Implicações dos estigmas da colonialidade: uma análise da questão racial à luz da educação

Juliana Mota Riscado

Mestra em Novas Tecnologias Digitais da Educação (UniCarioca), pós-graduada em Psicopedagogia (Faveni), graduada em Pedagogia (UFF), professora da Fundação Municipal de Educação de Niterói

Manuela Teixeira Gonçalves Alves

Mestranda em Novas Tecnologias Digitais da Educação (UniCarioca), pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil (Emerj), graduada em Direito e Gastronomia, professora do curso de Gastronomia do IBMR

Thiago José Antonio da Silva

Mestre em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca), pós-graduado em Educação Especial Inclusiva (Censupeg) e em Direito e Processo do Trabalho (UCAM), graduado em Direito (Universo), professor da Fundação Municipal de Educação de Niterói, docente da Prefeitura de Maricá

Alessandro Jatobá

Pós-doutor (IEN), doutor em Engenharia de Produção (Coppe/UFRJ), bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Jovem Cientista do Nosso Estado da Faperj, co-chair do Comitê de Resiliência da International Ergonomics Association, pesquisador e professor na Fundação Oswaldo Cruz

Rosa Lidice de Moraes Valim

Doutora em Psicossociologia (Eicos/UFRJ), mestre em Design e Sociedade (PUC-Rio), bacharel em Comunicação Social (PUC-Rio), professora do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca, pesquisadora associada do GT de Tecnologias Sociais para Popularização da Ciência

Veronica Eloi de Almeida

Doutora e mestra em Sociologia (UFRJ), bacharel em Ciências Sociais (UERJ), docente do mestrado profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca, do IFRJ e da UERJ

O colonialismo no Brasil refere-se ao período em que o país foi colônia de Portugal, desde 1500 até 1822, quando o país conquistou sua independência. A exploração do Brasil Colônia era baseada na extração de recursos naturais, como o pau-brasil, e na organização de atividades econômicas lucrativas, como mineração e plantação de cana-de-açúcar. Portugal escravizou povos indígenas e africanos para explorar economicamente o território brasileiro (Mesgravis, 2015).

A colonização portuguesa impôs a cultura europeia sobre a população nativa. Mesgravis (2015) salienta que a contraposição da cultura do colonizador versus hábitos de algumas tribos indígenas fez com que estes últimos fossem classificados como selvagens e não humanos. Essa concepção fortaleceu a ausência de questionamentos morais diante da escravização e violência contra os povos indígenas, a despeito do quão religiosos fossem os colonizadores.

A aculturação era reforçada pelas técnicas empregadas pelos portugueses nos processos de captura e transporte de escravos africanos para o Brasil, com mescla de pessoas negras de diferentes regiões e com a separação de parentes. Segundo Mesgravis (2015), a diáspora forçada evitou a formação de grupos de apoio e resistência.

Como sistema de ocupação, o colonialismo deixou marcas no território e nas estruturas sociais e econômicas do Brasil (Santos, 2019). O fim da ocupação territorial do Brasil pelos portugueses com os processos de independência deu início a novos momentos e espaços de exploração e desigualdade social: o poder colonial continuava posto (Quijano, 2005).

O cenário político, aliado à ausência de cuidado com a formação da população negra, reforçou de tal forma a divisão da sociedade brasileira entre colonizadores europeus (ocupantes das posições de poder) e escravos (marginalizados e explorados) que a cisão permanece até os dias atuais (Santos, 2019), reforçada pela narrativa neoliberal. A desigualdade social, o racismo e a marginalização de grupos étnicos permanecem uma realidade no Brasil.

As origens da Educação brasileira à época do Brasil Colônia, remontam à proposta jesuíta de Manoel da Nóbrega, com vistas à formação do homem cristão (Ghiraldelli Júnior, 2009). O modelo pedagógico eurocêntrico foi apoiado pela educação cristã e reforçado pela Carta de Pero Vaz, que sugeria a necessidade de aculturação dos sujeitos (Leite, 2019).

A proposta de uma Epistemologia do Sul (Santos, 2019) é reforçada pela visão de Quijano (2005), ao compreender que a mudança de cenários políticos passa necessariamente pela libertação da visão eurocêntrica imposta pela colonialidade.

Trata-se de abordagem que questiona a importância atribuída ao conhecimento de grupos historicamente marginalizados e dá visibilidade a outras formas de saber (Santos, 2019); sobre o tema afloram movimentos como o programa de investigação MC (Modernidade/Colonialidade) e a proposta de um “giro decolonial” (Ballestrin, 2013). Não há, no entanto, na agenda do MC, discussões sobre a decolonialidade brasileira ou enfrentamentos sobre a colonização portuguesa no Brasil: no grupo de pesquisa em questão, não há pesquisadores brasileiros (Ballestrin, 2013).

No âmbito da educação, a discussão do tema ganha corpo com o fortalecimento do pensamento pós-colonial ou anticolonial como corrente de pensamento (Santos, 2019), e nesse contexto surgem discussões e visões sobre a urgência de descolonização de currículos (Bernardino-Costa, 2018). Currículos representam a instrumentalização de sistemas sociais e estão impregnados do contexto social e “condicionamentos históricos” (Sacristán, 2017), na medida em que o currículo é uma representação social e educativa.

Considerando que a colonialidade é a propagação do pensamento colonial, expressa em relações dominantes de poder, saber e ser (Ballestrin, 2013), a “colonialidade do poder” consiste na identificação dos povos conforme certos fenótipos estabelecidos e impostos pelo pensamento Ocidental (Quijano, 2005); a colonialidade do saber é expressa pela negação ou invisibilidade do conhecimento produzido pelos países marginalizados (Lander, 2005); a “colonialidade do ser” refere-se à “experiência vivida da colonização e o seu impacto na linguagem” (Maldonato Torres, 2007, p. 130).

Com base nas discussões sobre propostas curriculares antirracistas e outros processos educativos, Rufino publica Pedagogia das encruzilhadas: Exu como Educação (2019). A partir desse projeto político/epistemológico/ético, o autor faz uso da ideia de uma encruzilhada que cruze Norte e Sul como área de conflitos e tensões, em referência ao pensamento de Boaventura de Sousa Santos (2019). Destaca a necessidade de uma agenda política que denuncie os vínculos e os impactos da colonialidade na Educação e proponha formas de transgressão, a partir do fortalecimento de uma Educação intercultural e da elaboração de pedagogias decoloniais.

Segundo bell hooks (2013), uma Pedagogia da Transgressão, que envolve questionar e desafiar as normas estabelecidas na sala de aula e na sociedade em geral, acredita que os professores devem criar espaços de diálogo abertos e inclusivos, onde os estudantes possam expressar suas experiências, ideias e identidades sem medo de represálias ou marginalização. A autora também destaca a importância de integrar perspectivas marginalizadas nos currículos escolares, reconhecendo a diversidade cultural e promovendo a representação equitativa. Ela enfatiza a necessidade de uma educação crítica que capacite os estudantes a questionar, desafiar e transformar as estruturas opressivas presentes em nossa sociedade.

Assim, Santos (2019), em seu artigo Diversidades étnico-raciais na Educação Infantil, conclui que o educador tem papel essencial, ao enfrentar o desafio de desconstruir preconceitos e estereótipos culturalmente enraizados e persistir na busca por uma educação democrática, valorizando a diversidade desde a Educação Infantil.

Esse contexto implica estimular uma reflexão crítica sobre a realidade, permitindo um acesso democrático ao conhecimento, no qual todos reconheçam-se em seus direitos à própria história e cultura. Segundo Andrade (2019), em seu artigo Por uma educação antirracista: a importância da Lei nº 10.639/03, a incorporação da temática no cerne da prática pedagógica do docente emerge como ferramenta crucial para combater e minimizar a realidade associada ao preconceito, ao estigma, aos estereótipos e à discriminação racial.

Nesse sentido, a proposta de uma pedagogia decolonial se ocupa de buscar o direito à diferença, a apresentar as inter-relações entre os diversos saberes de forma igualitária para auxiliar na reorganização de currículos e práticas pedagógicas que subvertem a lógica do pensamento colonial (Walsh, 2007).

Desenvolvimento metodológico

Nesta pesquisa, foram consideradas produções acadêmicas de abordagem qualitativa. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa e exploratória, a fim de realizar uma revisão sistemática da literatura. Segundo Costa e Zoltowski (2014), ela constitui um método que permite potencializar a forma de uma busca para encontrar o maior número possível de resultados de maneira organizada. Ao desenvolver a questão de revisão desta pesquisa, foram considerados assuntos de relevância no cenário atual, orientado por questões relacionadas à temática da inclusão com abordagem na perspectiva decolonial, especificamente no âmbito da educação.

Para a sistematização e análise dos artigos que tratam da temática da perspectiva decolonial com ênfase na educação, foram considerados título e resumo. A base para realização da pesquisa foi o site Google Acadêmico. Ao realizar a pesquisa no site, utilizou-se a busca avançada e delimitada com os descritivos “perspectiva decolonial”, “raça” e “educação”. Os parâmetros de pesquisa utilizados foram: idioma português; recorte temporal nos anos de publicação de 2020 a 2023; e tipo de literatura artigos de revisão. Foram excluídas as teses, dissertações, livros e publicações de projetos e programas vinculados ao tema.

A análise quantitativa dos dados resultantes da busca retornou 54 artigos, dentre os quais 15 estavam relacionados à temática da perspectiva decolonial e raça no âmbito educacional, o que implicou a exclusão de 39 títulos. Dos 15 resumos lidos, ao analisar qualitativamente os dados resultantes da busca, observamos que somente sete estavam relacionados à temática raça e perspectiva decolonial na esfera educacional. Logo, foram excluídos oito, de modo que a extração de dados para o preenchimento da matriz síntese de revisão foi elaborada com base em sete trabalhos.

Resultados

Os resultados obtidos na pesquisa foram lançados em uma matriz da síntese do processo de revisão. Os trabalhos escolhidos na triagem final foram organizados no Quadro 1, contendo título, nome dos autores, método e área de atuação. Observam-se as diferentes áreas de atuação no âmbito educacional que enfatizam a perspectiva decolonial.

Quadro 1: Apresentação após triagem final de revisão

Título

 Autores

Método

Área de atuação

Possíveis impactos no Ensino de Ciências a partir da Educação das Relações Étnico-Raciais: uma revisão bibliográfica

Brenda Iolanda Silva do Nascimento, Fernanda Antunes Gomes da Costa

Revisão de literatura

Ensino de Ciências

Formação docente e Educação Escolar Quilombola: compreensão através de uma análise da literatura

Pedro Léo Alves Costa, Luciano Pires de Andrade, Horasa Maria Lima da Silva Andrade

Revisão sistemática de literatura

Educação Escolar Quilombola (EEQ)

Educação para as Relações Étnico-Raciais nas pesquisas em Educação Física e formação inicial: um estado do conhecimento

Keylla Amélia Dares Silveira, Wilson Alviano Júnior

Revisão sistemática de literatura

Educação Física

Raça e subjetividades negras: uma revisão integrativa sobre os desdobramentos da Lei nº 10.639/03

Taciane Reis Santana, Diego Arthur Lima Pinheiro

Revisão de dissertações

Educação Básica

Pensamento decolonial: uma revisão sistemática da Educação Escolar Quilombola

Angelita Rosa de Oliveira Rocha,

Eliane Maria de Souza Nogueira,  

Wbaneide Martins de Andrade

Revisão bibliográfica

Educação Escolar Quilombola (EEQ)

Relações étnico-raciais e Educação: o estado do conhecimento a partir de quatro periódicos das regiões Norte-Nordeste

Arlete Ramos dos Santos, Edmacy Quirina de Souza, Letícia Freitas Azevedo

Revisão bibliográfica

Educação

A Etnofísica em teses e dissertações: uma revisão na perspectiva decolonial

Alessandro de Souza Ramos, Alexandre Leite dos Santos Silva

Revisão de literatura

Etnofísica

No Quadro 2 estão os dados coletados dos sete artigos acadêmicos, contendo título, objetivo, principais resultados e conclusões.

Quadro 2: Matriz síntese do processo de revisão

Título

 Objetivo

 Resultados

 Conclusões

Possíveis impactos no Ensino de Ciências a partir da Educação das Relações Étnico-Raciais: uma revisão bibliográfica

Entender melhor a relação entre o campo do Ensino de Ciências e as relações étnico-raciais

Aponta alguns eixos temáticos que emergiram do diálogo entre as relações étnico-raciais e o Ensino de Ciências

A formação de professores e a criação de propostas pedagógicas que possam privilegiar as Leis nº 10.639/03 e 11.645/08, com reflexões acerca do currículo e o ensino

Formação docente e Educação Escolar Quilombola: compreensão através de uma análise da literatura

Examinar a formação docente para atuar na Educação Escolar Quilombola (EEQ)

A formação do docente na EEQ como tema transversal a algum trabalho. Desafios, ausências e incertezas na sua concepção

Aprofundamento da temática pelos estudiosos e a adequação da formação docente quilombola às Diretrizes Curriculares vigentes

Educação para as Relações Étnico-Raciais nas pesquisas em Educação Física e formação inicial: um estado do conhecimento

Compreender como a temática das relações étnico-raciais surge nas pesquisas sobre a Educação Física e formação de professores

Notou-se a existência de pesquisas profundamente relevantes na área

Ao analisar-se o tempo em que as legislações foram criadas, pôde-se inferir que ainda é um trabalho exíguo e que demanda investimentos

Raça e subjetividades negras: uma revisão integrativa sobre os desdobramentos da Lei nº 10.639/03

Investigar como as questões raciais se articulam no campo da Educação Básica, tomando por referência os desdobramentos da Lei nº 10.639/03

A falta da efetivação da Lei nº 10.639/03, geralmente sendo fomentada por iniciativas individuais de alguns profissionais

Aponta a Afrocentricidade como metodologia em uma direção possível para a efetivação da Lei nº 10.639/03

Pensamento decolonial: uma revisão sistemática da Educação Escolar Quilombola

Realizar uma revisão sistemática na perspectiva de um currículo para as escolas quilombolas, orientados pela visão decolonialista

As dificuldades da realidade quilombola e especular os caminhos sobre elaboração de um currículo específico

A garantia de um currículo diferenciado para a educação que inclua a história e as práticas culturais como base para uma educação antirracista e para o fortalecimento da identidade quilombola

Relações étnico-raciais e educação: o estado do conhecimento a partir de quatro periódicos das regiões Norte-Nordeste

Mapear e analisar as produções acadêmicas, destacando o diálogo étnico-racial com a educação

Aponta produções que tratam das relações étnico-raciais, com ascensão a partir do ano de 2019

O marcador étnico-racial e sua interseção com a educação entendendo essas questões como uma teia de poder sobre o corpo negro

A Etnofísica em teses e dissertações: uma revisão na perspectiva decolonial

Traçar as características da produção acadêmica nacional sobre Etnofísica

Os resultados apontam uma predominância de trabalhos na região Norte, no âmbito de programas de pós-graduação de mestrados profissionais na área de Ensino e de Ciências Exatas

Do ponto de vista decolonial, aponta-se a necessidade da adoção do pensamento de fronteira, da conceituação não eurocêntrica da Etnofísica e do desenvolvimento de alternativas pedagógicas dentro da interculturalidade crítica com base na ideia da pluriversalidade

Análise dos artigos selecionados

Possíveis impactos no Ensino de Ciências a partir da Educação das Relações Étnico-Raciais: uma revisão bibliográfica

Este trabalho aponta alguns eixos temáticos que emergiram do diálogo entre as relações étnico-raciais e o Ensino de Ciências, como formação de professores; criação de propostas pedagógicas que possam privilegiar as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, reflexões acerca de currículo e ensino e diálogo interdisciplinar com diferentes linguagens, como a literatura e o cinema, entre outros. O artigo evidenciou que algumas pesquisas encontradas sobre o tema partem de perspectivas teórico-metodológicas como a decolonialidade, descolonialidade, fenomenologia, história social crítica, entre outros, para refletir sobre as relações étnico-raciais no ensino de Ciências. Apontou os principais desafios encontrados nessa discussão, como a falta de conhecimento sobre os dispositivos legais que orientam as relações étnico-raciais, tanto por parte de professores e gestores como por parte dos alunos. O artigo interage com a produção e a viabilização de materiais didáticos e de propostas pedagógicas no contexto das relações étnico-raciais, com o intuito de elevar as narrativas de povos africanos, afro-brasileiros e indígenas em diálogo com a Educação em Ciência. Dessa forma, o artigo se apresentou relevante ao pensar uma formação de professores que contemple o debate das relações étnico-raciais, que podem ser potencializadoras no processo de produção de conhecimento sobre a temática.

Formação docente e educação escolar quilombola: compreensão através de uma análise da literatura

O artigo indica a necessidade de pensar a decolonização da formação docente no sentido de um pensar diferente e incluir outras formas de educar, pensar e viver. Os autores apontam que descolonizar é, também, resistir ao que é imposto, ressignificar, estabelecer um diálogo entre a ciência da educação e os processos de conscientização, empoderamento, mobilização e protagonismo por parte de grupos excluídos, em torno de suas formas de se organizar e suas próprias expectativas. Dessa forma, o artigo destaca que uma formação docente voltada para a perspectiva decolonial, para atuar na educação escolar quilombola, exige reflexões a partir das categorias que não foram incluídas nos fundamentos do pensamento ocidental e questionamentos sobre os padrões de poder que invisibilizam as diferentes formas de saber e de ser. Conclui-se que a formação do docente na educação escolar quilombola não foi uma temática de pesquisa estudada como tema transversal e verificou-se que há desafios e incertezas na efetivação desse tema. É necessário aprofundamento da temática pelos estudiosos e a adequação da formação docente quilombola às diretrizes curriculares vigentes.

Educação para as relações étnico-raciais nas pesquisas em Educação Física e formação inicial: um estado do conhecimento

O artigo aborda a necessidade de estabelecer uma educação mais justa, plural e antirracista. Discorre sobre elementos que dizem respeito à história dos movimentos de luta e suas principais ações e elenca a educação como modelo excludente e reprodutor de desigualdades. O artigo aponta que o material didático, em geral, inviabiliza a história e a origem africanas e que a formação dos professores não abrange de forma efetiva os alunos excluídos, em consonância com o racismo institucional que opera, o que dificulta a valorização e o sucesso escolar de crianças negras. Nesse contexto de desculturação da população afro-brasileira e dos currículos escolares é que as organizações negras posicionam sua luta para a garantia de políticas públicas educacionais, intercedendo não apenas pelo direito ao acesso à educação, ao conhecimento e à escola pública, mas também por sua permanência e pela qualidade do conhecimento, inserindo suas histórias e culturas nos diálogos escolares. Indica-se a necessidade de ampliar os objetos dos currículos escolares e tornar presentes os conhecimentos constituídos pelas diversidades culturais, raciais, sociais e econômicas, para além do foco etnocêntrico do conhecimento. Como conclusão do artigo, notou-se a existência de pesquisas profundamente relevantes na área. Contudo, ao analisar-se o tempo em que as legislações foram criadas, pôde-se inferir que ainda é um trabalho exíguo e que demanda investimentos.

Raça e subjetividades negras: uma revisão integrativa sobre os desdobramentos da lei 10.639/2003 nas produções acadêmicas das pós-graduações estaduais baianas

A pesquisa, no que se refere à aplicação da Lei nº 10.639/03, foi realizada de forma indiscriminada, partindo de iniciativas individuais de alguns professores mais mobilizados às relações raciais. Dessa forma, aponta-se que a Afrocentricidade, não somente como proposta política de pensamento, mas como proposta metodológica, é uma direção possível para efetivar a Lei nº 10.639/03, pois a ausência de referências metodológicas de aplicação foi uma das dificuldades mais apontadas pelos docentes. A falta de referencial negro na construção do conhecimento infelizmente não é somente uma realidade da Educação Básica: no Ensino Superior ainda se observa a reprodução de uma epistemologia eurocêntrica. Os cursos possuem em sua base teorias europeias fundadas por homens brancos, o que torna a reproduzir o pensamento das humanidades a partir de um modelo universalizante e branco. Dessa forma, a descolonização dos saberes hegemônicos eurocêntricos é uma tarefa necessária em todos os níveis educacionais, compreendendo a realidade da população brasileira, composta majoritariamente por negros e negras. A conclusão do artigo indica a necessidade de discussão das relações raciais na Educação Básica e aponta para a importância de mais estudos como este no campo da Psicologia para a reivindicação de uma história perspectivada por africanos e para a descolonização de subjetividades.

Pensamento decolonial: Uma Revisão Sistemática da Educação Escolar Quilombola

O artigo propõe a elaboração de uma Pedagogia e de um currículo orientado pelo pensamento decolonialista com foco na Educação Escolar Quilombola que inclua a crítica ao pós-colonialismo do poder, do saber e do ser e ao eurocentrismo, garantindo os mesmos direitos à história e à cultura das populações que formam o Brasil. Nessa pesquisa foi realizada uma análise qualiquantitativa. É possível reconhecer e categorizar estudos dedicados à verificação das dificuldades da realidade quilombola e especular os caminhos sobre elaboração de um currículo específico. O resultado apontou a necessidade de garantir um currículo diferenciado para a educação nos territórios quilombolas que inclua a história e as práticas culturais como base para uma educação antirracista e para o fortalecimento da identidade quilombola.

Relações étnico-raciais e educação: o estado do conhecimento a partir de quatro periódicos das regiões Norte-Nordeste

O artigo aponta a necessidade de desconstrução do mito da democracia racial no Brasil, entendido como um país sem preconceito e discriminações raciais, em que os diferentes grupos étnicos viveriam harmoniosamente na sociedade. O levantamento dos artigos buscou apresentar a importância da temática nas pesquisas acadêmicas publicadas, nas quais são destacadas as seguintes conquistas: advento de dispositivos legais de enfrentamento à discriminação, aumento da presença de negros nas universidades, reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira e fomento de estratégias que auxiliem na construção de uma identidade positiva de crianças e adolescentes negros. Os resultados do levantamento apontam ínfimas produções que tratam das relações étnico-raciais. Os periódicos trouxeram importantes contribuições na divulgação de pesquisas sobre as relações étnico-raciais e a educação.

A Etnofísica em teses e dissertações brasileiras: uma revisão na perspectiva decolonial

O estudo aborda a importância da Etnofísica e explica que a dimensão pedagógica dos saberes tradicionais é importante, especialmente em se tratando do ensino de Física. Em contrapartida, entende a relevância do ponto de vista decolonial e compreende e valoriza a cultura dos grupos subalternizados, apontando a necessidade de estudos de imersão. O artigo analisou pesquisas sobre o cotidiano dos sujeitos que indicam que, mesmo com pouco estudo formal, produzem saberes válidos. A Etnofísica proporciona a construção de um novo ensino que inclua a valorização dos saberes adquiridos informalmente. Do ponto de vista decolonial, o saber de uma cultura subalterna não pode ser definido tomando como referencial elementos da cultura ocidental dominante. Aponta a necessidade da adoção do desenvolvimento de alternativas pedagógicas dentro da interculturalidade crítica com base na ideia da pluriversalidade.

Discussão dos resultados

Foram apresentadas produções acadêmicas de grande relevância na questão das relações étnico-raciais; esta pesquisa, de natureza qualitativa e exploratória, realizou uma revisão sistemática da literatura. Nos artigos apresentados restou evidenciado que o racismo está presente no sistema educacional. Vale ressaltar o aprofundamento dos artigos no sentido de entender a estrutura posta na sociedade para concluir com soluções que possam abordar de forma efetiva e positiva as questões da diversidade étnico-racial, o reconhecimento e o enfrentamento ao racismo, principalmente nas instituições escolares.

Os sete artigos selecionados se vincularam a determinadas áreas da Educação, como Ciências (1), Educação Escolar Quilombola (2), Educação Física (1), Etnofísica (1), Educação Básica (1) e por último à Educação em geral (1). Fica evidenciado que as relações étnico-raciais estão pautadas na estrutura de formação da sociedade e em todos os artigos a perspectiva decolonial está presente como uma das alternativas propostas a serem utilizadas pelos profissionais da Educação e colaboradores.

Nas pesquisas realizadas há temáticas mais recorrentes, a exemplo de currículo, da Lei nº 10.639 e da formação de professores. Nesse sentido, é necessário problematizar e refletir com os docentes sobre suas experiências e questões raciais como um viés importante para a abordagem.

A escola e suas práticas devem fortalecer o combate ao racismo e ao preconceito de forma intencional, fazendo-as ir ao encontro dos interesses coletivos, promovendo a valorização dos saberes e laços culturais de seus sujeitos. As áreas que englobam a educação são muito abrangentes e, apesar de o período delimitado nesta revisão de literatura ser reduzido, foi percebida a carência de artigos que englobam diversas áreas não abordadas, principalmente na Educação Infantil.

Em âmbito geral, cada artigo publicado influencia positivamente no combate à discriminação racial. As pesquisas problematizam a discussão do racismo, que precisa ser confrontado nos diversos setores da sociedade com vistas a propor a construção de uma educação democrática, decolonial e afrocentrada. É necessário repensar o modelo seguido e propagado, com o objetivo de especular os caminhos sobre a elaboração de um currículo escolar orientado pela visão decolonialista, visando fortalecer de forma criativa e plural a cultura e a história dos afro-brasileiros, em oposição à tradição etnocêntrica europeia dominante.

Considerações finais

Os efeitos do colonialismo como período histórico permanecem refletidos nas estruturas sociais, políticas e econômicas da sociedade contemporânea. Nesse sentido, a perspectiva pedagógica decolonial promove uma identificação positiva da população negra, desconstruindo estereótipos negativos e promovendo um olhar crítico aos moldes conservadores.

A análise dos trabalhos sugere que as políticas públicas são instrumentos que podem contribuir para melhorias e garantias dos direitos sociais. Para avanços mais significativos, na prática da Lei nº 10.639/03, são necessárias ações mais amplas e diálogos coletivos, principalmente com a comunidade escolar, com o intuito de buscar estratégias para a descolonização dos saberes. Entende-se que o curso de formação para professores na perspectiva decolonial deva ocorrer de forma permanente e continuada, com disponibilidade de materiais e orientações para o trabalho a serem colocados em prática.

Além das políticas públicas e leis antidiscriminação, são necessários esforços contínuos de toda a sociedade para construir uma Educação inclusiva, que valorize e respeite a diversidade étnico-racial e garanta a todos o acesso igualitário à educação, independentemente de sua origem. As pesquisas voltadas para a temática são extremamente relevantes e devem servir como estímulo para o surgimento de novos estudos e propostas sobre as questões raciais e a descolonização dos currículos.

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Publicado em 22 de janeiro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

RISCADO, Juliana Mota; ALVES, Manuela Teixeira Gonçalves; SILVA, Thiago José Antonio da; JATOBÁ, Alessandro; VALIM, Rosa Lidice de Moraes; ALMEIDA, Veronica Eloi de. Implicações dos estigmas da colonialidade: uma análise da questão racial à luz da educação. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 3, 22 de janeiro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/3/implicacoes-dos-estigmas-da-colonialidade-uma-analise-da-questao-racial-a-luz-da-educacao

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