Ensinando recursos fitogenéticos por meio de uma sequência didática: construindo um banco didático de sementes de milho (Zea mays L.)

Tiago Maretti Gonçalves

Professor de Biologia, doutor em Genética Evolutiva e Biologia Molecular (UFSCar)

Espalhado pelos seis biomas terrestres e nos três grandes ecossistemas marinhos, o Brasil é o país que possui a maior riqueza de espécies em todo o mundo. Sua presença em zonas climáticas diferentes propicia a formação de vários biomas, e como exemplo pode-se citar a Floresta Amaz ônica (Ministério do Meio Ambiente, 2023). A Amazônia é um local em que vive e se reproduz um número maior que um terço das espécies de todo o nosso planeta (WWF, 2023); esse importante bioma ocupa nove estados brasileiros, com 5 milhões de quilômetros quadrados, contendo cerca de 30 mil espécies de plantas (Embrapa, 2023).

Abrigando cerca de 40% das florestas tropicais do mundo e uma biodiversidade sem paralelo, a Amazônia está ameaçada por atividades como desmatamento e queimadas. Essas práticas resultam na destruição de habitats, impactando espécies endêmicas e alterando drasticamente a composição dos ecossistemas. Além disso, o uso de queimadas como método de limpeza para agricultura é apontado como um dos principais fatores por trás das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade (Hubbell et al., 2008; Silva et al., 2022). Assim, perante as ações antrópicas os recursos fitogenéticos podem estar ameaçados, levando a uma grande perda de biodiversidade.

Segundo Veiga, Karasawa e Barbosa (2015, p. 433), os recursos fitogenéticos são explicados

como germoplasmas funcionais de plantas, com valor de uso atual ou futuro. Podem ser englobados em cinco categorias: a) Parentes silvestres; b) Populações locais (landraces) ou cultivares primitivas; c) Cultivares em desuso; d) Linhagens do melhoramento genético, mutações e outros produtos dos programas de melhoramento; e e) Cultivares modernas. Envolvem ciências distintas como: Genética, Melhoramento e Pré-melhoramento genético, Botânica Econômica, Biotecnologia, Educação Ambiental, Estatística etc.

Nesse sentido, é de grande import ância popularizar no ambiente escolar o ensino dos recursos fitogen éticos presentes no nosso país junto aos alunos do Ensino Médio na disciplina de Biologia, propiciando discussões e problematizações acerca do tema.

Outro pronto chave que merece destaque está no fato de permitir, por meio do ensino do tema, a formação de pessoas capacitadas para o desenvolvimento de ações e atividades que se relacionam à sustentabilidade dos recursos fitogenéticos (Dantas; Queiróz, 2015). Além disso, segundo Krasilchik (2019), quando o professor utiliza apenas aulas meramente expositivas em seu repertório didático, poderá fazer com que os alunos se sintam mais desmotivados, pois segundo a autora o déficit de atenção nessas aulas é uma realidade, culminando no risco de não aprendizado por parte dos alunos.

O principal objetivo deste artigo é a proposta de uma sequência didática promotora do conhecimento, permitindo facilitar a aprendizagem e popularizar o ensino da temática dos recursos fitogenéticos aos alunos do Ensino Médio em Biologia. Além disso, a atividade proposta permite ao docente abordar outros tópicos da Biologia, como é o caso da Botânica (Morfologia Vegetal) e Fisiologia Vegetal (fotossíntese e hormônios do crescimento).

Desenvolvimento da sequência didática proposta

A sequência didática pode ser aplicada aos alunos do 2º ano do Ensino Médio em Biologia; consiste em cinco etapas, conforme o fluxograma da Figura 1.

Figura 1: Proposta didática sobre recursos fitogenéticos

Na etapa 1, o professor apresenta aos alunos o tema da aula e reproduz o primeiro vídeo à turma. Esse vídeo é uma produção veiculada no YouTube (2020) pelo Canal Uma História a Mais; é intitulado: “Arcas do fim do mundo: os incríveis cofres do Ártico que podem salvar vidas” e tem duração de sete minutos. Após sua reprodução, o professor irá explicá-lo aos alunos, instigando discussões e problematizações por meio de um questionário apresentado na Figura 2, que pode ser impresso e entregue aos alunos.

Figura 2: Questionário norteador para imprimir e entregar aos alunos, referente ao vídeo 1 da sequência didática proposta

Em um contexto nacional, podem ser mostradas aos alunos fotos de bancos de germoplasma no Brasil, destacando o banco mantido pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), o maior do gênero no nosso país. Esse banco, além de conservar mais de 122 mil acessos de sementes, chamados Cole ção de Base de Germoplasma-Semente (Colbase), mantém armazenados partes de vegetais via cultura de tecidos (cultura in vitro), materiais criopreservados a temperaturas de -196°C ou a -150°C (fase a vapor) e uma expressiva coleção de DNA vegetal (Alelo, 2023). Com o vídeo 1, o professor poderá discutir a importância dos bancos de germoplasma de sementes, além de enfatizar a relevância da coleta, documentação, armazenamento e intercâmbio de germoplasma.

Figura 3: Banco de germoplasma da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), o maior do Brasil, localizado em Brasília/DF

Fonte: Acervo do Portal Alelo (2023), disponível em: https://alelo.cenargen.embrapa.br/numeros/Executar?acao=BGE.numeros.

O segundo vídeo é uma pequena película, também da plataforma do YouTube (2021), chamado “Sementes Crioulas”; tem duração de 3 minutos e 15 segundos. Após a sua reprodução, o professor pode comentar com os discentes a definição de sementes crioulas e qual a sua importância na agricultura familiar. Poderão ser levantadas questões sobre a diferença entre sementes transgênicas e sementes crioulas.

Além disso, poderão ser problematizadas ideias sobre vantagens e desvantagens no que tange ao uso de sementes crioulas, bem como à importância de existir um banco de sementes comunitárias. O professor também pode discutir com os alunos a existência de feiras de sementes, oportunizando aos produtores locais a aquisição e as trocas de sementes. Na Figura 4, está disposto um questionário que pode ser impresso e entregue aos alunos a fim de potencializar as discussões e problematizações.

Figura 4: Questionário norteador referente ao vídeo 2 da sequência didática proposta

Na etapa 2, que será atividade em campo, serão formados pequenos grupos de no m áximo quatro alunos. Os grupos ter ão como tarefa sair pela comunidade local buscando coletar sementes de variedades de milho. Aqui, o professor ir á explicar aos alunos que a coleta deve ser feita observando a coloração dos grãos de milho, seus formatos e variedades diversos. As sementes coletadas devem ser alocadas em pequenas garrafas PET ou saquinhos e identificadas pelo nome popular, utilizando uma caneta marcadora.

Os alunos devem se atentar para preencher a ficha de coleta (dados de passaporte) para cada variedade de milho coletada. Essa ficha será de grande importância, pois conterá os dados de coleta, como nome da espécie, variedade, local da coleta (coordenada de GPS) e outras informações que os coletores (alunos) julgarem necessários anexar (Figura 5). Na ficha, o código de coleta é um dado fictício que os alunos irão criar para identificação das sementes coletadas. As coordenadas geográficas podem ser facilmente conseguidas por meio de um smartphone. Cada ficha deverá ser anexada no saquinho ou garrafa junto com a semente referente à sua coleta. Em sala de aula, o professor irá examinar as fichas e discuti-las com os alunos.

Figura 5: Ficha de coleta que será impressa e entregue aos alunos para preenchimento na atividade em campo

Na etapa 3, que ocorrerá em sala de aula, os grupos irão apresentar perante a turma as sementes coletadas, evidenciando as variedades e as cores das sementes, permitindo que os alunos leiam os dados preenchidos na ficha de coleta. Aqui poderá ser escolhida uma ou outra ficha pelo grupo para sua leitura na turma, no intuito de otimizar o tempo. O professor, após a apresentação dos grupos, poderá explicar a importância das fichas de coleta, ressaltando os dados de GPS e o código de coleta em um banco de germoplasma.

Poderão ser resgatados os conhecimentos sobre Botânica utilizando o milho, Zea mays L. como exemplo; para isso, o professor irá discutir sua morfologia no que se refere a estrutura e função da planta, seu fruto seco (cariopse), sementes e raiz. Também pode ficar como sugestão ao professor abordar com os alunos a temática de Fisiologia Vegetal no que tange à fotossíntese (o milho é uma planta C4), o que garante grande eficiência fotossintética.

Para facilitar a aprendizagem e a visualização do conteúdo, o professor pode trazer em sala de aula plantas de milho, evidenciando sua morfologia. Essas plantas podem ser distribuídas pela turma, fazendo com que os alunos possam manipulá-la e observar suas características morfológicas in loco, ao mesmo tempo que é explicada pelo professor.

Na etapa 4, será feita a feira de pratos típicos, em que a turma irá levar pratos variados feitos de milho. Na aula anterior, os grupos serão incumbidos de preparar iguarias como bolo de milho doce, salgado, curau, pamonha e pipoca. Para eessa etapa, poderá ser convidada a comunidade local, como pais dos alunos e líderes comunitários, guardiões de casas de sementes, entre outros, para apreciação dos pratos típicos, sendo uma oportunidade de convívio coletivo e troca de informação em descontração.

Na etapa 5, parte final da sequência didática, os alunos terão como tarefa elaborar um relatório com os principais pontos discutidos em sala de aula, no intuito de avaliar a atividade.

Resultados esperados e discussão

Como resultados esperados para a proposta didática, podemos prever um impacto positivo no processo norteador do ensino e da aprendizagem nos alunos. As discussões e problematizações realizadas pelo professor irão permitir que os discentes possam interiorizar e assimilar o conhecimento mais significativamente. Assim como discute Krasilchik (2019), muitos docentes não integram discussões à sua realidade em sala de aula e um dos motivos é a ausência de segurança para fazê-las; no entanto, podem ser embasadas como um convite ao raciocínio lógico, tornando o ensino mais ativo.

Briccia (2013, p. 115) ressalta que “a problematização é algo muito importante dentro da Ciência. A existência de um problema é o mote de propulsão do conhecimento”. Nesse escopo, a etapa de construção do banco de didático de sementes também pode se iniciar com o professor lançando a problemática: “como construir um banco didático de sementes”? Nesse momento, os alunos serão instigados a discutir em grupo como fazer tal tarefa, e o professor irá se tornar o mediador, permitindo uma aprendizagem mais ativa. Quando fora da escola, na atividade de campo para a coleta de sementes, os alunos terão que buscar dados, realizar pesquisas e entrevistar moradores locais; Krasilchik (2019) ressalta que essas tarefas são de grande impacto no processo de aprendizagem do aluno, pois permitem a ampliação de sua capacidade de observação.

Outro ponto relevante que pode ser discutido por meio dessa proposta educacional é o ensino de tópicos de Botânica, sanando o que é atualmente reconhecido como “cegueira botânica”. Segundo Ursi (2018), esse termo pode ser explicado como a incapacidade de pessoas – especialmente crianças, jovens e estudantes – de reconhecer a presença e a importância da Botânica no nosso dia a dia.

Na etapa da feira de degustações com pratos típicos feitos de milho, os alunos irão ter o contato com pais e líderes comunitários na escola, garantindo a troca de conhecimento e informações, sendo um momento muito rico de aprendizagem. Assim, a comunidade possui uma função fundamental na educação nas escolas, pois essa colaboração promove um ambiente de aprendizado que transcende os muros escolares e incorpora saberes que são fundamentais para a formação cidadã dos alunos.

De maneira voluntária ou por solicitação da instituição, todos têm a oportunidade de oferecer seu tempo e conhecimento para desenvolver saberes acadêmicos, debater questões importantes e procurar soluções para problemas sociais. Dessa forma, estabelecer uma relação entre a escola e a comunidade fortalece o desempenho dos alunos (Calado, 2020).

Como exemplo ilustrativo, encontra-se um banco didático de sementes construído por meio da coleta de 12 variedades de milho locais (Figura 6). Na Figura 7, está exemplificada uma ficha de coleta com os dados de passaporte preenchidos da variedade de milho preto ou roxo relacionado.

Figura 6: Exemplo de banco didático de variedades de sementes de milho, acondicionadas em saquinhos transparentes com feixe hermético

Figura 7: Exemplo de preenchimento dos dados da ficha de coleta (dados de passaporte) relacionado com o acesso coletado. Na ficha temos como exemplo a variedade milho preto ou roxo

Conclusões

A proposta da sequência didática apresentada desponta como valioso recurso de ensino e aprendizagem, permitindo facilitar e instigar a aprendizagem dos alunos. Vale a pena ressaltar que o protagonismo e a aprendizagem mais ativa dos alunos serão alcançados, aliando-se a teoria na prática de maneira mais lúdica e criativa.

Perspectivas de trabalhos futuros

Como sugestões de trabalhos futuros com base em contribuições deste artigo, podemos citar o trabalho proposto de Gonçalves (2021), intitulado “Ensinando os recursos genéticos por meio de um banco didático de germoplasma de feijão”, uma outra proposta de ensino profícua. Nesse âmbito, o autor destaca:

A prática dessa atividade, além do tema central dos recursos genéticos abordado, pode ser proposto ao mediador trabalhar outras áreas, como Botânica, Fisiologia Vegetal e Genética, além de outros assuntos correlatos como Gastronomia e Nutrição, tendo o banco de sementes de feijão como agente propulsor. Assim, com a realização dessa atividade, se acredita que possa impactar positivamente toda a sociedade, tornando os recursos genéticos um assunto cada vez mais presente na vida de todos (Gonçalves, 2021, p. 44).

Referências

ALELO. Banco genético. 2023. Disponível em: https://alelo.cenargen.embrapa.br/numeros/Executar?acao=BGE.numeros. Acesso em: 12 dez. 2023.

BRICIA, V. Sobre a natureza da Ciência e o ensino. In: CARVALHO, A. M. P. de (org.). Ensino de ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013. p.109-128.

CALADO, A. C. A. O papel da família no acompanhamento da vida escolar dos filhos. Revista Educação Pública, v. 20, nº 39, 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/39/o-papel-da-familia-no-acompanhamento-da-vida-escolar-dos-filhos. Acesso em: 17 nov. 2024.

DANTAS, A. C. V. L.; QUEIRÓZ, M. A. O ensino de recursos fitogenéticos no Brasil. In: VEIGA, R. F. A.; QUEIRÓZ, M. A. (eds.). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil. Viçosa: Ed. UFV, 2015. p. 415- 437.

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Bioma Amazônia. 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/contando-ciencia/bioma-amazonia. Acesso em: 12 dez. 2023.

FUNDO MUNDIAL PARA A NATUREZA (WWF – Brasil). Amazônia. 2023. Disponível em: https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/questoes_ambientais/biomas/bioma_amazonia/#:~:text=Na%20Amaz%C3%B4nia%20vivem%20e%20se,ambiente%20%C3%BAmido%2C%20com%20chuvas%20abundantes. Acesso em: 12 dez. 2023.

GONÇALVES, T. M. Ensinando os recursos genéticos por meio de um banco didático de germoplasma de feijão. RGNews, v. 7, p. 44-54, 2021. Disponível em: http://www.recursosgeneticos.org/revista/revista-rg-news94. Acesso em: 12 dez. 2023.

HUBBELL, S. P.; HE, F.; CONDIT, R.; BORDA-DE-ÁGUA, L.; KELLNER, J.; TER STEEGE, H. How many tree species are there in the Amazon and how many of them will go extinct? Proceedings of the Natural Academy of Sciences, v. 105, p. 11.498-11.504, 2008. Disponível em: https://www.pnas.org/doi/epdf/10.1073/pnas.0801915105 Acesso em: 17 nov. 2024.

KRASILCHIK, M. Práticas de Ensino de Biologia. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2019.

SILVA, L. F.; BATTAZZA, A.; SOUZA, N. F. de; SOUZA, N. F. D.; ROCHA, N. S. Impactos das ações antrópicas aos biomas do Brasil. Meio Ambiente (Brasil), v. 4, nº 1, p. 21-44, 2022. Disponível em: https://www.meioambientebrasil.com.br/index.php/MABRA/article/view/172. Acesso em: 17 nov. 2024.

URSI, S. Cegueira botânica. Você sabe o que é? 2018. Disponível em: http://botanicaonline.com.br/site/14/pg13.asp Acesso em: 12 dez. 2023.

VEIGA, R. F. A.; KARASAWA, M. M. G.; BARBOSA, W. Glossário de termos e expressões em recursos fitogenéticos - documentação e informação em recursos fitogenéticos. In: VEIGA, R. F. A.; QUEIRÓZ, M. A. (eds.). Recursos fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil. Viçosa: Ed. UFV, 2015. p. 415- 437.

YOUTUBE. Arcas do fim do mundo – os incríveis cofres do ártico que podem salvar a humanidade. Canal uma história a mais. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TFCb06ny2rM Acesso em: 17 nov. 2024.

YOUTUBE. Sementes crioulas. Canal AS-PTA - agricultura familiar e agroecologia. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RuVILv9VBFk Acesso em: 17 nov. 2024.

Publicado em 19 de março de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

GONÇALVES, Tiago Maretti. Ensinando recursos fitogenéticos por meio de uma sequência didática: construindo um banco didático de sementes de milho (Zea mays L.). Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 10, 19 de março de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/10/ensinando-recursos-fitogeneticos-por-meio-de-uma-sequencia-didatica-construindo-um-banco-didatico-de-sementes-de-milho-zea-mays-l

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