A topofilia como estratégia de prevenção de ataques ativos em escolas
Ives da Silva Duque-Pereira
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem (UENF), professor no Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert (Faetec), professor no Colégio Estadual Doutor Thiers Cardoso (Seeduc/RJ)
A violência nas escolas tem sido um tema de crescente preocupação no cenário educacional brasileiro. Em particular, os ataques extremos em violência, resultando na morte de pessoas, têm gerado insegurança e medo em todos os envolvidos no processo educacional. Esses ataques ativos, caracterizados por indivíduos armados que buscam vítimas no espaço escolar, frequentemente sem alvo específico, levantam um ponto de reflexão importante. A escolha de instituições de ensino como palco de tais ataques não é aleatória, mas simbólica, refletindo uma profunda desconexão e/ou sentimento de aversão ao espaço escolar.
Em uma reflexão anterior (Duque-Pereira; Moura, 2023), abordei a crescente violência física nas escolas durante o retorno ao ensino presencial após a pandemia da covid-19. Esse estudo enfatizou o conceito geográfico de "lugar", que se refere à interação entre os sentimentos e subjetividades dos indivíduos e o local onde têm vivência, atuando como um espaço de reprodução simbólica. Na Geografia, o "lugar" é definido como qualquer espaço que estabelece vínculos emocionais, seja de afeição (topofilia) ou aversão (topofobia), resultantes das experiências vividas pelos sujeitos.
A partir da suposição de que houve desconexão emocional com o espaço escolar durante o período de ensino remoto emergencial, sugere-se que o retorno presencial, sem a devida atenção à reconstrução de laços afetivos com esse ambiente e seus ocupantes, pode ter contribuído para uma onda de violência nas escolas. Esse cenário pode ter sido agravado pela potencialização de problemas já presentes no contexto escolar, como bullying e dificuldades dos alunos em interagir com figuras de autoridade e colegas que apresentam diferenças. A falta de conexão e elos afetivos com o espaço escolar pode ter facilitado sentimentos de aversão a esse espaço e àqueles que nele convivem, caracterizando a topofobia.
A escola não é apenas um conjunto de salas de aulas e corredores, mas um espaço onde identidades são formadas, relações são construídas e valores são transmitidos. No entanto, a escola, que deveria ser um ambiente seguro e acolhedor, provocadora de uma relação positiva com o lugar, muitas vezes pode ser percebida como um espaço de exclusão e tensão, onde falta identificação e, em casos extremos, há violência.
A topofilia é um conceito criado pelo geógrafo Yi-Fu Tuan (1980), que entende a relação entre seres humanos e ambiente por um elo afetivo entre sujeitos e lugares, permeado e possibilitado pelas experiências pessoais positivas. Assim, para pensar em mudanças na escola, é importante compreender o conceito de “lugar”, especialmente na perspectiva da topofilia, que pode ser útil como campo de conexão com o mundo no qual os sujeitos estão em convívio.
Com base nos apontamentos iniciais de Tuan (1980), desenvolveu-se uma variedade de abordagens e diferentes focos de entendimento do conceito de topofilia. O senso de lugar pode ser percebido pelo indivíduo e pela coletividade. As relações positivas potencializam o bem-estar e o desenvolvimento humano quando existem fortes conexões com lugares específicos. Esse contexto influencia o comportamento, o desempenho de atividades e habilidades, sendo um importante elemento de identidade pessoal e comunitária (Duarte et al., 2021).
Diante do cenário atual, torna-se imperativo repensar o espaço escolar. Mais do que uma mera reconfiguração física, é preciso considerar a capacidade desse espaço de evocar emoções e simbolismos alinhados à formação para a cidadania. Fomentar a topofilia pode revolucionar a relação dos alunos com o ambiente escolar. Ao promover intencionalmente essa conexão positiva com o espaço escolar, incentivamos um senso de pertencimento, fazendo com que os estudantes se sintam reconhecidos e valorizados, reduzindo, assim, a propensão a comportamentos violentos.
Com base nessa premissa, desenvolvi uma estratégia pedagógica centrada nos estudantes e expressa no projeto (Re)Conexão: Amar e Mudar as Coisas para Construir a Escola dos Sonhos. A ideia consistia em envolver os alunos no desafio de retomar a conexão e o sentimento de pertencimento no ambiente escolar, restabelecendo e fortalecendo laços dos estudantes com esse espaço.
Inspirado na música Alucinação, de Belchior, o projeto destaca a importância de enfrentar a realidade pela busca em identificar os problemas da escola, incentivando os alunos a pensar em possíveis soluções e, finalmente, projetar uma escola idealizada, usando ferramentas digitais como o jogo Minecraft. O produto desse projeto não visava apenas uma reconfiguração arquitetônica, mas uma (re)imaginação do espaço escolar, em que os desejos e necessidades dos alunos estavam no centro e se materializavam no projeto de uma nova escola.
Este artigo tem como objetivo geral descrever e analisar essa estratégia, refletindo sobre sua eficácia na construção de laços afetivos e na prevenção de ataques ativos. Para isso, é necessário compreender melhor o contexto de ataques ativos e como isso tem afetado as escolas brasileiras na atualidade. Algumas hipóteses são levantadas como premissa, e seguirei com a descrição das atividades propostas e análise dos resultados. Este trabalho foi apresentado no XVI Congresso Nacional de Educação (Educere), em setembro de 2023.
Ataques ativos nas escolas
Segundo o Departamento de Segurança Interna dos EUA (U. S. Department of Homeland Security, 2008), um “atirador ativo” (do inglês activeshooter) é definido como um indivíduo que está ativamente engajado em matar pessoas em uma área confinada e populosa, utilizando na maioria dos casos armas de fogo e sem selecionar vítimas específicas. Blair e Schwieit (2014) reforçam essa definição ao descrever uma situação de tiroteio em andamento, em que o termo “ativo” implica que tanto a polícia quanto os cidadãos têm potencial de influenciar o desfecho do evento, dependendo de suas ações.
No Brasil, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc/RJ), em parceria com a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), realizou em junho de 2023 uma série de palestras sobre o tema Segurança na Escola. Essas palestras tinham como objetivo orientar a como agir em episódios de violência envolvendo um agressor ativo na escola. A PMERJ não adota o termo “atirador ativo” devido à identificação, na realidade brasileira, de ataques predominantes com outros tipos de armas, como facas e machados. Assim, adotou-se o termo “atacante ativo” para descrever o sujeito que promove o “ataque ativo”.
Durante as palestras de Segurança na Escola realizadas pela PMERJ, o termo “atacante ativo” foi definido como alguém altamente empenhado em matar ou tentar matar o maior número possível de pessoas em curto espaço de tempo, em área delimitada e populosa. Esse evento é entendido como imprevisível e rápido, não seguindo padrões ou métodos definidos para a seleção de vítimas.
A professora Telma Vinha, do Departamento de Psicologia Educacional da Unicamp, realizou um mapeamento dos ataques denominados em sua pesquisa como violência extrema nas escolas. Vinha considera que os protocolos internacionais não conseguem capturar a complexidade da realidade brasileira e classifica esse tipo de violência como sendo externa à escola e não na/da escola. A violência extrema contra escolas no Brasil foi mapeada com base em ataques cometidos por estudantes e ex-estudantes, observando que são sempre atos contra a vida e análogos a crimes de ódio (motivados por preconceitos, discriminação, racismo, intolerância de um grupo), planejados e tendo como foco principal, ainda que não exclusivamente, a escola (Vinha; Garcia, 2023).
Vinha e Garcia (2023) apresentaram um estudo que delineia a evolução dos ataques extremos em escolas desde 2002 até os primeiros meses de 2023. O que chama a atenção é o aumento significativo desses eventos nos últimos anos. Em um período de 21 anos com um total de 22 ataques registrados, quase metade deles (9) ocorreu nos dois anos mais recentes – 2022 e 2023.
A pesquisa conduzida por Vinha e Garcia (2023) também traçou um perfil predominante dos autores desses ataques. São jovens do sexo masculino, brancos, com inclinação para a violência, admiração por armas e busca constante por reconhecimento e valorização perante um público específico. Esses indivíduos costumam ter relações interpessoais limitadas, o que muitas vezes resulta em isolamento social. Outras características observadas incluem valores e crenças opressoras, como misoginia, homofobia, racismo, xenofobia e ideais de supremacia branca. Muitos desses jovens apresentam falta de perspectivas e propósitos claros na vida e, em alguns casos, chegaram a abandonar a escola.
No estudo conduzido por Vinha e Garcia (2023), duas características destacam-se e merecem atenção. A primeira refere-se à escola como palco de sofrimento para os autores dos ataques. Esses indivíduos, muitas vezes, possuem um histórico escolar marcado por exclusão, repreensões como suspensões, e episódios de bullying. Assim, o ambiente escolar torna-se um local de experiências negativas, potencialmente alimentando sentimentos que culminam em ações extremas contra a vida dentro desse espaço.
A segunda característica apontada por Vinha e Garcia (2023) é a profunda imersão desses jovens em subculturas extremistas presentes em “comunidades mórbidas” de fóruns on-line. Esses fóruns frequentemente promovem a violência, a misoginia e disseminam ideias neonazistas e discursos de ódio. É importante ressaltar o possível senso de pertencimento que esses jovens podem desenvolver ao integrar tais comunidades, nas quais o ódio é coletivizado. Em um ambiente virtual, eles encontram uma espécie de refúgio, uma aceitação mútua entre indivíduos com vivências e sentimentos semelhantes. Assim, enquanto são marginalizados no ambiente escolar, gerando sentimentos negativos, esses jovens encontram acolhimento e validação ao expressar seus pensamentos mais violentos em tais comunidades on-line.
Estratégia pedagógica para topofilia
Diante do contexto apresentado e das angústias decorrentes, percebeu-se a necessidade de dar um primeiro passo para resgatar uma relação positiva com o espaço escolar. Esse passo envolveu a identificação dos problemas que dificultam a construção de relações saudáveis entre os estudantes e o ambiente escolar. Para isso, foi elaborado o projeto (Re)Conexão: Amar e Mudar as Coisas para Construir a Escola dos Sonhos. Ele foi organizado em etapas, e cada etapa continha atividades designadas como passos, culminando na (re)concepção imaginativa da escola pelos estudantes.
A ação ocorreu no Colégio de Aplicação (CAp) do Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert (Isepam), mantido pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), instituição pública subordinada à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio de Janeiro (Secti). O projeto foi desenvolvido no componente curricular Arte, envolvendo duas turmas do Ensino Médio Regular (1ª e 3ª séries), três turmas do curso Normal Médio (1ª, 2ª e 3ª séries) e uma turma do curso Técnico em Informática (1ª série), totalizando 106 estudantes.
Com base no conteúdo sobre Arte Engajada, que apresenta exemplos de como as artes podem ser empregadas para expressar ideias, o projeto foi concebido sob a ótica das metodologias ativas de aprendizagem. O protagonismo juvenil, que incentiva os alunos a assumir responsabilidade por sua aprendizagem e a se tornar agentes ativos de transformação em seu contexto educacional, foi o princípio orientador. Esta abordagem foi integrada ao design thinking, uma metodologia que promove a solução criativa de problemas.
O conteúdo de Arte Engajada atuou como um estímulo, permitindo que os alunos se engajassem profundamente na construção e aplicação de seu conhecimento. Foram estabelecidas etapas que funcionaram como ferramentas para fomentar a reflexão crítica. Durante o processo, os alunos foram motivados a identificar desafios, gerar ideias, criar protótipos, testar conceitos e imaginar soluções em um ambiente colaborativo.
Para a organização e avaliação das atividades, o conjunto de ferramentas do Google for Education mostrou-se fundamental. Um website foi desenvolvido usando a plataforma Sites do Google, facilitando o acompanhamento do projeto. Além disso, foram empregados o Google Sala de Aula (Google Classroom) para registro e avaliação das tarefas e o YouTube, tanto como ferramenta de aprendizado quanto como repositório para o trabalho final. As atividades, tanto individuais quanto coletivas, foram realizadas ao longo do ano letivo de 2022 durante as aulas de Arte. Essas aulas intercalavam conteúdos específicos do currículo de cada série com o desenvolvimento do projeto, que ocorria pelo menos uma vez por mês.
Descobrir
A etapa Descobrir teve como primeiro passo o autoconhecimento e a introspecção, incentivando os estudantes a olhar para dentro de si mesmos antes de considerar o mundo exterior. O objetivo foi entender os sentimentos dominantes dos alunos, identificar as causas desses sentimentos e reconhecer na música uma ferramenta para evocar e processar emoções.
O segundo passo do projeto envolveu a aplicação de um questionário individual com dez perguntas, inspiradas nas ações do programa Criativos na Escola – Design for Change, promovido pelo Instituto Alana. Essas questões abordavam diversos aspectos da vivência escolar, desde preferências até desafios enfrentados. Além disso, incentivavam os alunos a refletir sobre os espaços que frequentam e os momentos marcantes vivenciados na escola. Durante essa fase, muitos estudantes resgataram memórias positivas anteriormente esquecidas. O simples ato de pausar, refletir e compartilhar com colegas trouxe à tona momentos significativos que haviam se perdido na memória.
O último passo dessa etapa focou na identificação de problemas específicos da escola que os alunos gostariam de abordar. Em uma sessão de brainstorming em sala de aula, os estudantes listaram diversos desafios, que foram registrados pelo professor no quadro. Com uma extensa lista em mãos, realizou-se uma votação, na qual cada aluno escolhia o problema que mais o incomodava. Os problemas mais votados foram então organizados em uma tabela no site do projeto. Os alunos foram orientados a formar equipes para pensar em soluções, comprometendo-se a abordar ao menos um dos desafios mais votados. No entanto, havia a flexibilidade de se engajarem em mais de um problema, caso desejassem.
Durante a identificação dos problemas em sala de aula, cada turma trabalhou isoladamente, sem interação entre elas. No entanto, observou-se uma recorrência de desafios mencionados em todas as turmas. Dentre os problemas comuns, destacam-se: a falta de higiene e manutenção dos banheiros, a aparência monótona e com grades da escola que remete a um “presídio”, a ausência de eventos como festas temáticas e torneios esportivos, e comportamentos preconceituosos e agressivos relacionados ao racismo, homofobia, assédio e bullying.
Outros problemas frequentemente citados incluíram paredes pichadas, percepção de que os alunos não têm voz ativa, tarefas “chatas”, falta de conteúdo relacionado à vida fora da escola, desrespeito entre alunos e professores, falta de acessibilidade para PCD e comunicação ineficaz entre docentes, gestão e alunos.
A introspecção e o autoconhecimento desempenharam papel crucial na reconexão dos alunos com o espaço escolar. Ao compreenderem seus sentimentos e desafios individuais, os estudantes se tornaram mais aptos a enfrentar as questões mais amplas da escola. A abordagem inicial, que envolveu reflexão pessoal e evocação de memórias positivas por meio do questionário, foi essencial para reacender uma topofilia anteriormente esquecida.
No entanto, ficou evidente que a presença desses problemas no ambiente escolar gera um distanciamento entre os alunos e o espaço. Muitos desses desafios, embora não sejam complexos, exigem uma escuta ativa das necessidades dos estudantes. Um feedback recorrente durante essa fase foi que nunca haviam questionado os alunos sobre suas insatisfações na escola. É notável a unanimidade dos estudantes em comparar a escola a um presídio, o que, sob uma perspectiva foucaultiana, traz reflexões profundas sobre os sentimentos evocados e as consequências disso. Essa percepção deve ser uma preocupação contínua para a instituição.
Compreender
Na etapa Compreender, os estudantes foram incentivados a aprofundar seu entendimento sobre os problemas identificados na fase anterior. Para isso, foram introduzidas duas ferramentas: a Árvore de Problemas e a Matriz CSD. A primeira utiliza a representação gráfica de uma árvore para desmembrar uma situação-problema (representada pelo tronco) em suas principais causas (raízes) e consequências (frutos). Já a Matriz CSD é uma estratégia que categoriza informações em certezas (C), suposições (S) e dúvidas (D), tornando o problema mais claro para todos os envolvidos.
Os conceitos dessas ferramentas foram apresentados aos estudantes em sala de aula; os alunos foram encorajados a explorar mais sobre o assunto por meio de imagens e vídeos disponíveis no site do projeto. Com esse conhecimento, os alunos foram orientados a criar, individualmente, suas árvores de problemas para cada desafio que desejavam abordar. Posteriormente, em grupos, compararam suas árvores e desenvolveram uma versão consolidada para a equipe. O mesmo processo foi aplicado à Matriz CSD.
A etapa Compreender ressalta a relevância de uma abordagem colaborativa e estruturada para decifrar e abordar problemas. Ao empregar ferramentas como a Árvore de Problemas e a Matriz CSD, os alunos aprenderam a segmentar problemas complexos, facilitando sua compreensão e a identificação de soluções efetivas. Esta abordagem metódica é crucial para fomentar a topofilia, pois os estudantes passaram a perceber a complexidade de certos desafios que, anteriormente, pareciam simples. Isso gerou empatia com a gestão e o corpo docente, ao reconhecerem que algumas situações vão além da responsabilidade direta de gestores e professores.
Projetar
Na etapa Projetar, os estudantes foram desafiados a elaborar soluções críticas e inovadoras para os problemas previamente identificados e analisados. Para isso, foram introduzidos a duas ferramentas-chave: o brainstorming e o 5W2H.
Iniciando com uma sessão de brainstorming, os alunos tiveram a oportunidade de sugerir ideias que pudessem resolver os desafios enfrentados na escola. O principal objetivo dessa fase era encorajar a liberdade de pensamento, acolhendo todas as propostas como potencialmente válidas. A meta era diversificar as soluções, construindo-as com base no entendimento adquirido sobre os problemas nas etapas anteriores. Foi nesse momento que os estudantes reconheceram a importância das fases antecedentes, pois elas forneceram uma base sólida para a concepção de soluções, especialmente ao abordar as causas ou consequências dos problemas identificados.
Após a sessão de brainstorming, os estudantes foram introduzidos à ferramenta 5W2H, que é utilizada para estruturar um plano de ação, organizando as estratégias propostas através de um conjunto de perguntas: O que (What) será feito? Por que (Why) é necessário? Onde (Where) será realizado? Quando (When) acontecerá? Quem (Who) é o responsável? Como (How) será executado? Quanto (How much) custará? No contexto do projeto, essas ações estavam voltadas para a resolução dos problemas identificados. Assim, cada solução proposta foi acompanhada de um plano de ação específico, estruturado com base no 5W2H.
A etapa Projetar enfatiza a necessidade de uma abordagem prática e focada na ação para resolver problemas. Com o auxílio de ferramentas como o brainstorming e o 5W2H, os alunos puderam converter ideias conceituais em planos de ação tangíveis. Esse método prático é crucial para fomentar a topofilia, cultivando um senso de responsabilidade nos alunos e incentivando-os a contribuir ativamente para a melhoria do ambiente escolar, fortalecendo a conexão entre eles e o espaço.
Embora a expectativa inicial fosse que os alunos concretizassem esses planos, ao se aproximar do final do ano letivo e observar o desgaste dos alunos em lidar constantemente com os problemas, decidiu-se encerrar a etapa no plano de ação. O foco foi direcionado para o prazer de imaginar e sonhar uma escola que se deseja. Os planos de ação foram compartilhados na plataforma Google Classroom, com o compromisso de serem apresentados à direção e à coordenação da escola para futuras implementações.
Sonhar
Na etapa Sonhar, foi proposto um exercício para inspiração e criatividade. Após discutir os problemas da escola e planejarem soluções, os estudantes foram incentivados a visualizar e criar a "Escola dos Sonhos". Essa seria uma representação idealizada e imaginativa do que eles acreditam ser o ambiente escolar perfeito.
Os estudantes foram desafiados a criar uma representação da "Escola dos Sonhos", ou através de uma maquete física ou utilizando ferramentas virtuais como Minecraft, The Sims ou qualquer outra de sua preferência. A ideia era usar o espaço atual do Isepam, um espaço (re)conhecido, como base. O objetivo não era apenas modificar o espaço físico da escola, mas também representar todas as mudanças desejadas, muitas das quais foram planejadas no plano de ação 5W2H. O intuito era transformar a escola em um ambiente que despertasse sentimentos positivos.
Reconhecendo o esforço e a dedicação que seriam necessários para o projeto, que se tornaria o principal instrumento de avaliação do último trimestre do ano, foi decidido oferecer aos estudantes a liberdade de escolher a forma de conclusão. Eles tinham a opção de finalizar o projeto Escola dos Sonhos, desenvolver um jogo de tabuleiro ou cartas com foco na História da Arte ou até mesmo realizar uma performance.
Dos 29 grupos formados, 21 escolheram desenvolver a "Escola dos Sonhos", 6 optaram por criar um jogo de tabuleiro ou cartas e 2 decidiram por performances. Esse engajamento demonstra o interesse dos alunos no projeto. A receptividade positiva da proposta se deve, em grande parte, à liberdade de escolha e à possibilidade de trabalhar com jogos já populares, como o Minecraft. Para ilustrar, dos 21 grupos que decidiram pela "Escola dos Sonhos", 16 utilizaram o Minecraft como ferramenta de criação.
Inicialmente, os grupos que escolheram criar a "Escola dos Sonhos" foram formados dentro de suas turmas específicas. No entanto, foi permitido que os alunos se agrupassem de acordo com interesses comuns, sem a necessidade de se limitar às suas turmas ou séries originais. Isso proporcionou a formação de grupos diversificados, com membros de diferentes turmas e séries, sempre respeitando um número máximo de participantes por grupo.
Os estudantes apresentaram seus resultados em vídeos narrativos, nos quais exibiam ambientes virtuais ou maquetes em formato de gameplay. Esses vídeos foram compartilhados na plataforma YouTube e estão disponíveis no site do projeto (Duque-Pereira, 2022). Em uma data previamente definida, realizamos uma roda de conversa avaliativa, durante a qual os vídeos foram exibidos para todos. Nesse momento, os alunos puderam assistir e debater as diversas interpretações da "Escola dos Sonhos" elaboradas por seus colegas. O engajamento e a qualidade dos trabalhos foram impressionantes, com reproduções fiéis da arquitetura da escola com as devidas modificações, e muitas das ideias discutidas na etapa Projetar foram efetivamente incorporadas nas sugestões de melhorias.
Além disso, ficou evidente a aplicação de conceitos aprendidos nas aulas de Arte, como linguagem audiovisual, textura, cores e proporcionalidade. As sugestões dos alunos abrangeram uma série de modificações estruturais. Algumas propostas eram mais concretas, como a criação de áreas verdes, hortas, rampas e elevadores para acessibilidade, lixeiras para reciclagem, catracas na entrada, um chafariz funcional e muros repintados. Outras ideias, mais inovadoras, incluíram a construção de um heliporto, salas interligadas e a inclusão da bandeira LGBTQIAP+ ao lado das bandeiras do Brasil e do Estado.
A etapa Sonhar enfatizou a importância da criatividade e imaginação no ambiente educacional. Ao projetar a "Escola dos Sonhos", os estudantes não apenas reconheceram os desafios atuais, mas também propuseram soluções inovadoras e práticas. Esta abordagem, focada no aluno, incentivou o trabalho em equipe. Muitos estudantes relataram dedicação intensa, participando ativamente de videochamadas e reuniões fora do horário escolar para aprimorar os resultados do projeto e garantir a melhor entrega possível. Além disso, o projeto reforçou o vínculo dos alunos com o ambiente escolar. Eles demonstraram um desejo genuíno de ver mudanças e refletiram sobre como se relacionam, tanto emocional quanto fisicamente, com o espaço escolar, reconhecendo sua conexão e importância em suas memórias.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, exploramos a crescente preocupação com a violência nas escolas, particularmente os ataques ativos, e a necessidade urgente de abordagens inovadoras para enfrentar essa questão. Partindo da hipótese de que a falta de laços afetivos com o espaço escolar pode ser um dos agravantes subjacentes dessa violência, a topofilia, ou elo afetivo de conexão com o lugar, surge como estratégia potencial para combater essa tendência preocupante.
O projeto (Re)Conexão: Amar e Mudar as Coisas para Construir a Escola dos Sonhos serve como estudo de caso ilustrativo de como a topofilia pode ser cultivada no ambiente escolar. Através de metodologias ativas de aprendizagem e uma abordagem de design thinking, os estudantes são engajados a identificar e conhecer problemas da escola, projetar soluções e, finalmente, visualizar e criar sua "Escola dos Sonhos". Essa abordagem não apenas permite que os alunos se tornem protagonistas de seus espaços de convívio, mas também promove a construção de laços afetivos com o espaço escolar pelo cuidado e projeção de melhorias.
As etapas do projeto demonstram a importância de uma abordagem sistemática e colaborativa para resolver problemas, e a utilização de ferramentas digitais serve como suporte para uma melhor compreensão, desenvolvimento, organização e avaliação das atividades propostas.
A violência nas escolas é uma questão complexa que requer soluções multifacetadas. No entanto, ao focar na construção de laços afetivos em espaços escolares e incentivar estudantes como agentes de mudança, podemos dar um passo significativo na direção de uma escola que produz emoções positivas, propiciando uma identificação dos estudantes com esse espaço. O projeto apresentado serviu como modelo promissor de como a educação pode ser reimaginada para criar ambientes escolares mais seguros, inclusivos e próximos dos desejos dos estudantes.
Referências
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Publicado em 29 de outubro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
DUQUE-PEREIRA, Ives da Silva. A topofilia como estratégia de prevenção de ataques ativos em escolas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 40, 29 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/40/a-topofilia-como-estrategia-de-prevencao-de-ataques-ativos-em-escolas
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