Inovação no ensino de Matemática: jogos e interdisciplinaridade como estratégias de aprendizagem ativa
Graziela Cristina França da Silva
Mestranda (Unitau)
Kátia Celina da Silva Richetto
Doutora, professora da Unitau
Érica Josiane de Gouvêa Coelho
Doutora, professora da Unitau (in memoriam)
Repensando o ensino de Matemática: criatividade e inovação nas práticas pedagógicas
A Matemática tem, historicamente, sido vista como uma disciplina difícil e desinteressante, especialmente em razão das práticas tradicionais que, muitas vezes, desestimulam a criatividade e a experimentação. De acordo com Boaler (2013), essa percepção pode ser revertida por meio de estratégias que promovam a interação e a exploração dos conceitos matemáticos, possibilitando um ensino mais envolvente e acessível. Assim, repensar as práticas pedagógicas é fundamental para que a matemática se torne mais próxima dos estudantes e relevante para sua vida cotidiana.
Em muitas escolas, o ensino da matemática tem sido caracterizado por práticas que não encorajam a exploração ou a criatividade, levando os alunos a desenvolverem uma visão limitada do que é a Matemática. Para transformar essa percepção, é necessário criar oportunidades que permitam aos alunos se envolverem com a matemática de maneiras inovadoras e dinâmicas. Quando os estudantes podem experimentar, explorar e conectar conceitos, a matemática se torna um campo vasto e criativo, e não uma sequência de passos e fórmulas a serem memorizados (Boaler, 2013, p. 45).
A formação realizada com os professores da rede municipal de Aparecida/SP teve como objetivo mostrar que os jogos matemáticos são ferramentas eficazes para tornar o ensino mais dinâmico, auxiliando na compreensão de conceitos e incentivando a interdisciplinaridade. A proposta incluiu a utilização de jogos em várias etapas e a elaboração de cordéis que integravam a matemática com a língua portuguesa, promovendo um aprendizado mais contextualizado e interativo.
Essa formação foi além da simples apresentação de novos recursos pedagógicos, buscando promover uma reflexão sobre o papel do professor como facilitador do processo de aprendizagem. Ao aplicar essas metodologias, os docentes tornaram-se mais versáteis e aptos a atender aos diferentes estilos de aprendizado dos estudantes. Dessa forma, as práticas interdisciplinares ganharam destaque, ressaltando a importância de conectar saberes e oferecer uma educação que contemple diferentes áreas do conhecimento.
Outro aspecto fundamental foi o incentivo ao uso de metodologias ativas, que colocam o aluno no centro do processo educacional. Tais práticas são especialmente relevantes em um cenário em que a inovação é essencial para garantir o envolvimento dos estudantes com os conteúdos. Exemplos como o uso de jogos e a criação de cordéis demonstram como essas metodologias podem transformar o ensino da Matemática.
Para que a inovação não se esgote no apelo motivacional, é preciso vinculá-la à equidade e a evidências de aprendizagem. De acordo com Ferreira e Richetto (2025), tarefas com múltiplas portas de entrada, papéis definidos nos grupos e partilha de autoridade intelectual tendem a reduzir assimetrias de participação e ampliar o sentimento de pertencimento. Em convergência, sínteses em neurociência educacional indicam que experiências de aprendizagem ativa, inter/transdisciplinar e colaborativa favorecem o engajamento cognitivo quando mediadas intencionalmente (Richetto et al., 2024). Nesse horizonte, jogos e práticas interdisciplinares deixam de ser meros acessórios e assumem centralidade no desenho didático, reconfigurando a cultura da aula de Matemática
Fundamentação teórica: jogos e interdisciplinaridade no ensino da Matemática
O uso de jogos como recurso pedagógico tem sido amplamente discutido na literatura. Boaler (2013; 2016) defende que, quando a Matemática é ensinada de forma interativa, o aprendizado se torna mais profundo e significativo. Para Freire (2001), ensinar é criar possibilidades para a produção do conhecimento, estimulando a criatividade e a autonomia dos alunos.
Melo e Lima (2022) destacam que os jogos contribuem para superar bloqueios relacionados ao medo da Matemática, tornando o aprendizado mais atrativo e despertando a curiosidade dos estudantes. Nessa direção, Santos e Cunha (2023) ressaltam que práticas inovadoras, como o uso de laboratórios de Matemática e materiais concretos, favorecem a aprendizagem significativa ao integrar teoria e prática, ainda que exijam formação docente adequada para sua efetiva aplicação.
Como marco conceitual, adotamos a noção de base de conhecimentos para a docência, especialmente o conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK), que integra saberes do conteúdo, do currículo e do ensino-aprendizagem em torno de um tópico específico. Esse referencial orienta a seleção de representações, tarefas e modos de mediação capazes de tornar as ideias matemáticas ensináveis e significativas (Shulman, 1986). Nesse enquadramento, jogos e a produção de cordel operam como estratégias de transposição didática, conectando conceitos a múltiplos registros, à argumentação e a usos socialmente relevantes.
A literatura nacional tem mostrado integrações fecundas entre Matemática e linguagem, mobilizando materialidades culturais que dão sentido aos conceitos. Entre elas, destaca-se o cordel matemático no 9º ano, que promove engajamento, autoria e ampliação do repertório expressivo dos estudantes, além de abrir espaço para avaliação formativa. Em diálogo com jogos e metodologias ativas, o cordel opera como dispositivo de tradução didática, conectando ideias matemáticas a narrativas poéticas e práticas de escrita, um caminho coerente com princípios de equidade e aprendizagem significativa (França, 2023).
A ludicidade, além de favorecer o raciocínio lógico e crítico, também promove a colaboração entre os alunos. Almeida (2020) reforça que a abordagem lúdica torna o aprendizado mais leve e envolvente. Nesse sentido, as metodologias ativas, como jogos e práticas interdisciplinares, constituem ferramentas poderosas para criar um ambiente dinâmico e participativo, no qual o aluno assume papel protagonista em sua aprendizagem. Como lembra Freire (2001, p. 29), ensinar é sempre um ato de esperança e transformação:
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Assim, os educadores precisam proporcionar oportunidades em que os alunos possam experimentar, investigar e refletir sobre o conteúdo, criando um ambiente educativo que estimule a autonomia, a criatividade e o senso crítico.
Silva (2018) evidencia que a interdisciplinaridade amplia as conexões entre diferentes áreas do conhecimento, permitindo uma visão mais holística da realidade. A junção da matemática com a literatura, por exemplo, revelou-se valiosa durante a formação em Aparecida, ao estimular a produção de cordéis matemáticos e engajar professores e alunos em um processo de ensino mais contextualizado e significativo.
De forma complementar, Boaler (2016) argumenta que o pensamento matemático pode ser enriquecido por múltiplas abordagens, incluindo a criação de jogos adaptados às necessidades dos estudantes, o que reforça a importância de uma formação docente contínua e criativa. Nessa mesma perspectiva, Melo (2022) ressalta que
as atividades lúdicas, por meio da utilização de jogos em sala de aula, passaram a ser reconhecidas como uma metodologia que desafia os alunos a aprenderem matemática de forma mais interessante. O jogo torna o aluno mais crítico e confiante para desenvolver o raciocínio lógico, promovendo uma aprendizagem significativa para a vida escolar e para a vida em sociedade (Melo, 2022, p. 6).
À luz dessas contribuições, delineamos a formação em três etapas.
Estratégias de formação e aplicação prática
A formação reuniu aproximadamente 25 professores de Matemática do Ensino Fundamental – anos finais – da rede municipal de Aparecida/SP, com perfis variados, desde docentes iniciantes até profissionais mais experientes. Realizada em abril de 2024, estendeu-se por três encontros presenciais, totalizando 12 horas, e teve como objetivo oferecer aos participantes um espaço de experimentação e reflexão sobre o uso de jogos e práticas interdisciplinares.
O percurso metodológico foi organizado em três etapas. Na primeira, foram explorados jogos matemáticos tradicionais, como o dominó de operações com números inteiros. Os professores participaram ativamente das dinâmicas (Figura 1), assumindo o papel de estudantes para vivenciar a experiência discente e reconhecer as possibilidades pedagógicas desses recursos no sentido de tornar o ensino mais envolvente.
Figura 1: Oficina de jogos
Na segunda etapa, o foco concentrou-se no desenvolvimento de novos jogos, digitais e de tabuleiro. As oficinas foram marcadas pela colaboração entre os participantes, que elaboraram propostas adaptadas às realidades de suas turmas (Figura 2). Esse momento destacou-se pelo elevado nível de interação e criatividade, estimulando os docentes a pensar em recursos personalizados que ampliassem o engajamento dos estudantes. O uso de tecnologias digitais surgiu como diferencial, especialmente em escolas que já dispõem desses recursos, fortalecendo o repertório metodológico dos professores.
Figura 2: Oficina de jogos para construção do Cordel Matemático
A terceira etapa concentrou-se na interdisciplinaridade, com a criação de cordéis que integravam conceitos matemáticos e elementos literários. A parceria entre professores de Matemática e de Língua Portuguesa resultou em narrativas poéticas que abordavam conteúdos do currículo de modo criativo e contextualizado, como mostra a Figura 3. Embora inicialmente desafiadora, a proposta revelou-se enriquecedora, evidenciando como a conexão entre áreas pode dinamizar o ensino e favorecer aprendizagens mais significativas.
Figura 3: Construção de um dos grupos do Cordel Matemático
A avaliação do processo ocorreu de forma qualitativa, com base em registros reflexivos, observações em diário de campo, análise das produções coletivas e feedback oral ao final de cada oficina. Os critérios adotados contemplaram: nível de engajamento, aplicabilidade das propostas em sala de aula, criatividade das produções e percepções dos docentes sobre a relevância pedagógica das metodologias.
Do ponto de vista formativo, os saberes profissionais são plurais, situados e construídos na e pela prática, combinando formação acadêmica, experiência em sala de aula e cultura profissional (Tardif, 2002). Por isso, as oficinas privilegiaram a colaboração, a análise de adaptações didáticas e a autoria de materiais, favorecendo a circulação de saberes entre pares e o desenvolvimento de julgamentos pedagógicos sensíveis ao contexto.
Como defendem Nóvoa (2009) e Imbernón (2010), a formação docente deve ser contínua, crítica e colaborativa, permitindo que os professores se tornem protagonistas da inovação pedagógica e revisitem constantemente suas práticas.
Análise dos resultados e reflexões sobre a prática
Os resultados da formação foram positivos. Docentes que, na primeira etapa, demonstravam resistência ao uso de jogos matemáticos tradicionais reconheceram o potencial desses recursos para engajar os alunos e facilitar a compreensão de conceitos abstratos. A experiência prática evidenciou como a ludicidade pode ser incorporada ao currículo de maneira acessível e significativa.
Na segunda etapa, a criação colaborativa de novos jogos, digitais e de tabuleiro, fortaleceu a confiança dos professores em adaptar recursos pedagógicos às necessidades de suas turmas. O entusiasmo foi ainda maior entre aqueles que já utilizavam tecnologias em sala de aula, ao perceberem as possibilidades de integração de jogos online ao processo de ensino. Essa vivência ressaltou a importância de estratégias personalizadas para ampliar o engajamento e tornar a aprendizagem mais atrativa.
A interdisciplinaridade foi explorada na terceira etapa, com a produção de cordéis que uniram Matemática e Língua Portuguesa em narrativas poéticas criativas. Apesar das dificuldades iniciais, a proposta revelou-se enriquecedora, demonstrando como a integração entre áreas favorece aprendizagens contextualizadas e amplia a motivação dos alunos.
Outro resultado notável foi a mudança de atitude dos professores em relação às metodologias ativas. Muitos relataram sentir-se mais seguros para implementar novas abordagens, rompendo com práticas tradicionais que pouco mobilizavam os estudantes. Esse movimento evidencia a importância da formação continuada como espaço de inovação, criatividade e desenvolvimento profissional.
Esses resultados dialogam com Melo e Lima (2022), que destacam o papel dos jogos em despertar interesse e reduzir bloqueios relacionados à matemática, e com Santos e Cunha (2023), que ressaltam a relevância de práticas concretas e laboratoriais para dinamizar o ensino e promover aprendizagens significativas.
Considerações finais
Os resultados desta experiência evidenciam que o uso de jogos matemáticos, aliado a metodologias ativas e práticas interdisciplinares, pode transformar o ensino em um processo mais dinâmico, inclusivo e contextualizado. A criação de jogos personalizados e de cordéis interdisciplinares incentivou os professores a repensar suas práticas, ampliando seu repertório e proporcionando ferramentas para engajar os alunos de forma mais criativa e significativa.
A formação continuada mostrou-se essencial para o desenvolvimento profissional docente, ao oferecer um espaço de experimentação em que teorias puderam ser aplicadas em práticas inovadoras.
Os impactos observados não se limitaram aos professores. Os alunos passaram a vivenciar uma matemática mais prática, acessível e colaborativa, fortalecendo sua motivação e ampliando a compreensão dos conteúdos. Nesse sentido, práticas como a integração entre Matemática e Literatura mostraram-se estratégias eficazes para enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. A produção de cordéis, por exemplo, revelou como a interdisciplinaridade pode criar um ambiente mais envolvente, em sintonia com a concepção de Freire (2001), que entendia a educação como um ato criativo e libertador.
Em síntese, a combinação entre jogos, criação colaborativa e cordel favoreceu o engajamento, a adaptação às realidades das turmas e a autonomia docente para redesenhar tarefas. Atividades com múltiplas portas de entrada, distribuição de papéis definidos e autoridade intelectual partilhada deslocaram o foco do acerto procedimental para a qualidade dos raciocínios, enquanto o cordel ampliou repertórios expressivos e deu sentido social aos conceitos. Esses elementos sustentam a pertinência das metodologias ativas para promover aprendizagens significativas.
Referências
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Publicado em 24 de setembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Graziela Cristina França da; RICHETTO, Kátia Celina da Silva; COELHO, Érica Josiane de Gouvêa. Inovação no ensino de Matemática: jogos e interdisciplinaridade como estratégias de aprendizagem ativa. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 36, 24 de setembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/36/inovacao-no-ensino-de-matematica-jogos-e-interdisciplinaridade-como-estrategias-de-aprendizagem-ativa
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