O potencial de um álbum de figurinhas como recurso auxiliar na alfabetização de um aluno TEA do 1º ano do Ensino Fundamental

Thallytah Leite Alves

Profissional de Apoio Escolar da Seduc/AM), licenciada em Pedagogia (UniDBSCO)

Cristiane Duque de Souza Pantoja

Pedagoga na Seduc/AM, especialista em Metodologia do Ensino Superior (UEA)

O transtorno do espectro autista (TEA), também conhecido como autismo, “é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados” (Brasil, 2021). Essas particularidades influenciam diretamente o modo como esses alunos assimilam informações, aprendem e se envolvem no ambiente escolar. A alfabetização de alunos com TEA representa um desafio, uma vez que as necessidades específicas desses estudantes frequentemente exigem abordagens pedagógicas personalizadas, individualizadas e adaptativas.

No cotidiano da criança autista, pela observação e o estímulo constante e direcionado, o professor precisa detectar quais objetos e atividades são mais atrativos ao aluno, fazendo uso deles nas tarefas, conduzindo-o à aprendizagem sobre a função de cada objeto e seu manuseio adequado, fato que proporcionará a construção do conhecimento, conduzindo a um desenvolvimento significativo para a vida pessoal e social da pessoa autista (Souza; Santos, 2021, p. 3).

Por sua vez, Queiroz (2021) comenta que, para “alfabetizar tais crianças em ambiente escolar, dependendo do seu nível de TEA, pode ser preciso utilizar meios específicos e característicos dessa criança”. Embora as dificuldades e os desafios sejam reconhecidos, eles não devem ditar o curso do processo de ensino, como frequentemente ocorre. Para Mantoan (2015), a chave para o sucesso da aprendizagem está na exploração dos talentos individuais, na busca por novas oportunidades e no desenvolvimento das habilidades natas de cada aluno.

Nesse contexto, a inserção ou adaptação de métodos de ensino torna-se fundamental para atender às necessidades desses estudantes, garantindo uma educação inclusiva e eficaz, conforme preconizam as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 2 de 2001, em seu Art. 8º, inciso III:

Flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória (Brasil, 2001, p. 3).

Na mesma direção, Omote (2008) afirma que as estratégias e os recursos didáticos devem ser adequadamente adaptados em sala de aula, de forma que todos os alunos, independentemente de suas dificuldades e de suas necessidades, consigam alcançar os objetivos educacionais.

A escolha do álbum de figurinhas com a temática do personagem Homem-Aranha considerou, inicialmente, a vivência cotidiana do aluno, sua familiaridade com o personagem e sua capacidade de estimular o interesse visual e proporcionar uma abordagem lúdica, favorecendo a alfabetização. Isso é particularmente relevante considerando que, em algumas crianças com autismo, a percepção visual muitas vezes predomina sobre a auditiva (Donvan; Zucker, 2017).

A personalização desse recurso às particularidades do aluno com TEA, como o hiperfoco, criou um ambiente educacional mais familiar, acolhedor, lúdico e adequado às suas características individuais, promovendo uma aprendizagem mais significativa e inclusiva. Donvan e Zucker (2017) destacam que o hiperfoco nas áreas de interesse pessoal é uma característica comum em pessoas com autismo e que, ao incorporar esses interesses na prática educacional, é possível obter resultados mais positivos no processo de aprendizagem desses alunos.

Diante do exposto, este relato de experiência busca não apenas descrever a aplicação prática do álbum de figurinhas na alfabetização de um aluno com TEA, mas também analisar seu potencial como ferramenta complementar no contexto da inclusão educacional. Destacando os desafios encontrados, as estratégias empregadas e os resultados apresentados, este trabalho reflete sobre a importância da personalização de recursos pedagógicos para atender às necessidades individuais desses alunos no ambiente escolar.

Perfil do aluno e de seu ambiente escolar

A intervenção pedagógica foi realizada durante o ano letivo de 2023, enquanto havia uma atuação como profissional de apoio escolar, sob orientação da coordenação pedagógica da instituição de ensino, com uma criança de sete anos diagnosticada com autismo infantil, associado ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Trata-se de uma criança amável e prestativa, que demonstra grande apreço por seus professores, mas apresenta comunicação verbal limitada, desordens sensoriais e estereotipias bem acentuadas. A coexistência dessas características exigiu uma abordagem pedagógica adaptada às suas necessidades específicas.

O aluno em questão está matriculado na rede regular de ensino, cursa o 1º ano do Ensino Fundamental no turno vespertino em uma escola estadual localizada na zona urbana de Parintins, no Estado do Amazonas. A escola oferece as séries iniciais (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental) e funciona nos turnos matutino e vespertino.

Em relação à infraestrutura, a escola possui nove salas de aula climatizadas, com boa iluminação, além de sala dos professores, sala da gestão, secretaria e sala da coordenação pedagógica. No entanto, não dispõe de uma sala específica para atendimento educacional especializado (AEE). Também conta com biblioteca, quadra esportiva, cozinha e alimentação fornecida, sanitários, sistema de esgoto por fossa, energia elétrica, água tratada e coleta de lixo periódica. Atualmente, há 31 professores e 19 profissionais de apoio escolar (PAE), com 602 alunos matriculados, sendo 19 vinculados à Educação Especial.

Antes da intervenção, o aluno já apresentava conhecimentos prévios, como reconhecimento de letras do alfabeto, algumas famílias silábicas, formas geométricas, cores e contagem numérica. Apesar dessa familiaridade, enfrentava dificuldades significativas em áreas específicas, como leitura, escrita, articulação de fonemas e operações matemáticas básicas (adição e subtração). Além disso, tinha dificuldade em atividades que envolviam coordenação motora fina, como pintar e recortar figuras.

Processo de criação do álbum de figurinhas

O álbum de figurinhas foi criado e diagramado na plataforma Canva. As imagens de fundo do personagem Homem-Aranha foram obtidas no site Wallpaper 4K, e as imagens das figurinhas, no site Freepik, ambas sob licença Creative Commons. O álbum foi estruturado em duas seções, nomeadas “Português” e “Matemática”, para oferecer uma abordagem completa e integrada ao aprendizado. A seleção do tema Homem-Aranha buscou conectar-se ao hiperfoco do aluno, estimulando seu interesse e seu engajamento.

O álbum (Figura 1) possui 18 páginas com as atividades detalhadas no Quadro 1. As figurinhas foram distribuídas aleatoriamente em 22 pacotes com cinco unidades cada, totalizando 110 imagens adesivas.

Figura 1: Pequenos recortes do álbum

Quadro 1: Seções e conteúdos disciplinares do álbum

Português

Matemática

Vogais e consoantes: Figurinhas coloridas e cativantes representam cada vogal e consoante (família silábica).

Antecessor e sucessor: Figurinhas demonstrando números anteriores e sucessores.

Caça-palavras específicas: Atividades de caça-palavras focadas nas consoantes "h", "q", "k", "w" e "y".

Adição e subtração: Figurinhas representando os resultados de pequenas operações matemáticas básicas.

Pequenos textos: Histórias curtas ou frases que incentivam a leitura, enfatizando algumas consoantes no contexto.

Geometria: Figurinhas sobre formas geométricas planas e coordenadas de localização.

Implementação do álbum de figurinhas na prática

O processo de implementação ocorreu nos meses de outubro e novembro, correspondendo ao 4º bimestre letivo. O álbum de figurinhas foi apresentado ao aluno com o objetivo de despertar seu interesse e reforçar os conteúdos trabalhados nos bimestres anteriores. Cada página do álbum representava um componente essencial do processo de alfabetização, como letras, sílabas e números. A introdução do álbum envolveu a exploração visual do personagem Homem-Aranha, um dos hiperfocos do aluno, para estabelecer uma conexão emocional desde o início. Quando o educador reconhece e utiliza esses interesses como ponto de partida, amplia a conexão emocional e facilita a aprendizagem, a comunicação e a participação social do aluno (Mattos; Lione, 2023), criando um ambiente mais inclusivo e encantador aos olhos do estudante.

Durante as atividades escolares diárias, o álbum foi integrado às lições de Português e Matemática. O aluno era incentivado a realizar as atividades propostas pela professora regente. A cada tarefa concluída, ele era recompensado com um pacote de figurinhas, estratégia que não apenas reconhecia seu esforço, mas também estimulava uma associação positiva entre aprendizado e recompensas concretas. Cada momento de abertura dos pacotes tornou-se uma oportunidade valiosa para avaliar, informalmente, o progresso do aluno. Durante essas interações, incentivou-se a verbalização e a identificação de letras, sílabas, números e coordenadas de localização, consolidando os conhecimentos adquiridos de maneira prática e lúdica (Figura 2).

Figura 2: Recortes da utilização do álbum pelo aluno

Reflexões e desafios enfrentados durante a intervenção

A avaliação do progresso na alfabetização demonstrou avanços substanciais ao longo do período de implementação. O aluno apresentou melhorias significativas na identificação de letras e de sílabas, na formação de palavras, na compreensão de conceitos fundamentais de leitura e de escrita e no entendimento dos princípios matemáticos das operações de adição e de subtração.

A alfabetização é um processo fundamental no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita das crianças. Nesse contexto, as letras desempenham papel central, pois são os elementos básicos que compõem as palavras e possibilitam a comunicação por meio da linguagem escrita. Aprender as letras e seu reconhecimento é um passo crucial para que as crianças possam avançar na sua jornada de alfabetização, adquirindo fluência na leitura e na escrita (Dreger; Schlosser, 2023, p. 20).

A adaptação do conteúdo do álbum ao contexto individual do aluno foi fundamental para os resultados positivos. Dreger e Schlosser (2023, p. 20) reforçam que “a adaptação de atividades permite que a criança participe ativamente, desenvolva suas habilidades cognitivas, motoras e sociais, promovendo uma aprendizagem significativa e inclusiva”.

Observações detalhadas indicaram um aumento significativo no engajamento do aluno nas atividades propostas pelo álbum de figurinhas. A abordagem visual e lúdica contribuiu consideravelmente para a criação de um ambiente de aprendizagem estimulante, gerando maior motivação para participar de atividades de leitura e de Matemática e impactando positivamente sua interação no ambiente escolar.

Pontos positivos incluíram a eficácia das estratégias visuais e lúdicas na adaptação do aluno ao método de ensino. No entanto, a análise crítica identificou desafios, como a necessidade constante de ajustes para atender às particularidades do aluno e a falta de recursos específicos para apoiar certos aspectos do processo de aprendizagem. Esses desafios evidenciam a importância da flexibilidade e da personalização na implementação de abordagens inclusivas.

A flexibilização do currículo fortalece laços e também a parceria entre pais e educadores, permitindo uma harmonização de objetivos no ambiente escolar, alinhada às competências necessárias para a educação de alunos com autismo (Oliveira, 2020). Nesse sentido, Cruz (2022, p. 75) afirma:

O trabalho com a criança autista requer planejamento, especialmente em consideração às características individuais da criança, seu potencial e interesse. O profissional precisa conhecer o aluno para planejar o trabalho e adaptar as atividades para cada caso.

Trabalhar com crianças autistas é como construir um caminho único, considerando suas habilidades e seus interesses. É fundamental que professores, escola, outros profissionais e a família estejam envolvidos e conheçam profundamente a criança, ajudando-a a progredir e se desenvolver de maneira significativa.

As reflexões finais destacam a adaptabilidade da abordagem proposta para outros contextos educacionais. Os resultados obtidos indicam que a estrutura do álbum de figurinhas temático pode ser facilmente ajustada para atender às necessidades específicas de diferentes alunos, sejam atípicos ou não, demonstrando seu potencial de aplicabilidade em diversos ambientes e situações educacionais.

Considerações finais

O álbum de figurinhas demonstrou ser um recurso potencializador no processo de alfabetização e no desenvolvimento matemático do aluno autista do 1º ano do Ensino Fundamental. Ao conectar o conteúdo educacional aos interesses específicos do discente, como o personagem Homem-Aranha, a ferramenta mostrou-se não apenas educativa, mas também motivadora, proporcionando um ambiente favorável ao aprendizado e estimulando a participação ativa do aluno em seu próprio processo educacional. A aplicação deste recurso leva à reflexão sobre as possibilidades de uso de didáticas inovadoras, especialmente no trabalho com crianças da Educação Especial, que demandam, peculiarmente, uma abordagem diferenciada.

A Educação Especial enfrenta desafios como escassez de recursos, infraestrutura precária e falta de formação docente adequada. Mesmo assim, esta experiência demonstra que a inclusão social de autistas é viável e pode favorecer seu desenvolvimento intelectual de forma significativa.

Referências

ALVES, Thallytah. V. 1.1_Álbum de figurinhas do Homem-Aranha. Elaborado na plataforma Canva. Parintins, 2023. Disponível em: https://www.canva.com/design/DAF08B2fGv0/_3dTq1GzcHz8xTNPSkez7w/edit. Acesso em: 10 set. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 02, de 11 de fevereiro de 2001. Institui diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/re-solucaocne.pdf. Acesso em: 10 dez. 2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Transtorno do espectro autista (TEA) na criança: definição. Brasília: MS, 2021. Disponível em: https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/transtorno-do-espectro-autista/definicao-tea/. Acesso em: 12 out. 2023.

CRUZ, Solange Aparecida Pacheco. Educação Inclusiva e autismo: teoria e prática para o processo de alfabetização. Caderno Intersaberes, v. 11, nº 32, p. 61-77, 2022.

DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

DREGER, Aline Silveira; SCHLOSSER, Vivian. Alfabetização de crianças autistas : uma revisão de literatura. 2023. 31f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Pedagogia) – Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, 2023.

FREEPIK. Vetores. 2023. Disponível em: https://br.freepik.com/vetores. Acesso em: 20 set. 2023.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Summus, 2015.

MATTOS, Michele Morgane de Melo; LIONE, Viviane de Oliveira Freitas. O brincar das crianças com o transtorno do espectro autista na Educação Infantil. Olhares: Revista do Departamento de Educação da Unifesp, v. 11, nº 1, 2023.

OLIVEIRA, Francisco Lindoval. Autismo e inclusão escolar: os desafios da inclusão do aluno autista. Revista Educação Pública, v. 20, nº 34, 8 set. 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/34/joseph-autismo-e-inclusao-escolar-os-desafios-da-inclusao-do-aluno-autista. Acesso em: 2 jan. 2024.

OMOTE, Sadao. Diversidade, educação e sociedade inclusiva. In: OLIVEIRA, Anna Augusta Sampaio de; OMOTE, Sadao; GIROTO, Claudia Regina Mosca (org.). Inclusão escolar: as contribuições da Educação Especial. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Fundepe Editora, 2008. p. 15-32.

QUEIROZ, Rana Letícia Oliveira de. Alfabetização de criança com TEA: um relato de experiência. 2021. 53f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Pedagogia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caicó, 2021.

SOUZA, José Clécio Silva de; SANTOS, Décio Oliveira dos. O autista com dificuldade de leitura e escrita – métodos de aprendizagem. Revista Educação Pública, v. 21, nº 21, 8 jun. 2021. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/21/o-autista-com-dificuldade-de-leitura-e-escrita-metodos-de-aprendizagem. Acesso em: 23 out. 2023.

WALLPAPER 4K. Wallpapers do Homem-Aranha em 4K para PC e celular. 2023. Disponível em: https://wallpaper4k.com.br/wallpapers-do-homem-aranha-em-4k-para-pc-e-celular/. Acesso em: 10 set. 2023.

Publicado em 09 de julho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

ALVES, Thallytah Leite; PANTOJA, Cristiane Duque de Souza. O potencial de um álbum de figurinhas como recurso auxiliar na alfabetização de um aluno TEA do 1º ano do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 25, 9 de julho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/25/o-potencial-de-um-album-de-figurinhas-como-recurso-auxiliar-na-alfabetizacao-de-um-aluno-tea-do-1-ano-do-ensino-fundamental

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1 Comentário sobre este artigo

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Professor Walter • 3 meses atrás

Excelente artigo! Obrigado pela colaboração e Parabéns pelo excelente trabalho!!!

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