O ensino de Matemática atravessado pela Literatura e pelos personagens de uma escola em Contagem/MG
Pedro Lucchesi Loures
Mestre em Ensino de Matemática (Cefet/MG), licenciado em Matemática (UFMG)
Davidson Paulo Azevedo Oliveira
Doutor em Educação Matemática (Unesp – Rio Claro), professor do Departamento de Matemática do Cefet/MG
Marcela Richele Ferreira
Doutora em Modelagem Matemática Computacional (Cefet/MG), professora do Departamento de Matemática do Cefet/MG
Sob os pseudônimos de Lewis Carroll e de Malba Tahan, o inglês Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898) e o brasileiro Júlio César de Melo e Sousa (1895-1974) publicaram, ao longo de suas vidas, diversos textos literários que utilizam elementos matemáticos para compor as narrativas de suas histórias. Além deles, diversos autores articularam Literatura e Matemática em suas produções culturais e/ou científicas. Entre eles, o jornalista e escritor Millôr Fernandes (1923-2012), que escreveu a Poesia matemática.
No campo do ensino e da pesquisa, por exemplo, o professor Jonson Ney Dias da Silva dedica parte de suas aulas em turmas da Educação de Pessoas Jovens, Adultas e Idosas (EPJAI) e parte de suas produções acadêmicas à criação de cordéis. A intenção é aproximar essa expressão cultural, presente no sudoeste da Bahia, território em que está inserido, do ensino de Matemática e da pesquisa acadêmica (Santos; Silva, 2024; Silva; Carvalho, 2024). Em outras regiões do Brasil, temos mais pesquisadores envolvidos na temática, como Andreia Dalcin e Rafael Montoito, que, a partir do Rio Grande do Sul, investigam as inter-relações possíveis da Literatura com a Matemática (Dalcin, 2007; Dalcin; Montoito, 2020; Montoito, 2019).
Inspirados pelos trabalhos mencionados, produzimos o relato e a análise de duas histórias que se sucederam em uma escola municipal da cidade de Contagem/MG, na região metropolitana de Belo Horizonte. Nessas histórias, contamos a experiência de um professor com a Matemática e a Literatura em prol do fomento à leitura literária e do aprendizado matemático de seus alunos.
O texto foi elaborado ao longo de uma pesquisa de mestrado que investigou possíveis interlocuções da Matemática com a Literatura na perspectiva do ensino de Matemática. A investigação foi desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat), realizado no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG).
Para relacionar os sujeitos presentes na escola e as ações que nela se desenrolam em dois anos letivos subsequentes, optamos pela utilização de uma escrita em que turmas de 6º ano do Ensino Fundamental, um professor de Matemática, uma biblioteca, uma auxiliar de biblioteca e um livro muito conhecido se tornam personagens dos relatos.
Na próxima seção do texto, discorremos sobre aspectos metodológicos envolvidos na construção do relato. Em seguida, na terceira seção, apresentamos as personagens escolhidas para contarmos as experiências de um professor de Matemática com a Literatura no ensino de sua disciplina. Na quarta seção, “Primeira História”, relatamos a utilização do livro Alice no País dos Números (Frabetti, 2009) em aulas de Matemática. Na quinta seção, temos a inserção de uma situação do livro O Homem que Calculava (Tahan, 2009) em uma avaliação de Matemática. Na seção Epílogo, tecemos algumas discussões acerca das histórias relatadas nas seções anteriores e apontamos desafios das interlocuções da Matemática com a Literatura promovidas por professores da Educação Básica. Por último, na seção Posfácio, apresentamos as considerações finais.
Aspectos metodológicos
Pensamos na escrita de um relato de experiência (RE) como forma de articular os trabalhos acadêmicos que lemos ao longo de nossa pesquisa de mestrado acerca das interlocuções da Matemática com a Literatura e das experiências do autor da dissertação com a Literatura enquanto professor de Matemática.
Conectando os conhecimentos adquiridos nesse processo com um exercício crítico-reflexivo de memória, produzimos o relato de experiência que se manifesta neste texto e que compõe parte de nossa dissertação; como afirmam Daltro e Faria (2019, p. 228),
propomos pensar o RE como uma narrativa que, tal qual pressupõe o poeta, posiciona singularidades envolvidas em um tempo de pensar, sentir e recordar. Entretanto, o processo de escrita realiza-se no après coup, um tempo necessário de decantação e elaboração. Com isso, a conclusão não se coloca totalizante, pois ela guarda sempre um vínculo com o momento do acontecimento relatado na pesquisa. Em síntese e, analogamente, o RE será criado enquanto efeito combinado ao tempo de existir do narrador, e fundamentado, posteriormente, a partir de outros saberes teóricos.
Trata-se de pensar o RE em perspectiva epistemológica, expandida a partir das singularidades, sendo, consequentemente, um importante produto científico na contemporaneidade. Isso porque refere-se a uma construção teórico-prática que se propõe ao refinamento de saberes sobre a experiência em si, a partir do olhar do sujeito-pesquisador em um determinado contexto cultural e histórico. Sem a pretensão de se constituir como uma obra-fechada ou conjuradora de verdades, desdobra-se na busca de saberes inovadores.
Portanto, pensamos o relato de experiência como uma ferramenta metodológica em que experiência e teoria são articuladas enquanto produção científica.
Em relação à produção do texto, optamos por uma escrita que consolidou, em alguns personagens, as vivências e interlocuções de um professor ao longo de dois períodos letivos escolares. Essa proposta teve como referência os trabalhos de Gomes e Gomes (2016) e de Brito e Oliveira (2020), que se valeram de recursos literários para a escrita de artigos científicos no campo da Educação Matemática.
Pensamos que a escolha por uma escrita acadêmica mesclada a construções características de obras literárias seria uma maneira de resumir, em um relato de experiência, situações vivenciadas ao longo de dois anos letivos. Além disso, a integração de diferentes tipos de escrita serve como provocação para pensarmos que o diálogo entre distintos campos do conhecimento, estilísticas e formas é possível, desde que permaneçam o rigor científico e a atenção para o público com o qual se objetiva dialogar.
Lista de personagens
A Turma A é a personificação de quatro turmas de 6º ano, um apanhado de aproximadamente 100 personalidades distintas que se encontraram no ano de 2022. Ela viveu muita coisa em seus 11 anos de vida e esteve afastada do espaço escolar por dois anos devido à pandemia da covid-19. Essa turma tem dificuldades com o aprendizado da Matemática, mas, durante as aulas, se mostra interessada, apesar de pouco fazer o “para casa”.
A Turma B é a personificação de três turmas de 6º ano, reunindo pouco mais de 80 personalidades, um tanto diferentes daquelas que conformam a Turma A. A Turma B tem mais facilidade com a Matemática, chegou ao 6º ano com uma base de aprendizados mais consolidada que a outra turma e é uma reunião de crianças que se deu no ano de 2023. Já mais acostumada com o dia a dia da escola, frequentava esse espaço pelo segundo ano após a volta das atividades presenciais.
O Professor está começando na docência; são seus dois primeiros anos como educador. Ele considera que a contação de histórias tem um papel importante na aprendizagem e compartilha a concepção de que a leitura precisa assumir posição de destaque também nas aulas de Matemática (Campello; Silva, 2018; Dalcin, 2007; Dalcin; Montoito, 2020; Montoito, 2019). Para ele, a aproximação da Literatura e da Matemática propicia relações mais amplas de seus alunos com a disciplina e com os espaços da escola. Trabalhar Literatura nas aulas de Matemática pode ser um estímulo para a formação de leitores, ao mesmo tempo em que diversifica o estilo das aulas.
A Biblioteca exerce função educativa na escola, procurando favorecer a aprendizagem ao integrar leitura, pesquisa e cultura (Campello, 2003). Para encontrá-la, não é difícil: sempre fica em um mesmo local da escola, em uma sala arejada, com muitas mesas e cadeiras ocupando o centro, e com livros dispostos em prateleiras no entorno. Apesar de nunca sair dali, possui vasto conhecimento do mundo; de quase tudo sabe: dos continentes, dos animais, de línguas estrangeiras e de criaturas imaginárias. Também entende de corpo humano e possui órgãos que podem ser manipulados por quem se interessar; eles são quase totalmente planificados, exceto pelo alto relevo que contêm, para alunos cegos aprenderem com eles.
A Biblioteca é muito acolhedora: recebe professores em horário de planejamento, turmas realizando pesquisas e empréstimos de livros, estudantes fugindo das aulas e monitoras de apoio à inclusão com os alunos que acompanham ou em seus horários livres. Apesar de todo esse movimento, nem sempre ela está disposta a conversar; às vezes necessita de silêncio.
A Auxiliar da Biblioteca, apesar de não ter formação em Biblioteconomia, ocupa um cargo dedicado a essa área e procura exercer suas atividades orientadas ao que caberia a uma bibliotecária,
enquanto agente de transformação da realidade em que se insere, atua através dos diversos serviços prestados pela biblioteca, tanto na pesquisa escolar, na formação cultural, no apoio ao letramento, na promoção da leitura quanto na educação das relações étnico-raciais no contexto escolar (Fideles, 2020, p. 175).
A Auxiliar da Biblioteca, então, exerce trabalho fundamental nos processos de ensino e aprendizagem na escola, mas sente que, para ter uma atuação mais efetiva, precisaria de maior colaboração dos demais profissionais da instituição e de uma inserção mais ativa no projeto político-pedagógico.
A Informática é um robô que se encontra na escola. Meio sem vida, quase ninguém conversa com ela. Como a Biblioteca, ela sempre está na mesma sala, local com papel de parede muito bonito, bancadas e cadeiras em ótimo estado. Uma característica dela é a de ser mais apagada.
O Jogador tem uma sala à sua disposição, cheia de recursos pedagógicos diferenciados, como tabuleiros, dominós, materiais dourados, cartas, entre outros. Ele é apaixonado por probabilidade. Vez ou outra, algum(a) professor(a) o convida para a sua aula.
O Homem que Calculava, de tão conhecido, virou uma personagem. Figura quase sempre presente em discussões sobre Literatura e Matemática, ele é um grande amigo da Biblioteca e fica muito junto a ela. Por ter colegas com milhares de anos de vida, prefere não ser chamado de senhor, mas é quase centenário. Nasceu em 1937 (Tahan, 2024), sendo filho de Malba Tahan, pseudônimo de Júlio Cesar de Mello e Souza.
O Homem que Calculava é reconhecido por ser um ótimo contador de histórias, as quais são consideradas precursoras do que Dalcin (2007) e Campello (2018) conceituam como livro paradidático, a exemplo de Alice no País dos Números (Frabetti, 2009), livro que aparece no primeiro relato deste texto.
Primeira história: a biblioteca como sala de aula
Em 2022, como novato na docência e em uma escola municipal de Contagem/MG, o Professor iniciou o ano letivo com aulas em um estilo tradicional, acompanhando o livro didático e o currículo do município em que trabalhava. Os dois primeiros meses de aula seguiram nesse ritmo, até que ele conseguiu adiantar seu planejamento e sentiu que já conhecia suficientemente a Turma A, pela qual era responsável, para ter a confiança de atender a um pedido recorrente: realizar uma aula fora de sua sala habitual.
Em busca de propostas pedagógicas alternativas, o Professor resolveu percorrer os espaços da escola e entender o que cada um poderia oferecer. No percurso, conheceu muitas personagens daquele lugar. Em um dos corredores da instituição de ensino estava a Informática, falando sozinha e queixando-se de que poucos computadores funcionavam. Mesmo os que possuíam condições de uso apresentavam problemas no reconhecimento de mouses e teclados. O Professor percebeu que seria difícil realizar um trabalho com a Informática e seguiu caminhando.
Então conheceu o Jogador, figura alegre e muito esperta, que apresentou a sala em que passava a maior parte de seu tempo. O Professor achou que poderia ter uma aula interessante naquele espaço, que contava com bancadas e cadeiras adequadas para uma proposta com jogos. Ao tentar reservar um horário para utilizar o ambiente, o Jogador disse que isso seria difícil, pois, em apenas um quinto dos dias, a sala estaria à disposição. O Professor desconfiou que o Jogador estava blefando, mas descobriu que as duas professoras dedicadas às aulas de reforço escolar na instituição utilizavam tal sala em suas aulas. Com exceção das quintas-feiras, em todos os outros dias elas ocupavam o local — enquanto uma sala apropriada para elas era organizada no dia de planejamento do Professor. Também não seria possível pensar em atividades por ali.
A escola possuía ainda um amplo gramado e duas quadras esportivas, que ficaram sendo possibilidades para o Professor. No entanto, ele sentia alguma insegurança em ir a esses ambientes com a Turma A e receava atrapalhar as aulas de Educação Física.
Em suas andanças e conversas, o Professor tornou-se amigo da Biblioteca e da Auxiliar da Biblioteca. Interessado por Literatura, ele as considerava muito importantes para a escola e, conhecendo-as melhor, descobriu que suas funções iam além do trabalho com Literatura, abrangendo também atividades de pesquisa escolar e ações culturais (Campello, 2003). Certo dia, o Professor comentou com a Auxiliar da Biblioteca que pretendia desenvolver uma atividade em que pudesse trabalhar Matemática e estimular a leitura junto a seus alunos. Ela achou a ideia interessante e se disponibilizou a ajudar no que pudesse.
Ao saber das intenções do Professor, a Biblioteca fez um alerta: não era aconselhável forçar uma leitura específica. Já na década de 1980, essa questão era discutida:
A leitura compulsória exigida pelos professores era veementemente criticada e a biblioteca deveria constituir alternativa que garantisse ao aluno “o privilégio de escolher sobre o que quer ler, quando e como quer ler e inclusive o de abandonar a leitura, se assim o desejar” (Taylor, 1982, p. 37 apud Campello, 2003, p. 4).
O Professor agradeceu a referência e disse que havia pensado em fazer a leitura coletiva de um livro ou de parte dele na sala da Biblioteca. Isso era algo que uma amiga dele, professora de Língua Portuguesa, fazia com suas turmas em outra escola. Ela dizia que os alunos adoravam. Para isso, fez uma pesquisa em casa a respeito de livros paradidáticos em que Literatura e Matemática se conectam e anotou dois títulos para procurá-los no acervo da Biblioteca: A vizinha antipática que sabia Matemática (Martins, 2014) e Os problemas da Família Gorgonzola (Furnari, 2015).
Ela não os encontrou, mas apresentou outros títulos relacionados à seção de Matemática: A jaçanã (Trambaiolli Neto, 1997), Geometria na Amazônia (Rosa Neto, 1991) e Alice no País dos Números (Frabetti, 2009). Junto a esses livros, chegou O homem que calculava, que, devido à sua importância e longevidade, virou personagem em nosso segundo relato.
O Professor pensou que Alice no País dos Números (Frabetti, 2009), por ser uma adaptação da obra Alice no País das Maravilhas (Carroll, 2015), seria uma boa escolha de leitura. Provavelmente, a ambientação da história já seria conhecida pela Turma A e logo remeteria a um universo de fantasia e criação. O livro une fantasia e educação ao transformar o País das Maravilhas em um mundo de lógica, enigmas e conceitos numéricos.
Como contam Zwiernik e Dalcin (2020, n.p.), tal adaptação “traz elementos matemáticos referentes à aritmética, à álgebra e à geometria, sendo apresentados de forma articulada, sem uma separação entre as áreas de conhecimento da matemática”. Essa obra faz referência ao País das Maravilhas, mas a narrativa é organizada preponderantemente para trabalhar conceitos e ideias matemáticas.
Acontece que havia apenas um exemplar na biblioteca, o que impossibilitaria uma leitura em que tanto o Professor quanto a Turma A o tivessem em mãos. Como queria uma leitura em voz alta, precisaria do livro, pelo menos quando fosse ele quem estivesse lendo. Mas será que a Turma A manteria a concentração na história sem ter um livro? A Turma A tinha uma personalidade que variava muito; às vezes, era muito agitada...
E o livro ainda possuía ilustrações interessantes, o que seria uma perda se a Turma A não as observasse ao longo da leitura. Como lembra Cunha (2020), a imagem possui a importância de auxiliar nas representações mentais de um conceito ou situação, inclusive apresentando ideias que não estão no texto escrito, ampliando as possibilidades de interpretação e leitura. O Professor precisava encontrar uma solução para essa questão.
Uma estratégia adotada por ele foi elaborar uma folha a ser entregue à Turma A, que seria uma espécie de guia de leitura e apresentaria duas imagens presentes no livro. Uma dessas imagens — sete rosas — havia sido elaborada pelo Professor, buscando ser o mais fiel possível à ilustração original; e a outra — algumas cartas — correspondia a uma ilustração de Alice no País dos Números (Frabetti, 2009).
Figura 1: Imagens do guia de leitura
Ao longo da leitura, o Professor e a Turma A teriam tempo para se deter nas imagens e conversar sobre elas. Como indica Cunha (2020), esse é um momento importante, uma vez que representações visuais e escritas possuem diferentes ritmos narrativos. Como pode ser observado na Figura 1, as cartas, que são personagens da história, correspondem aos números primos 2, 5 e 7, e as rosas totalizam sete, um número primo. Esses detalhes foram destacados durante a conversa sobre as imagens.
O livro possui alguns conteúdos matemáticos que ainda não haviam sido trabalhados nas aulas de Matemática e, na opinião do Professor, ainda não seria o momento adequado para abordá-los, como números decimais e potenciação. Assim, ele decidiu que a leitura coletiva seria apenas do quarto capítulo de Alice no País dos Números (Frabetti, 2009). Ele também considerou que uma semana inteira de leituras poderia ser cansativa para a Turma A, de modo que a escolha por um capítulo permitiria que a leitura ocorresse durante uma aula de uma hora de duração.
Com a atividade planejada, o Professor comentou com a Turma A que gostaria de ter a aula na sala da Biblioteca e perguntou à turma se concordavam com a ideia. A Turma A ficou eufórica, chegando a dar gritos de felicidade. A turma já conhecia a Biblioteca; uma vez por semana, a professora de Língua Portuguesa a deixava conversar com a turma na esperança de que descobrissem livros interessantes para empréstimo e leitura. O difícil foi lidar com a ansiedade da turma até o dia em que a aula seria realizada.
Chegado o dia, o Professor se dirigiu à Turma A e pediu que, no caminho até a Biblioteca, não fizessem muito barulho para não atrapalhar outras turmas. Também combinou que a turma aproveitasse o momento para estar atenta à leitura e às ideias a serem discutidas. Chegando à sala, descobriu-se que estava trancada, pois a Auxiliar da Biblioteca estava sob suspeita de Covid e precisou se afastar temporariamente. O Professor pensou em voltar e realizar a leitura em sala, mas a Turma A estava tão empolgada com a mudança de ambiente que ele acabou conseguindo a chave com a diretora e seguiu com a proposta inicial.
Além de contribuir para mudar o ritmo das aulas e fomentar o interesse pela leitura, a atividade objetivava retomar assuntos trabalhados nas aulas de Matemática — como números primos e compostos, e números pares e ímpares — que permeiam o capítulo 4 de Alice no País dos Números. O único conteúdo do capítulo que ainda não havia sido abordado refere-se à definição de fatorial de um número. Assim, o Professor destacou essa parte da história na folha entregue à Turma A e explicaria durante a atividade.
Sobre ideias relacionadas à Matemática, o Professor e a Turma A se detiveram, por exemplo, no seguinte trecho que se relaciona a números primos:
Três cartas - 2, 5 e 7 de espadas - estavam ocupadas em volta de uma roseira que tinha seis rosas brancas. Ou melhor, rosas que tinham sido brancas, pois elas estavam sendo pintadas pelas cartas. Uma das cartas segurava uma lata de tinta vermelha, a outra, uma de tinta cor-de-rosa e a terceira, uma de tinta amarela. Pintavam duas rosas de cada cor.
Enquanto Alice e Charlie se aproximavam, as cartas, que tinham terminado a sua tarefa, iniciaram uma acalorada discussão.
– Algum problema, rapazes? - perguntou o escritor.
– Sim – respondeu Sete. – A Rainha de Copas quer rosas de várias cores em cada roseira.
– E várias rosas de cada cor – prosseguiu Cinco.
– E o mesmo número de rosas de cada cor – concluiu Dois.
– Vocês conseguiram! – disse Alice. – Vejam: duas vermelhas, duas cor-de-rosa e duas amarelas; várias cores, várias de cada cor e a mesma quantidade de rosas de cada cor.
– Com seis rosas é fácil! – disse Sete. – Assim como com oito ou nove.
– Mas ali temos uma roseira com sete rosas – continuou Cinco, apontando para a sua direita, mostrando um pé com sete rosas brancas.
– Aquela não sabemos como pintar – acrescentou Dois.
– Se pintarmos três de vermelho e quatro de cor-de-rosa, teremos várias cores e várias rosas de cada cor, mas não o mesmo número de rosas de cada cor – disse Sete.
– Se pintarmos cada uma de uma cor, como um arco-íris, teremos várias cores e a mesma quantidade de rosas de cada cor, mas não teremos várias rosas de cada cor – disse Cinco.
– E, se pintarmos todas da mesma cor, teremos várias de cada cor e o mesmo número de cada cor, mas não várias cores – acrescentou Dois.
– Em qualquer uma dessas situações – concluiu Charlie – uma das ordens da Rainha não será cumprida (Frabetti, 2009, p. 21-ss).
Na sequência do diálogo destacada, há uma explicação da razão pela qual as ordens da Rainha não podiam ser cumpridas na roseira de sete rosas. Mas, antes de a definição de números primos ser apresentada, o Professor pausou a leitura e perguntou se a Turma A conseguia encontrar uma explicação por si própria. Não obteve resposta. Então, perguntou se ela se lembrava dos números primos, ao que respondeu, titubeante, que sim e tentou dizer o que eram. Com as respostas, logo se chegou a um entendimento para o problema que as cartas enfrentavam.
Para além da Matemática no livro, um exemplo de intervenção do Professor foi quando ele perguntou à turma o que entendia de uma passagem do texto em que é comentado que “não basta chegar aos lugares com os pés, é preciso chegar também com a cabeça” (Frabetti, 2009, p. 27). A Turma A, nesse momento, foi mais participativa.
O Professor se surpreendeu com o interesse e a atenção demonstrados pela Turma A ao longo da leitura, desde o momento inicial, em que ela rapidamente se acomodou junto à Biblioteca e foi questionada se conhecia a história de Alice no País das Maravilhas (Carroll, 2015). Na ocasião, ele pediu que tentasse resumir a história com suas próprias palavras e comentou que o livro que iriam ler era uma adaptação da outra obra.
É verdade que a Turma A ficou surpresa no começo, pois logo o Professor iniciou a leitura de maneira dramatizada. Ora a Turma A parecia gostar disso, ora parecia achar aquilo “ridículo”, chegando a buscar no ambiente algum outro olhar que estivesse testemunhando o momento e com o qual pudesse se divertir, rir da situação. Mas logo quase toda a atenção estava na leitura. O Professor até queria que a Turma A lesse alguns trechos, mas ela não quis.
Em atividades na sala de aula, havia parte da Turma A que não gostava de se manifestar, mas na biblioteca participou das discussões propostas pelo Professor. A Turma A pouco falou sobre as perguntas acerca do conteúdo matemático, mas se manifestou a respeito de outras ideias presentes. Isso acabou gerando um espaço de confiança entre o Professor e a Turma A, que se estendeu para o restante do ano letivo. A parte da Turma A que sentia mais dificuldade com os conceitos matemáticos passou a ter mais coragem para se manifestar nas aulas, mesmo quando em formato tradicional.
Acabada a leitura, o Professor mostrou à turma que, no fim do guia de leitura, havia algumas questões relacionadas ao conteúdo matemático abordado no capítulo e pediu que ela as respondesse como “para casa”. Na aula seguinte, foi realizada a correção e uma conversa sobre a atividade. A Turma A pareceu ter apreciado a proposta e pediu mais momentos como aquele. Para a surpresa do Professor, certo dia a Auxiliar da Biblioteca disse que empréstimos estavam sendo feitos do livro Alice no País dos Números (Frabetti, 2009) e comentou que a Turma A tinha falado com empolgação sobre a leitura coletiva.
Segunda história: uma avaliação como início de uma viagem literária
Após os acontecimentos da história anterior, o Professor decidiu que todo ano relacionaria Literatura e Matemática em algum momento de suas aulas. Iniciado o ano de 2023, ele não seria mais professor da Turma A. Agora, suas aulas seriam para a Turma B, e pretendia repetir a ideia do ano anterior com ela. Porém, muitos livros didáticos e paradidáticos chegaram à escola nesse ano e ocuparam quase todas as mesas e cadeiras da sala da Biblioteca por quase todo o primeiro semestre, tornando o espaço indisponível para a atividade. Além disso, essa turma demonstrava muito interesse nas aulas em um estilo mais tradicional, por isso o Professor estava conseguindo abordar muitos conteúdos com ela, e com boa compreensão por parte dos alunos. Ele acabou optando por deixar para o segundo semestre o trabalho com a Literatura.
O ano foi transcorrendo sem que ele trabalhasse com a Literatura. Esse foi um ano em que a escola teve muitos eventos aos sábados, e muitas aulas acabaram sendo dedicadas a atividades relacionadas a eles, à preparação de trabalhos para os eventos. Também foi um ano de muitas paralisações dos docentes; aliado a isso, em vários momentos a Turma B não teve aulas de Educação Física e, em algumas ocasiões em que o Professor substituiu a aula dessa disciplina, levou a Turma B para o gramado e para as quadras, ocasião em que relações distintas com o espaço, para além da sala de aula, foram estabelecidas entre ele e a Turma B. Assim, o Professor pensou que nos outros momentos deveria ficar mais atento em manter um ritmo em sala de aula para cumprir o cronograma que havia traçado.
Ainda que a ideia do ano anterior não fosse desenvolvida novamente, o Professor queria contribuir para a formação de leitores de alguma maneira, ao menos ter uma discussão com a Turma B que favorecesse isso. Então, ele se lembrou de O Homem que Calculava, um contador de histórias que podia ser encontrado na sala da Biblioteca e com quem teve um rápido contato no ano anterior, mas a quem já conhecia e até tinha uma ligação afetiva. Antes de se tornar professor, ao conseguir uma vaga na graduação de Matemática, seu pai apresentou-o a O Homem que Calculava, em quem havia feito uma tatuagem como dedicatória. Nela podia-se ler: “Para um calouro de Matemática se divertir com os números, sem ter que fazer contas…”.
O Professor conhecia todas as histórias que O Homem que Calculava gostava de contar. Elas se passam no século XIII, em Bagdá, sob o califado de Al-Motacém, considerado um soberano bondoso e simples. O personagem central das histórias, o persa Beremiz Samir, é um exímio calculista, grande conhecedor da história da Matemática e habilidoso na solução de problemas por meio do raciocínio lógico-matemático.
Ao longo das histórias, diversas situações-problema se apresentam, e contabilizações são realizadas por Beremiz Samir, mas o Professor considera que o leitor não deixa de ter que realizá-las de alguma maneira, seja para acompanhar o raciocínio do personagem, seja para entender o que ele pensou, pois o calculista da história tem muita facilidade com o cálculo mental e muitas vezes não explicita todas as partes de seu pensamento.
Colocar a Turma B em contato com essas histórias poderia, portanto, ser uma maneira de o Professor estimular o cálculo mental de seus alunos, habilidade prevista na BNCC (Brasil, 2018) nos anos finais do Ensino Fundamental, especificamente para os 6º e 7º anos. Conti e Nunes (2019) comentam as vantagens apresentadas pelo desenvolvimento desse tipo de cálculo; dentre elas,
pode se considerar como mais importante o desenvolvimento do pensamento matemático, uma vez que contribui para uma melhor compreensão das propriedades do sistema de numeração decimal e das operações fundamentais, sendo extremamente vantajoso visto que pode auxiliar na compreensão de conteúdos com maior nível de abstração. Além disso, o desenvolvimento do pensamento lógico e de habilidades para se realizar cálculos também são vantagens consideráveis em relação à prática com o cálculo mental (Conti; Nunes, 2019, p. 376).
Diante disso, as pesquisadoras consideram que o cálculo mental é uma habilidade que deveria estar presente na BNCC em todos os anos do Ensino Fundamental. O professor, por sua vez, poderia contribuir nesse sentido.
Surgiu uma ideia: dentre as situações-problema apresentadas em O Homem que Calculava, o professor selecionaria uma e a colocaria em uma avaliação escrita a ser feita com a Turma B. Seria uma oportunidade de iniciar uma discussão acerca da importância da leitura e, quem sabe, despertaria o interesse da Turma B por outras histórias. O professor trabalhava frações com a Turma B à época e se lembrou de uma história de O Homem que Calculava que daria uma boa questão: “Onde é narrada a singular aventura dos 35 camelos que deviam ser repartidos por três árabes” (Tahan, 2009, p. 21).
Figura 2: O problema dos 35 camelos
Uma aula após a avaliação, o Professor fez a correção dela com a Turma B. A maior parte da turma conseguiu responder às questões referentes ao problema dos 35 camelos, mas ficou intrigada com relação à resposta do item c. Como Beremiz Samir poderia ter ficado com dois camelos ao final da divisão? Ele não havia doado apenas um animal?
O Professor tentou uma explicação para a turma, mas ela teve bastante dificuldade de entendê-la. Segundo o docente, o pai havia deixado
da herança para seus filhos, o que é equivalente a
da herança. Então, a dificuldade em se dividir a herança reside no fato de que
é menor do que um inteiro, ou seja, o pai havia distribuído entre seus filhos não a totalidade de camelos, mas apenas
deles. Beremiz Samir, por sua vez, sabia que
equivale a
. Assim, se ele doasse um camelo a mais para a herança, resultando em um total de 36 animais, 34 deles iram para a herança dos irmãos e dois animais sobrariam para o calculista.
Apesar da dificuldade de compreensão por parte da turma, o raciocínio de Beremiz Samir ainda assim encantou os alunos de alguma maneira, e eles quiseram saber mais a respeito de O Homem que Calculava. Tal repercussão do problema com a Turma B revela que esse tipo de questão pode ser utilizado para ilustrar a importância da matemática na resolução de situações do cotidiano e como a criatividade pode ser usada para encontrar soluções inovadoras. Além disso, a atividade evidencia a importância de olhar para um problema sob uma perspectiva diferente, a fim de encontrar uma solução que possa agradar a todos os envolvidos.
Após a correção, a Turma B perguntou se era possível encontrar O Homem que Calculava na escola. O professor disse que sim e destacou que ele contava várias histórias interessantes, mas que se passavam em uma região distante do Brasil e em outro tempo, há muitos séculos, e que, por isso, havia situações nele que diziam respeito a outra cultura.
Embora a liberdade religiosa seja prevista no Art. 5º da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), as várias referências ao islã nas histórias de O Homem que Calculava causavam preocupações ao professor. Ele pensava que apresentá-las à turma estava de acordo com as competências específicas de Matemática para o Ensino Fundamental, com a primeira delas, especificamente:
Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho (Brasil, 2018, p. 265).
Apesar de tais amparos normativos, o Professor se preocupava com o aumento dos casos de intolerância religiosa no país, como se verifica pelos dados do Disque Direitos Humanos – Disque 100. Entre 2022 e 2023, o número de violações motivadas por intolerância religiosa cresceu 80% (Brasil, 2024). Havia, então, receio por parte do Professor de que surgisse algum problema para ele caso algum familiar da Turma B tivesse uma perspectiva religiosa pouco aberta ao contato com outras religiões.
Ainda assim, deu-se sequência à proposta e, durante a correção da questão avaliativa, a Turma B demonstrou interesse pela situação-problema apresentada no “problema dos 35 camelos”, recurso que Oliveira e Rezende Filho (2020) indicam ser empregado com constância nos trabalhos de Malba Tahan, a quem consideram um educador que se valia da Literatura e da Matemática para educar e ensinar.
Dias depois da correção, a Auxiliar da Biblioteca encontrou o Professor e perguntou se ele havia falado sobre O Homem que Calculava em suas aulas. Ela disse que a Turma B tinha ido à sua sala querendo conhecê-lo e ter o registro de suas histórias emprestado. A Auxiliar da Biblioteca queria saber se poderia deixar, porque tal registro estava recomendado para turmas acima do 6º ano. O Professor disse entender que o empréstimo poderia ser feito e mais tarde soube que pelo menos duas das mochilas que a Turma B possuía levaram tal registro para casa. Ele mesmo emprestou o seu próprio registro, pois houve uma semana em que a Turma B se queixou de não haver encontrado o livro disponível na Biblioteca, alguém chegara antes. Perto da quantidade de mochilas da turma, duas eram bem poucas, mas alguém ser tocado pelas histórias ao ponto de querer lê-las já deixou o Professor satisfeito.
Ele entende que a Literatura transporta os leitores para outros mundos; pensa que, com ela, podemos viajar para lugares e conhecer povos muito diferentes dos quais estamos habituados, o que talvez não seja possível de outra maneira, e isso amplia o repertório das pessoas, faz com que as leituras e interpretações delas acerca do que as rodeia e daquilo que está distante sejam enriquecidas, incluindo aí discussões que passam pela Matemática. Em nosso entender, essa concepção dialoga com Montoito (2019, p. 897), para quem
aprender a ler em Matemática também pode ser visto como um ato social, à medida que possibilita compreender a Matemática de outros povos e culturas, distantes ou não no tempo, coligando saberes e criando uma identidade de respeito às manifestações e apropriações diferentes daquelas que são abordadas no ambiente escolar.
A discussão das histórias de O Homem que Calculava e a leitura delas surgem como possibilidades desse ato social que é ler em Matemática. Uma das grandes virtudes das histórias é a ambientação construída nelas. Aspectos do dia a dia de Bagdá, a arquitetura, os hábitos e costumes, e a descrição das personagens são muito bem elaborados. Quando Beremiz Samir visita algum local, é como se estivéssemos ali com ele. Além da utilização da Matemática para resolver problemas ou mesmo filosofar, o personagem faz chegar aos leitores cores, sabores e aromas de onde as histórias se passam.
O conhecimento de O Homem que Calculava pela Turma B é um exemplo de como uma narrativa literária tem o potencial de ser usada em aulas de Matemática, transportando as turmas a uma cultura complexa, com seus costumes e lendas, belezas e problemas. Isso pode ser feito tendo a Matemática como elemento que proporciona a costura das histórias narradas, recurso narrativo que tem o êxito de mostrar que a Matemática também é falada e conversada, não se restringindo a livros e fórmulas. A Matemática não se encontra em um mundo à parte, mas faz parte.
Epílogo
Nos relatos apresentados, acompanhamos a experiência de um professor de Matemática com a inserção de narrativas literárias em suas aulas em dois anos distintos. Por meio dos relatos, observamos dois deslocamentos: um deslocamento de ambiente, em que a biblioteca da escola e a auxiliar de biblioteca são fundamentais para o êxito da ação pedagógica; e um deslocamento cultural, em que a possibilidade de leitura da obra O Homem que Calculava (Tahan, 2009) proporciona uma viagem a uma região cujos hábitos e costumes são muito distintos daqueles em que estamos inseridos.
Além desses deslocamentos, entendemos que as experiências relatadas possuem a Literatura como meio para o ensino de Matemática, como discutem Loures, Oliveira e Ferreira (2025). Segundo os autores, há pelo menos duas possibilidades de utilizar a Literatura no ensino de Matemática: como pretexto e como meio para o ensino.
Em relação à primeira categoria, a Literatura como pretexto utiliza textos literários como ponto de partida motivacional para atividades matemáticas, sem estabelecer uma relação direta de conteúdo com a história em si. Trata-se de atividades em que a narrativa é utilizada como ambientação para uma situação-problema criada pelos docentes a partir de algum personagem ou evento do texto, situações em que informações são coletadas para a elaboração de gráficos, entre outros. Já a segunda categoria, a Literatura como meio, envolve atividades em que o texto é explorado em si, casos em que há algum conhecimento matemático evidente presente na história e os professores o utilizam para o ensino da Matemática.
Destacamos que as atividades relatadas foram pontuais, não resultando em um projeto contínuo e integrado a outras iniciativas na escola. Mesmo os próprios livros que serviram de insumos para as atividades não foram utilizados em toda a sua extensão, apenas o capítulo 4 de Alice no País dos Números (Frabetti, 2009) e uma situação-problema de um dos capítulos de O Homem que Calculava (Tahan, 2009).
Entendemos que o estímulo ao hábito de leitura exige um trabalho prolongado e incorporado ao Projeto Político-Pedagógico da escola. Um trabalho interdisciplinar de leitura e pesquisa com professores de outras disciplinas talvez seja um caminho a ser perseguido por docentes de Matemática que objetivem um trabalho junto à Literatura de maneira mais consistente.
Acerca das dificuldades implicadas na elaboração de atividades pedagógicas que se tornem programáticas, como aquelas que envolvem Matemática e Literatura, destacamos a mudança constante de profissionais nas escolas. Tal situação impacta a motivação dos professores, que muitas vezes utilizam tempos de trabalho não remunerado para preparar projetos que acabam sendo interrompidos de um ano para outro ou dentro de um mesmo ano letivo. Essa situação também envolve adaptação a um novo local de trabalho e às relações nele preexistentes, o que repercute na implementação de ações de maior extensão.
Por fim, é preciso considerar que propostas pedagógicas que se estendem ao longo do ano e são interdisciplinares exigem planejamento coletivo e individual. O que se verifica, porém, é que o tempo de planejamento é exíguo, em alguns casos segmentado por áreas do conhecimento. Assim, transformar ações pontuais em ações programáticas representa um desafio para os professores.
Posfácio
Nas histórias apresentadas, temos o protagonismo de um professor que pretende estimular o hábito de leitura em seus alunos, de Literatura especificamente. Para isso, utilizou em suas aulas partes de duas obras em que há uma costura de conceitos e ideias da Matemática em narrativas literárias. Em O Homem que Calculava (Tahan, 2009), a Matemática tem importância fundamental na trama, ainda que a história extrapole o âmbito da Matemática, possuindo vários outros recursos narrativos. Alice no País dos Números (Frabetti, 2009), por sua vez, é um livro que utiliza elementos de uma narrativa literária para abordar conteúdos de Matemática ensinados no Ensino Fundamental.
O uso da Literatura em aulas de Matemática revelou o potencial que esse diálogo tem em produzir deslocamentos nas aulas, sejam eles pelos espaços da escola ou mesmo culturais e temporais por meio da imaginação. Porém, percebe-se que ações pontuais talvez não consigam atingir o objetivo de estimular o hábito de leitura, ainda que possam ser eficazes para trabalhar alguns conceitos e ideias da Matemática em um formato diferente do tradicional, baseado na exposição do conteúdo, realização de exercícios e correção destes.
Assim, possibilitar a continuidade de trabalhos que envolvam Literatura e Matemática é uma questão a ser considerada pelos professores de Matemática que se interessam por essa conexão. Nesse sentido, o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar, junto a professores de outras disciplinas, aparece como uma possibilidade. Há que se ressaltar, no entanto, que várias situações do cotidiano da atuação docente nas escolas tornam o planejamento e a execução de projetos mais extensos um desafio para os profissionais.
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Publicado em 24 de setembro de 2025
Como citar este artigo (ABNT)
LOURES, Pedro Lucchesi; OLIVEIRA, Davidson Paulo Azevedo; FERREIRA, Marcela Richele. O ensino de Matemática atravessado pela Literatura e pelos personagens de uma escola em Contagem/MG. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25. nº 36, 24 de setembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/36/o-ensino-de-matematica-atravessado-pela-literatura-e-pelos-personagens-de-uma-escola-em-contagemmg
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