Propostas para o desenvolvimento da integração disciplinar e de uma educação transformadora

Miriam de Souza Oliveira Machado

Mestra em Ensino (PPGEn Infes/UFF), professora da rede particular de Minas Gerais e do Rio de Janeiro

Adílio Jorge Marques

Doutor em História (UFRJ), professor do Departamento de Tecnologias e Linguagens da UFRRJ

Como nos apresenta Santos (2008), a fragmentação do conhecimento não faz mais sentido atualmente, já que propostas de trabalho que envolvam o aumento do interesse discente se mostra como algo a ser ainda alcançado. Pensar em uma educação voltada para o aluno deve fazer parte das propostas para o campo educacional nacional. Observamos que já temos no Brasil escolas desenvolvendo projetos com práticas educativas inovadoras, nas quais os alunos conseguem expor suas ideias e entender o significado de um aprendizado expressivo, mesmo na relação entre Ciências Humanas e aquelas da natureza. Infelizmente hoje nos encontramos com uma educação fragmentada, pois

esse é o princípio da fragmentação. Como consequência dele, a prática pedagógica tendeu a organizar-se nos moldes da disjunção dos pares binários: simples-complexo, parte-todo, local-global, unidade-diversidade, particular-universal; em contrapartida, cristalizou-se a subdivisão do conhecimento em áreas, institutos e departamentos, cada qual delimitado pelas fronteiras epistemológicas. Cada instituto ou departamento organiza seus respectivos cursos por meio de listas de diferentes disciplinas. São as grades curriculares que, na prática, funcionam como esquemas mentais ao impedirem o fluxo de relações existentes entre as disciplinas e áreas de conhecimento (Santos, 2008, p. 72).

Propostas de trabalho de cunho inovador, quando surgem, desenvolvem o senso crítico de nossos alunos, levando-os por caminhos educacionais que estão interligados às mudanças educacionais atuais, utilizando para tal os diversos meios tecnológicos e digitais acessíveis à maioria de nossos jovens. Assim, para que tenhamos uma prática dialógica de forma ativa no contexto escolar, é importante que as barreiras entre as disciplinas sejam deixadas de lado, propondo uma nova conduta frente ao conhecimento. Nasce uma conduta que presume, segundo Japiassu (1976), a superação dos diversos obstáculos epistemológicos. Esse autor entende o termo obstáculo epistemológico como,

em primeiro lugar, todas as resistências ou empecilhos colocados pelos especialistas aos contatos, as aproximações, as comunicações, as pontes, as relações fecundantes e criadoras, os confrontos, em suma, as integrações das disciplinas; em segundo lugar, a inércia das situações adquiridas e das instituições de ensino e de pesquisa que continuam a valorizar a especialização culminando na fragmentação das disciplinas; em terceiro lugar, a Pedagogia que só leva em conta a descrição ou a análise objetiva dos fatos observáveis para deles extrair leis funcionais, o que implica uma repartição das disciplinas com fronteiras fixas e rígidas, pois estas se devem à diversidade das categorias de observáveis; enfim, o não questionamento das relações atuais entre as ciências ditas humanas e as ciências chamadas de naturais (Japiassu, 1976, p. 93).

Propostas escolares

As escolas do Ensino Básico, de modo geral, devem estar preparadas para trabalhar as diferentes culturas de forma interdisciplinar. Todavia, ainda é muito difícil encontrar propostas de integração disciplinar, principalmente no Ensino Médio (EM). Devemos lutar para a construção de um sistema educacional ativo que leve os nossos alunos a pensar criticamente e a lutar por seus ideais e, da mesma forma, a expor suas opiniões, participar ativamente da sociedade, sempre levando em consideração diversidades, culturas e habilidades (Freire, 1983). O conhecimento vem da dúvida, e ela deve promover nos nossos educandos a vontade de conhecer mais, de ir além. Por exemplo, Apple (2016) apresenta em seu livro Ideologia e currículo pontos significativos para um melhor desenvolvimento de nossas escolas. Esse autor comenta, em concordância com Coelho e Marques (2018), que devemos considerar as transformações atuais na educação, os ataques sobre a autonomia do professor e as condições de trabalho, os baixos salários e as ideologias atuais para buscar modificações representativas do pensamento educacional. Contudo, muito ainda precisa ser feito. Os seus comentários são embasados no processo educativo de Porto Alegre; no entanto, vale a pena analisar as políticas administrativas como um todo, e podemos usar isso como base para análises em âmbito nacional.

As políticas da administração popular de Porto Alegre são explicitamente elaboradas para mudar de maneira radical tanto as escolas municipais quanto as relações entre as comunidades, o Estado e a educação. Esse conjunto de políticas e os processos de acompanhamento de suas implementações são partes constitutivas de um projeto claro e explícito, cujo objetivo é construir não apenas uma melhor escola para os excluídos – e para os professores que tanto trabalham por ela –, mas também um projeto maior de democracia radical. Embora as reformas construídas em Porto Alegre ainda estejam em processo, o que se faz lá pode ser crucial não “apenas” para o Brasil, mas para todos nós, em diferentes países, que lutamos nas salas de aula e nas escolas com o objetivo de criar uma educação que sirva a todas as crianças e comunidades (Apple, 2016, p. 14-15).

Para pensar em uma escola que aplique de forma intrigante a interlocução entre culturas (como as Ciências Humanas e as Ciências Naturais), é necessário que o processo educacional seja revisto. Muitas vezes valorizamos determinadas disciplinas e outras não são levadas com a mesma seriedade. As avaliações externas realizadas em escolas públicas cobram conhecimentos específicos em determinadas disciplinas e outras nem são citadas.

Observamos que diversos pensadores e estudiosos defendem a ideia de propostas pedagógicas integradoras serem aplicadas ativamente na escola, como Michel Serres, Hilton Japiassu, Ivani Catarina Fazenda e Zygmunt Bauman, dentre outros. Eles apontam a importância de mudanças rápidas, inovadoras e conscientes no contexto educacional de nosso país (Machado; Marques, 2019). A preparação de nossos alunos para o mundo e para a vida em sociedade precisa ser desenvolvida ativamente também dentro da escola, quando eles estão diretamente conectados com todo tipo de informação tecnológica, pedagógica, curricular, cultural e social. Nesse sentido, se o ensino curricular for passado para o corpo discente de forma inovadora, interessante e criativa, o envolvimento dele será melhor.

As tarefas da escola vão além das aspirações de preparar para o trabalho, embora ela contribua para essa tarefa. Pretende-se formar para a cidadania, a educação média deve atualizar histórica, social e tecnologicamente os jovens cidadãos. Isso implica a preparação para o bem viver, dotando o aluno de um saber crítico sobre o trabalho alienado. Como última etapa da Educação Básica, o Ensino Médio tem como finalidade consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, além de possibilitar o prosseguimento de estudos. No Art. 35 da LDB, fica claro também que a finalidade do Ensino Médio é “a preparação para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo que seja capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”. Tais dispositivos legais deixam à mostra a própria condição desse grau de estudos de se relacionar com dois outros níveis de ensino. Ensino Médio é o que está no meio, entre o Fundamental e o Superior (Domingues, 2000, p. 68).

Apesar de observarmos em nosso campo educacional a disciplinarização e os conteúdos fragmentados em disciplinas específicas, a interdisciplinaridade e a integração curricular vêm ganhando espaço no desenvolvimento do processo formativo das escolas. Frequentemente assistimos a importantes discussões sobre esse tema e sobre a reorganização do conhecimento. Segundo Santomé (1998, p. 45), “a cultura, mentalidade e expectativas de qualquer pessoa são fruto de uma história vivida no seio de uma ou várias famílias, resultado de sua participação ativa dentro de grupos sociais étnicos, de gênero, de condicionantes geográficos, históricos, biológicos etc.”.

Se a variedade de experiências na vida humana é admitida como contextualização educacional, tem-se, por consequência, uma realidade multidimensional. A aposta no processo de integração curricular acredita na expectativa e na oportunidade de aproximação entre as diversas áreas do saber, adicionando-as às diversidades culturais, o que “significa defender um novo tipo de pessoas, mais abertas, flexíveis, solidárias, democráticas e críticas” (Santomé, 1998, p. 45).

Considerando as mais variadas necessidades educativas encontradas na escola, ela se estabelece cada vez mais como um lugar no qual a mediação cultural acontece ativamente, incluindo a reestruturação da cultura.

Com efeito, crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e internalizar os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo. Para isso, é necessário pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva. A didática hoje precisa comprometer-se com a qualidade cognitiva da aprendizagem e esta, por sua vez, está associada à aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituir como sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para se defrontarem com dilemas e problemas da vida prática (Libâneo, 2001, p. 4).

Analisando as ideias de Libâneo (2001), vemos que as discussões e preocupações constantes sobre o desenvolvimento de propostas inovadoras – e que precisam ser aplicadas em nossas escolas – são realmente importantes. Edgar Morin demonstra a importância das atividades que aprimoram a inteligência geral de nossos alunos, o que os leva a diferenciar o multidimensional, o social, o cultural, o global e a integração dos mais variados elementos dentro do seu contexto de formação pedagógica e curricular. O pensador francês destaca:

o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular. [...] Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral (Morin, 2011, p. 36-37).

A busca por soluções

Discutir e encontrar soluções é algo constante nas políticas públicas, ao menos em tese. Vemos, contudo, a fragmentação do conhecimento dentro de nossas escolas. Sendo assim, para que ocorra transformação significativa no nosso processo formativo educacional, talvez devamos unir as diversas áreas do conhecimento, Humanas e Exatas, como ponto de partida para uma evolução profunda na formação educacional da sociedade, como afirma Morin (2011, p. 37): “a educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral”. Assim, desenvolver atividades educativas nas quais os procedimentos tecnológicos sejam utilizados ativamente poderia ser uma alternativa importante para o desenvolvimento educacional, juntamente com propostas e ideias de integração curricular. Unir informação, tecnologia, cultura, sociedade e as ciências de forma integrada em nossas instituições educacionais poderia ser uma saída para o aumento do nível de desenvolvimento educativo (ao menos no Brasil). Promover atividades que motivem os alunos, desenvolvendo o senso crítico, o interesse pela pesquisa e a elaboração de propostas disciplinares diferenciadas são propostas que propomos que sejam valoradas (Machado; Marques, 2018).

A organização de aulas diferenciadas também precisa acontecer ativamente, porém é muito importante a participação ativa da comunidade escolar. O conservadorismo e a rotina são fatais para a aprendizagem. Observamos que a formação de professores não está colocando no mercado de trabalho, faz algum tempo, profissionais para desenvolverem esse tipo de trabalho inovador em sala de aula.

O tipo de formação inicial que os professores costumam receber não oferece preparo suficiente para aplicar uma nova metodologia nem para aplicar métodos desenvolvidos teoricamente na prática de sala de aula. Além disso, não se tem a menor informação sobre como desenvolver, implantar e avaliar processos de mudança (Imbernón, 2002, p. 41).

Percebe-se logo que a motivação de nossos alunos deve ser o primeiro passo a ser dado para que o processo de integração curricular aconteça, mas os professores precisam estar preparados, elaborando propostas que levem os alunos a ter interesse no que estão aprendendo. Uma possibilidade para o desenvolvimento do gosto pela pesquisa nos alunos seria utilizar a tecnologia associada ao currículo escolar, pois isso desenvolveria o empreendedorismo, a criatividade e a busca pelo inovar. O significado marcante do trabalho, e de futuro, deve ser o agir como equipe: “criar um ambiente de poder compartilhado, no qual os indivíduos são fortalecidos, e os grupos são vistos como dignos de confiança e competentes para enfrentar os problemas. O sistema hierárquico é inerente a toda a nossa cultura” (Rogers, 1983, p. 65-66).

Preparar aulas atrativas, inovadoras, que levem os alunos a pensar, a sentir-se interessados pelo que estão aprendendo mostra-se, assim, muito importante. O professor precisa ser o mediador no processo de ensino-aprendizagem, incentivando sempre que seus alunos desenvolvam pesquisas, apresentem resultados, fazendo com que integrem conhecimentos prévios de sua bagagem social e cultural com o que aprendem na escola. A associação com as tecnologias poderá levar a cidadãos críticos, criativos, inseridos na sociedade atual: “todos nós, que estamos envolvidos em educação, precisamos conversar, planejar e executar ações pedagógicas inovadoras, com a devida cautela, aos poucos, mas firmes e sinalizando mudanças” (Moran, 2009, p. 355).

Conclusão

Sem dúvida, estamos diante de um grande desafio: fazer com que o processo de integração disciplinar aconteça de forma efetiva e ativa em todas as escolas da Educação Básica. A inovação depende de também dos professores, sendo professores-pesquisadores e, com isso, incentivando os discentes. A união dos docentes das variadas disciplinas da grade curricular precisa acontecer de maneira dinâmica, realizando o elo entre Humanas e Exatas juntamente com a utilização das tecnologias. Isso iria proporcionar inovação em nosso contexto educacional e estaríamos desenvolvendo atividades interessantes em nossas escolas.

Precisa-se reconhecer a urgência de mudança no sistema educacional, com a valorização docente, a formação continuada e o respeito com os profissionais da Educação, que estão a todo momento enfrentando dificuldades geradas por sistemas políticos anacrônicos. Devemos perceber todas as mudanças de nosso tempo, conectadas com o avanço tecnológico, o que poderá atender às necessidades e os desafios estabelecidos pelo século XXI.

Referências

APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. Porto Alegre: Artmed, 2016.

COELHO, Lincoln Mansur; MARQUES, Adílio Jorge. Perspectivas para o ensino de História no Brasil: à sombra do caos. Gnarus Revista de História, v. IX, nº 9, set. 2018.

DOMINGUES, José L. et al. A reforma do Ensino Médio: a nova formulação curricular e a realidade da escola pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, nº 70, p. 63-79, abr. 2000.

FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2002.

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LIBÂNEO, José Carlos. O essencial da didática e o trabalho de professor em busca de novos caminhos. Goiânia: EdPuc-GO, 2001.

MACHADO, Miriam de Souza Oliveira; MARQUES, Adílio Jorge. Cultura e diversidade cultural no processo formativo educacional. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 18, 2018. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/10/cultura-e-diversidade-cultural-no-processo-formativo-educacional. Acesso em: 23 mar. 2025.

MACHADO, Miriam de Souza Oliveira; MARQUES, Adílio Jorge. Debates decorrentes das “duas culturas”: caminhos para uma educação igualitária por Charles Snow e Zygmunt Bauman. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 19, nº 20, 17 de setembro de 2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/21/debates-decorrentes-das-rduas-culturasr-caminhos-para-uma-educacao-igualitaria-por-charles-snow-e-zygmunt-bauman. Acesso em: 20 maio 2024.

MORAN, José Manuel. A contribuição das tecnologias para uma educação inovadora. Revista Contrapontos, v. 4, nº 2, p. 347-356, 2009.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. rev. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2011.

ROGERS, Carl. Um jeito de ser. São Paulo: EPU, 1983.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SANTOS, Akiko. Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco princípios para resgatar o elo perdido. Revista Brasileira de Educação, v. 13, nº 37, p. 71-83, 2008.

Publicado em 23 de julho de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

MACHADO, Miriam de Souza Oliveira; MARQUES, Adílio Jorge. Propostas para o desenvolvimento da integração disciplinar e de uma educação transformadora. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 27, 23 de julho de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/27/propostas-para-o-desenvolvimento-da-integracao-disciplinar-e-de-uma-educacao-transformadora

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