Implantação de um laboratório interdisciplinar de pesquisa e ensino de Ciências Humanas em Cabo Frio/RJ: história local e protagonismo dos estudantes
Thiago de Souza dos Reis
Doutor em História (UNIRIO), professor da rede municipal de educação de Cabo Frio/RJ, da Unesa e da UVA
O investimento público na Educação Básica tem se mostrado uma estratégia eficaz para maximizar os resultados pedagógicos e impactar positivamente o desempenho dos estudantes, além de motivar os profissionais da educação a exercerem suas funções com maior satisfação (Vasconcelos et al., 2021). Nesse contexto, em 2021, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) lançou um edital de fomento à pesquisa destinado a apoiar a realização de
iniciativas que visem a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem e do currículo, por meio de projetos que abordem temas educacionais relevantes e que permitam o aprimoramento do desempenho das escolas da rede pública (municipais, estaduais e federais) do Estado do Rio de Janeiro (níveis Fundamental e Médio) (Faperj, 2021, p. 1).
O edital dialogava diretamente com os impactos da pandemia da covid-19, como a interrupção das aulas presenciais e a dificuldade das escolas em adotar novas metodologias de ensino de forma imediata. Segundo Lopes (2020), a queda no desempenho educacional era inevitável, justificando assim a política pública de investimento nas escolas públicas.
Com base nisso, desenvolvemos uma proposta para criar um laboratório voltado ao desenvolvimento de atividades que facilitassem a aprendizagem nas Ciências Humanas. O laboratório foi projetado para uma unidade escolar municipal de Cabo Frio, localizada em uma região periférica, que atende estudantes do segundo segmento do Ensino Fundamental.
A cidade de Cabo Frio tem uma rica história local, que pode ser um recurso valioso para práticas pedagógicas, permitindo a integração entre os componentes curriculares e a relação entre o sujeito e o espaço local. Explorar essa potencialidade é fundamental para que o estudante estabeleça uma relação prática com sua comunidade, sua cidade e sua identidade, em um processo contínuo de construção.
Como destaca Eduardo de Almeida (2021),
a História local é um espaço privilegiado para problematizar as relações entre sujeito e espaço e permite repensar as relações hierárquicas entre nacional e regional. Percebe-se que o espaço (local ou global) não se define apenas pelos limites físicos e geográficos, mas principalmente por práticas políticas e relações de poder, ou seja, é uma construção política e simbólica. Ademais, diante de tantos desafios, é muito importante, antes de tudo, compreender a dimensão local da História, pois ao se ter clareza sobre tal dimensão, percebe-se que as relações e forças locais não estão necessariamente submetidas a uma determinação nacional ou global (Almeida, 2021).
A História, assim como os demais componentes curriculares da área de Ciências Humanas, aborda questões relacionadas às interações humanas e busca estimular a capacidade crítica dos estudantes, especialmente na interpretação do mundo ao seu redor. Além disso, as Ciências Humanas permitem que os estudantes “compreendam processos e fenômenos sociais, políticos e culturais” e “atuem de forma ética, responsável e autônoma diante de fenômenos sociais e naturais”, conforme preconizado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para os anos finais do Ensino Fundamental (Brasil, 2018, p. 356).
Com essa perspectiva, o laboratório foi projetado como um espaço interdisciplinar, promovendo a integração entre os educadores da escola e pesquisadores do câmpus local da Universidade Estácio de Sá (Unesa). O coordenador do projeto, atuando tanto na Educação Básica quanto na Educação Superior, facilitou a conexão entre as instituições, uma vez que possuía vínculos com ambas. Assim, o laboratório atende de forma imediata o público escolar e, simultaneamente, os estudantes da Graduação em Pedagogia da Unesa, promovendo o “intercâmbio de instituições de Ensino Superior e pesquisa com escolas da rede pública sediadas no Estado” (Faperj, 2021, p. 1) e possibilitando a transposição do saber acadêmico para o ambiente escolar.
Iniciado no final do segundo semestre de 2022, o projeto tem duração de 24 meses e está na metade do prazo previsto. No final de 2022, realizamos as primeiras reuniões de planejamento e definimos os recursos necessários para a execução das atividades previstas no plano de trabalho: pesquisas sobre a História local, desenvolvimento de atividades de extensão relacionadas à realidade local, formação de professores-multiplicadores e produção de material didático.
Adquirimos alguns equipamentos, materiais e serviços necessários, além de incentivarmos atividades tradicionalmente realizadas na unidade escolar, como a feira multidisciplinar e a semana da consciência negra. Essas ações são de grande relevância no cenário local, pois ajudam a construir e reafirmar a identidade dos estudantes e de sua comunidade. Em uma relação crítica com sua realidade, os estudantes, de forma autônoma, protagonizam práticas didáticas que expandem os objetos de conhecimento indicados pelos professores, sob supervisão dos graduandos em Pedagogia, permitindo uma transposição didática efetiva.
Os estudantes desenvolveram atividades artísticas e musicais, produziram textos sobre o cotidiano de seu bairro e cidade, tornaram-se autores de registros fotográficos e literários – expostos nas paredes da escola – e transformaram o espaço que ocupam por meio de intervenções e montagens diversas. Esses momentos se mostraram fundamentais para a construção de um conhecimento mais prático e diretamente ligado às questões e interesses da comunidade escolar.
Em outra atividade, a equipe de pesquisadores e graduandos da universidade organizou o acervo da sala de leitura da escola. Como em toda escola, havia uma grande diversidade de exemplares e gêneros literários, desde livros técnicos, como manuais, dicionários e enciclopédias, até obras voltadas ao lazer, como livros paradidáticos, revistas em quadrinhos e mangás. A organização do acervo seguiu três etapas antes da disponibilização dos exemplares: higienização, catalogação e acomodação. Todas essas etapas foram executadas pelos graduandos em Pedagogia, resultando em um espaço mais adequado ao uso pelos estudantes e pela comunidade escolar. Após a disponibilização, o projeto pretende desenvolver ações de incentivo à leitura e à produção literária, com o intuito de cultivar uma comunidade leitora e escritora.
Na continuidade do projeto, nosso objetivo é dar seguimento e apoio às atividades já em andamento, valorizando a cultura local e o protagonismo da comunidade escolar na condução das ações didáticas e dos projetos integradores tradicionais. Além disso, iniciaremos a produção de materiais e sequências didáticas baseadas em objetos de conhecimento relacionados à História local de Cabo Frio, abordando os "Temas Contemporâneos Transversais", como cidadania, direitos humanos, multiculturalismo e diversidade cultural na formação histórico-cultural local (Brasil, 2019, p. 6-10).
Por fim, é importante ressaltar que o projeto ainda está em execução, de modo que os resultados apresentados são parciais e demandam mais tempo para avaliarmos seus efeitos concretos no rendimento e no desempenho dos estudantes. Embora o processo de avaliação seja contínuo, ele não deve se limitar aos resultados imediatos já observados, mas permitir o entendimento dos impactos mais duradouros na formação dos estudantes, capacitando-os a enxergar e criticar o mundo ao seu redor.
Agradecimentos
Este trabalho contou com o apoio da Faperj, por meio do processo SEI-260003/015907/2021.
Referências
ALMEIDA, Eduardo de Carvalho de. A dimensão local do Ensino de História na rede municipal de Praia Grande. 31° SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA: HISTÓRIA, VERDADE E TECNOLOGIA. Anais... 2021. Disponível em: https://www.snh2021.anpuh.org/resources/anais/8/snh2021/1629430278_ARQUIVO_626960bcb6eb4d91df76d245f06cfcf2.pdf. Acesso em: 02 dez. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): educação é a base. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 21 nov. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Temas contemporâneos transversais na BNCC: propostas de práticas na educação. Brasília: MEC, 2019. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/guia_pratico_temas_contemporaneos.pdf. Acesso em: 21 nov. 2023.
FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS FILHO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FAPERJ). Edital Faperj nº 45/21 – apoio à melhoria das escolas da rede pública sediadas no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Faperj, 2021. Disponível em: https://siteantigo.faperj.br/downloads/Edital_FAPERJ_N%c2%ba_45_2021___Apoio_a_Melhoria_das_Escolas_da_Rede_Publica_Sediadas_no_Estado_do_Rio_de_Janeiro.pdf. Acesso em: 06 dez. 2023.
LOPES, Paulo Cesar de Almeida Barros. A covid-19, o retorno às aulas e o custo social do fechamento das escolas – o que pode ser feito? Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 20, nº 29, 4 ago. 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/29/a-covid-19-o-retorno-as-aulas-e-o-custo-social-do-fechamento-das-escolas-o-que-pode-ser-feito. Acesso em: 06 dez. 2023.
VASCONCELOS, J. C. et al. Infraestrutura escolar e investimentos públicos em Educação no Brasil: a importância para o desempenho educacional. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 29, nº 113, p. 874–898, out. 2021.
Publicado em 03 de dezembro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
REIS, Thiago de Souza dos. Implantação de um laboratório interdisciplinar de pesquisa e ensino de Ciências Humanas em Cabo Frio/RJ: história local e protagonismo dos estudantes. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 44, 3 de dezembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/44/implantacao-de-um-laboratorio-interdisciplinar-de-pesquisa-e-ensino-de-ciencias-humanas-em-cabo-friorj-historia-local-e-protagonismo-dos-estudantes
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