples, visto que essas duas palavras, ainda separadas, abarcam uma imensidade de significados. Tanto educação quanto ambiente são termos que permeiam várias perspectivas naturais e humanizadas, e esses aspectos naturais estão em relação dinâmica e interação constante no meio ambiente.

Nessa direção, Reigota (2001, p. 21) sugere que essas relações naturais e humanas envolvem processos da criação e transformação cultural, tecnológica, histórica e política em seu contexto. Assim, para o teórico, todas essas relações fazem parte do meio ambiente. Assim, compreender EA é sobretudo desenvolver uma análise das relações e percepções ocorridas em um processo civilizatório.

Didaticamente, considera-se, ao se discutir a EA, dialogar com o conceito, o que se compreende como tal educação. Leff (2002, p. 218) traz o conceito de EA como processo fundamentado nos princípios educacionais, o que “implica não só o aprendizado de fatos novos [...], inaugura um saber que desconstrói os princípios epistemológicos da ciência moderna e funda uma nova pedagogia”.

De forma análoga, Loureiro (2004) define a EA como sendo uma práxis educativa e social que pode ter a finalidade de um conhecimento de valores, conceitos, habilidades e procedimentos que venha possibilitar o entendimento de uma real existência e de uma atuação responsável por diversos indivíduos da sociedade, coletiva ou individualmente no ambiente. Acrescentando as palavras de Figueiredo (2007), Jacobi (2003) e Loureiro (2003) (apud Dickmann; Carneiro, 2012, p. 89), a EA possibilita a formação de um sujeito-aluno cidadão, comprometido com a “sustentabilidade ambiental, com base na apreensão e compreensão do mundo enquanto complexo”.

Como aponta Reigota (2001), a conscientização da EA pode ser trabalhada em todas as áreas do conhecimento. Os estudantes contam com disciplinas na grade curricular que os ajudam a desenvolver habilidades de argumentação, reflexão e construção de pensamentos críticos em relação ao meio ambiente.

De acordo com a Política Nacional de Educação Ambiental (Brasil, 1999), a EA nas escolas objetiva contribuir para a formação de cidadãos, a partir da criticidade que estudantes irão adquirir processualmente. Com base nessa educação, ao aluno serão apresentadas propostas que promovam práticas permeadas de preocupação contínua com o ambiente: “A EA será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal” (Brasil, 1999, Art. 10º).

Considerando essa normativa, espera-se que os planejamentos promovam propostas que contribuam na formação de estudantes mais conscientes e sensíveis à questão ambiental. Nesse sentido, compreende-se a responsabilidade do professor em mediar essa compreensão do estudante.

A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam (Jacobi, 2003, p. 196).

Compreende-se, portanto, a influência das escolas como instituições que promovem o desenvolvimento de funções reflexivas sobre as questões ambientais, “a Educação Ambiental é um tema transversal, que abrange todos os conteúdos, independente da disciplina do currículo” (Fenner, 2015, p. 6). Para tanto, a necessidade da EA dentro da escola está além do conhecer o meio ambiente; está em praticar a reflexão sobre o meio ambiente considerando essas questões em sua formação social.

Dessa forma, “a Educação Ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino” (Brasil, 1999), uma vez que, conforme exposto, os conhecimentos acerca da EA são atribuídos para o desenvolvimento da formação de caráter social e não de forma a explorar conhecimentos mais específicos, como as demais disciplinas. Nesse sentido, o surgimento da EA no âmbito escolar adentra como aspecto transdisciplinar “o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da interação, multi e transdisciplinar” (Brasil, 1999).

Conforme Leff (2003), para que a finalidade da aplicação de EA sob essa abordagem de forma transdisciplinar seja capaz de captar conhecimentos ambientais complexos, são necessárias duas dimensões: o diálogo de saberes centrado no próprio projeto e a realização do conhecimento das reformulações das próprias bases pedagógicas. Com a ideia da transdisciplinaridade, é importante compreender que a BNCC é elaborada na forma de competências e habilidades; competência é definida como

a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (Brasil, 2018, p. 8).

Entende-se a necessidade, portanto, do constante trabalho interdisciplinar no tocante à EA. Todavia, para compreender essa complexidade, é necessário analisar como as disciplinas percebem essa educação. Este artigo adentrou a área de Ciências da Natureza, enfocando a disciplina das Ciências Naturais. Segundo Boer (2007), a EA é pensada como um acréscimo ao ensino de Ciências Naturais, com o estudo do meio ambiente sendo um tópico importante da disciplina.

Considerando o objetivo específico deste artigo, o trabalho propôs analisar como a BNCC apresenta a EA nos 6º e 7º anos. Nesse sentido, faz-se necessário explicar como as habilidades são apresentadas na BNCC. Para facilitar o trabalho do professor, logo no início do documento, é explicado o significado das letras que aparecem ao serem apresentadas as habilidades. Assim, para esclarecimento, este artigo tomou como base o seguinte conjunto de símbolos alfanuméricos apresentado na BNCC: EF06CI01. Nele, as duas primeiras letras indicam a etapa da educação, os dois primeiros números indicam o ano em que se faz a habilidade, as duas segundas letras referem-se ao componente curricular e os dois últimos números reportam à numeração sequencial do ano ou do bloco de anos.

Considerando a proposta inicial do trabalho, foi percebido durante a pesquisa do documento o não direcionamento direto da BNCC ao ensino da EA no 6º ano. Identificou-se que foi apresentado apenas um tema voltado à EA: o ensino de matéria e energia apresentado nesta habilidade: “(EF06CI04) Associar a produção de medicamentos e outros materiais sintéticos ao desenvolvimento científico e tecnológico, reconhecendo benefícios e avaliando impactos socioambientais” (Brasil, 2018, p. 345). Essa habilidade possibilita que o aluno adquira conhecimento sobre a natureza para desenvolver novas tecnologias que visam melhorar e facilitar a vida humana com impacto ambiental reduzido.

O 7º ano do Ensino Fundamental traz temáticas sobre diversos assuntos. Com a análise da “exploração do material” (Gil, 2008, p. 152), percebe-se que eles se encontram nas três temáticas da BNCC para EA (Matéria e energia, Vida e evolução, Terra e universo), sendo seis habilidades que complementam a EA:

Quadro 1: Descrição das habilidades selecionadas na BNCC

Unidades temáticas

Habilidades

Matéria e energia

(EF07CI05) Discutir o uso de diferentes tipos de combustível e máquinas térmicas ao longo do tempo, para avaliar avanços, questões econômicas e problemas socioambientais causados pela produção e pelo uso desses materiais e máquinas.

Vida e evolução

(EF07CI07) Caracterizar os principais ecossistemas brasileiros quanto à paisagem, à quantidade de água, ao tipo de solo, à disponibilidade de luz solar, à temperatura etc., correlacionando essas características à flora e à fauna específicas.

(EF07CI08) Avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies, alteração de hábitos, migração etc.

(EF07CI11) Analisar historicamente o uso da tecnologia, incluindo a digital, nas diferentes dimensões da vida humana, considerando indicadores ambientais e de qualidade de vida.

Terra e universo

(EF07CI13) Descrever o mecanismo natural do efeito estufa, seu papel fundamental para o desenvolvimento da vida na Terra, discutir as ações humanas responsáveis pelo seu aumento artificial (queima dos combustíveis fósseis, desmatamento, queimadas etc.) e selecionar e implementar propostas para a reversão ou controle desse quadro.

(EF07CI14) Justificar a importância da camada de ozônio para a vida na Terra, identificando os fatores que aumentam ou diminuem sua presença na atmosfera, e discutir propostas individuais e coletivas para sua preservação.

Ao pensar na habilidade EF07CI05, recomenda-se que os alunos discutam como as máquinas térmicas foram utilizadas no decorrer dos séculos, mostrando sua evolução, percebendo como elas conseguem gerar energia mecânica a partir da absorção de calor de uma fonte como carvão vegetal, carvão mineral e petróleo, entre outros, sem convertê-lo completamente. Com isso, desenvolve–se a discussão quanto à utilização que vem agravando o meio ambiente com o passar dos tempos.

Os biomas brasileiros são o início da discussão da habilidade EF07CI07, que apresenta os principais ecossistemas do Brasil, tendo um vasto território com ampla biodiversidade nos diferentes estados do país. A maior unidade biótica em termos de extensão geográfica abrange diversas comunidades em diferentes estágios de evolução, sendo denominada de acordo com o tipo de vegetação predominante, como mata tropical e campo, entre outros. A fauna e a flora do Brasil trazem uma variedade a ser estudada em sala de aula, mostrando a importância da preservação dos biomas.

Com o estudo dos impactos provocados por catástrofes naturais, a habilidade EF07CI07 mostra como isso afeta negativamente a sociedade, como as consequências geradas para um local. Atualmente, a ocorrência de fenômenos naturais tem aumentado de maneira significativa, apesar de fazerem parte do ciclo natural da Terra; isso mostra que o planeta vem sofrendo cada vez mais com o aquecimento global e a degradação do ambiente; com isso, ocorre o crescimento do número de espécies animais ameaçadas de extinção nesses locais.

A tecnologia vem crescendo no decorrer nos últimos anos; a habilidade EF07CI11 trabalha com o estudo histórico da utilização da tecnologia e das mídias digitais na vida humana, promovendo discussões sobre as suas vantagens e desvantagens ao longo do tempo. A tecnologia tem sido uma parte importante da vida das pessoas, mas seus efeitos na qualidade de vida e no meio ambiente devem ser dialogados, analisando e orientando sobre como pode ser realizado seu uso sustentável e saudável.

O efeito estufa é um fenômeno natural; no entanto, pode ser intensificado por meio das ações humanas; a habilidade EF07CI13 propõe a criação de discussão sobre esse assunto. O processo do efeito estufa ocorre com a retenção de parte do calor gerado pelos raios solares devido à formação de uma camada na atmosfera que é resultado da presença de gases no planeta. Esse procedimento permite manter a temperatura da Terra; no entanto, é agravada pela crescente queima de combustíveis fósseis, que são a base da industrialização e de muitas atividades humanas.

A camada de ozônio é uma importante proteção para atmosfera terrestre; é constituída de gás ozônio entre 20 e 30km de altitude. A habilidade EF07CI14 mostra a importância de estudar e discutir esse tema, devido à degradação que vem se agravando pela intensificação da emissão de gases como o CFC (clorofluorcarbono), além de gases como óxidos nítricos e nitrosos e o CO2, que ocorre por causa da queimada de combustíveis fósseis. O planejamento da discussão em sala de aula com os alunos, em grupo ou de forma conjunta, é uma das medidas propostas para reduzir a degradação da camada de ozônio.

Com a descrição das habilidades do 7º ano, fica clara a importância da construção do livro didático; o presente trabalho busca analisar a presença da EA dentro dos livros utilizados, a fim de promover o desenvolvimento dos alunos como cidadãos críticos no âmbito social e ambiental.

Percurso metodológico considerando a análise qualitativa documental

Para este artigo, optou-se por uma pesquisa qualitativa, que abrange “uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais” (Bogdan; Biklen, 1994, p. 11). Dialogando com essas teóricas, André e Gatti (2008) apontam que a utilização dos métodos qualitativos ocasionou ampla colaboração para o progresso da educação. Tais teóricos mencionam a relação de uma pesquisa qualitativa com os processos de aprendizagem e demonstram como ela aborda as relações interpessoais, os aspectos culturais e institucionais, a socialização e a sociabilidade, bem como as múltiplas implicações do cotidiano escolar.

Considera-se, assim, esta pesquisa na perspectiva das Ciências Sociais como qualitativa, visto que as análises feitas aqui trabalham com as produções humanas, impedindo sua quantificação ou hierarquização. Inseridos nessa abordagem, os livros didáticos analisados foram considerados documentos. Tilio (2006, p. 130) afirma que “os livros didáticos são um documento pedagógico importante, pois fazem parte integrante das atividades educacionais”. Assim, é possível afirmar que a elaboração de um livro didático é também uma fonte histórica para o processo educacional. Além disso, no decorrer do ensino-aprendizagem, o livro didático pode auxiliar no processo educacional, orientando o currículo escolar e a dinâmica de aprendizado.

A partir da apresentação da EA proposta pela BNCC, discutida inicialmente neste artigo, os livros didáticos que foram objeto desta pesquisa integram o acervo da Editora Moderna (Figura 1). Fazem parte da coleção Aprendendo com o Cotidiano, tendo sido aprovados pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) do Governo Federal no ano de 2020. Essa coleção, entre tantas outras, foi adotada pela Secretaria de Educação de Teixeira de Freitas, município do extremo sul baiano. Embora seja possível encontrar em toda a coleção resquícios da EA, verificou-se que os conteúdos dos 6º e 7º anos do EF são mais direcionados para essa temática, motivo pelo qual foram os livros selecionados para esta análise.

Figura 1: Livros dos 6º e 7º anos do EF

Fonte: Guia do Livro Didático, PNLD-EF, anos finais, 2020.

Considerando a abordagem qualitativa, utilizou-se a metodologia qualitativa, que, segundo Gil (2002), demonstra que, por não haver previamente um modelo teórico de análise, decorre de um ir e vir entre observação, reflexão e interpretação dos dados obtidos. Nesse sentido, nem sempre ocorre a ordenação lógica da pesquisa, o que envolve complexidade de investigação. Assim, considerando essa abordagem, em um primeiro momento foram evidenciados os objetivos da BNCC que se relacionam com a questão ambiental. A seguir, foram apresentados os conteúdos dos livros didáticos de Ciências que abordam de alguma forma essa questão. Finalmente, foi elaborada uma comparação entre as orientações da BNCC e a proposta dos livros didáticos. Desse modo, pôde-se, para além da comparação, apresentar possibilidades de diferentes apropriações dos temas abordados pelo professor.

Análise da presença da EA considerando a proposta da BNCC

A fase de análise dos livros didáticos apresentados considera como hipótese acreditar que seria possível identificar a presença da EA nos livros, principalmente pelo fato de eles terem sido aprovados pelo PNLD. Em uma pré-análise, identificou-se também que, embora os quatro livros dos anos finais do EF de alguma forma abordassem a EA, esse tema é cobrado pela BNCC especialmente nos 6º e 7º anos do EF.

Os livros didáticos analisados foram elaborados por Leite e Celloto. Eles apresentam a mesma estrutura: 12 capítulos subdivididos em quatro unidades. Essa subdivisão adota um critério hierárquico de aprendizagem apresentado pelas seguintes seções: “Motivação”, “Desenvolvimento do tema”, “Organização de ideias: mapa mental”, “Use o que aprendeu”, “Explore diferentes linguagens”, “Seu aprendizado não termina aqui”. De acordo com os autores, essas seções objetivam auxiliar o estudante no capítulo que está estudando.

Buscou-se a presença da EA nos livros didáticos, que entra como a unidade de registro escolhido pelos autores deste artigo, classificando-os como “documento”. Começando com o livro do 6º ano, percebe-se que esse tema se encontra apenas no capitulo 9, unidade C, abrangendo as páginas 164, 165 e 170. Nas páginas 164 e 165 é percebida a EA em formas de textos curtos e informativos com destaque na cor de fundo para chamar a atenção, trazendo como proposta de ensino uma atividade de discussão a respeito do assunto.

Na página 170 surge o tema “Fechamento da unidade”, contendo uma imagem que abrange a página por completo com vários balões coloridos contendo textos curtos, expondo a atividade de ser elaborado um blog em grupo sobre “A importância da Química para a sociedade”.

Figura 2: Recorte do livro do 6º ano, pág. 164, sobre recurso não renovável

Fonte: Guia do Livro Didático, PNLD-EF, anos finais, 2020.

A presença da EA no livro do 7º ano foi observada nos capítulos 1, 9, 11 e 12, unidades A, C e D, nas páginas 20, 21, 176, 182, 186, 187, 213, 226 e 237. No capítulo 1, nas páginas 20 e 21 são propostas atividades sobre alguns temas (Biodiversidade e conservação e Extinção das espécies no Brasil) em discussões, pesquisa e trabalho em equipe para elaboração de uma carta. No capítulo 9, na página 176 é exposto um texto informativo sobre o desmatamento na Amazônia; ainda nesse capítulo, na página 182 recomenda-se uma atividade em grupo para a criação de um slogan com o tema conservação dos biomas brasileiros.

Na continuação da análise do livro do 7º ano, no capítulo 11, na página 213, estão algumas imagens com reflexões sobre atitudes para reduzir a emissão do CO2, além de uma atividade em equipe que consiste na busca de notícias em jornais e revistas, a fim de construir um mural sobre o tema, para discutir e analisar. O capítulo 12, na página 226, possui, além do conteúdo abordado no capítulo, um texto informativo sobre o tema e uma atividade para discussão em grupo sobre a camada de ozônio, enquanto na página 237 há uma atividade no “Fechamento da unidade” que sugere que a turma se divida em grupos e crie um blog na internet apontando questões sobre o uso da tecnologia com seus benefícios e malefícios no meio social e ambiental.

Figura 3: Recorte do livro do 7º ano, p. 213, sobre a redução de CO2

Fonte: Guia do Livro Didático, PNLD-EF, anos finais, 2020.

Percebe-se que a EA esteve predominante no livro do 7º ano, sendo trabalhada de forma majoritária em atividades como discussões, reflexões, pesquisas e criação de blog, isso é, atividades que estimulam a autonomia do aluno na construção do seu conhecimento, enquanto no livro do 6º ano esse tema é abordado na forma de discussão e/ou apresentado de forma breve, em textos informativos.

BNCC e livros didáticos: comparação entre as orientações e as propostas observadas

Nessa fase do trabalho, colocamos os resultados da identificação da EA dentro da BNCC com suas competências e habilidades. Buscou-se ver a presença da EA nos livros didáticos (dos 6º e 7º anos) disponibilizados pelo Ministério da Educação para a cidade de Teixeira de Freitas/BA, onde foram feitas as análises.

Foram identificadas na BNCC, na área de Ciências da Natureza, nos anos finais (6º e 7º) do Ensino Fundamental, sete habilidades que apresentam de alguma maneira a EA. Para análise, consideraram-se as seguintes palavras-chave: socioambiental, proposta de preservação, impactos ambientais e indicadores ambientais. Com isso foi feita a análise do capitulo 1, que mostrou como cada habilidade e cada competência se encaixam na elaboração dos livros didáticos.

Análise de alinhamento dos conteúdos de Educação Ambiental do 6º ano

O capitulo 2 apesentou de que forma pode-se notar a presença da EA a partir da análise feita no livro do 6º ano. O que ficou claro foram os poucos registros do que se pode analisar como EA. Evidenciou-se a EA apenas no capítulo 9 do livro; ainda assim, a EA não foi abordada em toda a extensão do capítulo em questão. O capítulo, denominado “Transformações químicas”, apresenta nas páginas 164, 165 e 170 o que pode ser considerado como preocupação com o ambiente. Exemplifica-se esse aprendizado raso ao se apresentarem pequenos textos, sem profundidade, como está na Figura 2. Os textos, na maior parte das vezes curtos e generalistas, são mostrados de forma ampla, sem possibilidade de reflexão.

O livro didático analisado traz poucas amostras da responsabilidade de promover as questões ambientais. Entretanto, na página 170, é sugerida uma atividade a ser trabalhada em grupo visando discutir a temática socioambiental. Embora de maneira superficial, a proposta do livro vai ao encontro à EF06CI04, apresentada na BNCC. Assim, compreende-se que caberá ao professor regente relacionar a orientação da base com o conteúdo apresentado no livro utilizado.

Diferentemente dos poucos conteúdos relacionados à questão socioambiental expostos no livro do 6º ano, nota-se que no livro didático do 7º ano há maior oferta de temas sobre a questão. Isto vai ao encontro das orientações da BNCC, que também, em relação ao 6º ano, orientou poucas vezes para a temática.

Análise de alinhamento dos conteúdos de Educação Ambiental do 7º ano

No capítulo de Biodiversidade, o livro do 7º ano, nas páginas 20, 21 vão ao encontro da habilidade EF07CI07, mostrando a discussão e a avaliação das propostas sugeridas nas atividades. No capítulo “Principais biomas brasileiros”, nas páginas 176, 182, 186 e 187 são tratadas as habilidades EF07CI07 e EF07CI08, mostrando textos e atividades para o estudante elaborar.

Avançando para o capítulo Temperatura, Calor e Efeito Estufa, na página 213 encontra-se a habilidade EF07CI13, mencionando o funcionamento do efeito estufa e a utilização dos combustíveis fosseis. No capítulo de Gases da Atmosfera e Placas da Litosfera, nas páginas 226 e 237 estão as habilidades EF07CI14 e EF07CI11, justificando a importância da preservação e o uso da tecnologia para a camada de ozônio.

A análise dos livros junto com os pressupostos da BNCC expôs a presença da EA, mesmo com suas fragilidades, em diversos contextos e formas de contextualização, como afirmam Medina e Santos (2003, p. 25): “a Educação Ambiental é a incorporação de critérios socioambientais, ecológicos, éticos e estéticos nos objetivos didáticos da educação”. Os critérios apontados pelos autores servem como indicadores facilitadores da identificação da presença da EA nos livros didáticos, aprimorando e agregando para a identificação dos objetivos propostos pela BNCC acerca da EA.

Manual do professor

Embora não fosse objetivo deste artigo analisar o manual do professor, ao comparar os conteúdos apresentados nos livros analisados com as orientações apresentadas pela BNCC, reconheceu-se ter sido necessário a leitura do manual apresentado pelos autores do livro ao professor, porque, acreditava-se que o manual poderia trazer orientações que auxiliassem o professor em suas metodologias. O livro didático e a ação do professor em sala de aula entram em conjunto na ação formal para a construção do conhecimento do estudante, demonstrando onde pode ser encontrada a EA, de forma trabalhada para o desenvolvimento da consciência acerca do meio ambiente.

Considerações finais

Objetivou-se compreender em que medida os livros didáticos disponibilizados pela Secretaria de Educação de Teixeira de Freitas abrangiam as orientações apresentadas pela BNCC. Embora se tenha concluído que os livros adotados respondem às expectativas daquele documento, constatou-se também que as questões ambientais são apresentadas de forma generalista e/ou sucinta, não havendo aprofundamento dos temas. Concluiu-se, portanto, que a maneira ampla como são abordados os conteúdos exige uma mediação consciente do professor, para compensar a limitação apresentada.

Nesse sentido, acredita-se que toda a comunidade escolar deve estar ciente da situação. Por isso, o professor regente deve atentar não somente para as orientações da BNCC como também para as instruções apresentadas no manual do professor, disponibilizado pelos autores dos livros. Além disto, urge considerar os temas atuais, que sempre pairam os noticiários brasileiros e mundiais.

É preciso estar atento principalmente para essa conduta, pelo fato de ter-se ciência das disparidades sociais que existem no país, não sendo diferente, portanto, no município teixeirense. Consequentemente, seria ingênuo acreditar que os educandos das escolas públicas do município possuem acesso a outras possibilidades de conhecimento. Acredita-se, inclusive, que seja possível que o livro didático disponibilizado pela Secretaria de Educação seja a única ou uma das poucas fontes de informação confiáveis para o educando.

Dessa forma, o uso dos livros didáticos, que pode ser uma das ferramentas empregadas pelo professor para o desenvolvimento do aluno, possui o papel de extrema importância não somente por abordar o conteúdo necessário para compreensão do assunto, mas também por apresentar propostas de ensino que estimulem o desenvolvimento socioambiental conforme o proposto na BNCC. Acredita-se que reflexões como as que ocorreram aqui poderão contribuir para a condução das atividades pedagógicas com os rumos da formação de estudantes cidadãos, críticos e participativos diante das crises ambientais que enfrentamos.

Referências

ANDRÉ, M.; GATTI, B. A. Métodos qualitativos de pesquisa em Educação no Brasil: origens e evolução. SIMPÓSIO BRASILEIRO-ALEMÃO DE PESQUISA QUALITATIVA E INTERPRETAÇÃO DE DADOS. Anais... Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, 26 a 28 de março de 2008.

BOER, Noemi. Inserção da Educação Ambiental nas disciplinas Ciências Naturais e Biologia: uma análise a partir de pesquisas publicadas em anais de eventos. 6º ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS (ENPEC). Anais... Florianópolis: UFSC, 28 de novembro a 1 de dezembro de 2007.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: 17 maio 2023.

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm. Acesso em: 17 maio 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CANTO. L. E; CANTO. C. L. Ciências Naturais: aprendendo com o cotidiano - 6º ano. 7ª ed. São Paulo: Moderna, 2019. (Coleção Aprendendo com o Cotidiano, v. 3)

CANTO. L. E; CANTO. C. L. Ciências Naturais: aprendendo com o cotidiano - 7º ano. 7ª ed. São Paulo: Moderna, 2019. (Coleção Aprendendo com o Cotidiano, v. 4)

D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: Da teoria à prática. 10ª ed. São Paulo: Papirus, 1996.

DICKMANN, I.; CARNEIRO, S. M. M.  Paulo Freire e Educação Ambiental: contribuições a partir da obra Pedagogia da Autonomia. Revista de Educação Pública, Cuiabá, v. 21, nº 45, p. 87-102, abr. 2012.

DURKEIM, Émile. Educação e Sociologia. Petrópolis: Vozes, 2011.

FENNER, Rose. O desafio da Educação Ambiental no contexto escolar.2015. 27f. Monografia (Conclusão de Curso). Universidade Federal da Fronteira Sul, Cerra Lago, 2015.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Altas, 2002.

GIL, Antônio. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Altas, 2008.

JACOBI, Pedro. Educação Ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 118, p. 189-205, mar. 2003.

LEFF, Enrique. A complexidade ambiental. São Paulo: Cortez, 2003.

LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental e gestão participativa na explicitação e resolução de conflitos. Gestão em Ação, Salvador, v. 7, nº 1, jan./abr. 2004.

MEDINA. M. N.; SANTOS. E. C. S. Educação Ambiental: uma metodologia participativa de formação. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação - Abordagens Qualitativas, 2ª ed. São Paulo: Grupo GEN, 2013. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-216-2306-9/. Acesso em: 30 mai. 2023.

REIGOTA, Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2001.

RODRIGUES, Angélica Cosenza. A Educação Ambiental e o fazer interdisciplinar na escola. Araraquara: Junqueira & Marin, 2008.

TILIO, Rogério Casanovas. O livro didático de Inglês em uma abordagem sociodiscursiva: culturas, identidades e Pós-Modernidade. 2006. 258f. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Publicado em 17 de setembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

ARAUJO, Daniel Reis; ALMEIDA, Yolanda Aparecida de Castro. O ensino da Educação Ambiental nos livros didáticos dos 6º e 7º anos de Teixeira de Freitas/BA: uma análise comparativa com os pressupostos da BNCC. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 34, 17 de setembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/34/o-ensino-da-educacao-ambiental-nos-livros-didaticos-dos-6-e-7-anos-de-teixeira-de-freitasba-uma-analise-comparativa-com-os-pressupostos-da-bncc

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

1 Comentário sobre este artigo

Deixe seu comentário
Professor Walter • 29 dias atrás

Excelente artigo! Estou utilizando como referência em vários projetos e nas minhas aulas na escola. O conteúdo é muito bem estruturado e claro, o que facilita bastante o aprendizado dos meus alunos. A abordagem dos temas é completa e atual, o que tem contribuído de forma significativa para o desenvolvimento dos nossos estudos. Com certeza continuarei usando este material como apoio nas minhas aulas. Parabéns pelo trabalho!

0

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.