Investigador de si próprio: o diário como ferramenta relevante na formação de professores

Daniela de Araújo Ando

Doutora (PUC/SP), professora da Faculdade Cristã da Cidade

Laura Perazza Mendes Nascimento

Mestra em História Social (Unicamp), professora da Faculdade Cristã da Cidade

O diário é considerado um instrumento fundamental nas metodologias qualitativas, por meio do qual o investigador tem a possibilidade de registrar o que ouve, vê, experimenta, pensa e reflete, além de captar movimentos, cheiros e comentários que vão além do óbvio (Bogdan; Biklen, 1994; Zabalza, 2004).

Bogdan e Biklen (1994) consideram o diário de campo uma ferramenta insubstituível, pois, mesmo quando se utiliza um gravador no local da pesquisa, o diário permite ao pesquisador rascunhar, desenhar, marcar ideias, descrever a fisionomia dos participantes e seus gestos, dados de grande valor para a etapa de análise. Assim, é importante que a escrita do diário não seja adornada, mas ágil e clara, reservando um tempo para a reflexão sobre as anotações, a apreciação das experiências e o acréscimo de informações.

Os diários de campo são considerados fontes documentais em estudos qualitativos, pois fornecem informações relevantes sobre a vida íntima das pessoas, suas condições de vida, privações e dramas pessoais. Um exemplo é o Diário de Anne Frank, que relata o drama de uma jovem e de sua família perseguidas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, podendo também ser tratado como exemplo de utilização de documentos pessoais na construção de um estudo de caso (Gil, 2021).

Para Minayo (2008), o diário de campo é uma ferramenta essencial em pesquisas que utilizam o método de observação participante, pois ela o considera como um

Caderninho de notas, em que o investigador, dia a após dia, vai anotando o que observa. [...] Nele devem ser escritas impressões pessoais que vão se modificando com o tempo, resultado de conversas informais, observações de comportamento contraditórios com as falas, dentre outros aspectos [...] é exatamente esse acervo de impressões e notas sobre as diferenciações entre falas, comportamentos e relações que podem tornar mais verdadeira a pesquisa de campo (Minayo, 2008, p. 295).

Isso posto, cabe frisar que o diário é uma ferramenta por meio da qual o indivíduo vai além da simples ação de registrar seus pensamentos, pois a utilização desse instrumento de pesquisa o leva a elaborar e observar os próprios pensamentos (Galiazzi; Lindemann, 2003). É como se o indivíduo olhasse para um espelho e visualizasse sua face — um diálogo consigo mesmo que lhe permite realizar uma leitura mais profunda e pessoal dos acontecimentos ao seu redor, perceber com mais clareza suas ações e refletir sobre sua prática, registrando suas reações e formas de atuação.

O diário é um instrumento primordial para o desenvolvimento profissional docente, visto que, ao escrever sobre sua prática, o professor aprende e reconstrói, por meio da reflexão, suas ações enquanto docente (Zabalza, 2004). Para esse autor, o diário não tem um fim em si mesmo, mas constitui uma ferramenta de que o professor dispõe para lançar “luz” sobre seus pensamentos.

A partir dessa explanação concisa sobre a importância do diário para a pesquisa, passaremos à discussão sobre a relevância de sua utilização na formação de professores, desde a licenciatura até a formação continuada, sem perder de vista o objetivo deste artigo: apresentar o diário como um poderoso meio de desenvolvimento profissional do professor, desde a formação inicial até a formação permanente.

Para isso, o artigo está estruturado em três etapas. No primeiro momento, apresentam-se as contribuições do diário na área da educação; na segunda fase, são destacadas as diferentes contribuições do diário na formação inicial de professores; e, na terceira etapa, discutem-se os modos como o diário é utilizado na formação continuada docente, suas contribuições e desafios. Concluímos que o diário contribui de maneira notável para a formação do professor, desde a licenciatura até a formação permanente, proporcionando uma dinâmica constante de melhoria da prática docente por meio da revisão e do aperfeiçoamento das atividades do professor. A contribuição deste artigo está em evidenciar a importância de se incentivar, ao longo de toda a carreira docente, o uso do diário como uma “janela aberta” para racionalizar experiências e desvelar a própria prática docente.

Metodologia 

O presente trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica. Segundo Marconi e Lakatos (2021), essa modalidade de pesquisa é relevante por fornecer dados atuais e significativos relacionados ao tema investigado. Dessa forma, textos de artigos e livros tornam-se fontes essenciais para o desenvolvimento e aprofundamento do estudo. Entendemos que não basta apenas realizar a pesquisa sobre o tema, mas, sobretudo, é necessário que o pesquisador apresente um avanço na discussão já existente sobre o assunto.

Para a seleção dos trabalhos utilizados como fontes de pesquisa, recorreu-se à base de dados Periódicos Capes, no período de dezembro de 2023, utilizando os descritores diário; campo; formação; professores.

A questão que norteou a busca pelos artigos nesta revisão foi: como o diário de campo pode contribuir para a formação inicial e continuada de professores?

No Portal Capes, foram identificados 167 artigos em língua portuguesa. Realizou-se uma filtragem por ano (2013 a 2023) e pelo idioma português, sendo aproveitados todos os artigos que atenderam à questão norteadora proposta neste estudo.

Após a análise dos resumos dos 167 artigos, foram selecionados 32 que destacavam a importância do uso do diário na formação inicial e continuada de professores. Assim, este texto foi fundamentado em seis artigos e livros voltados para essa temática.

A análise das informações foi realizada por meio de uma leitura investigativa e crítica do material disponível, empregando uma abordagem qualitativa.

Discussão e resultados

O contexto escolar é um espaço dinâmico e complexo que exige uma aprendizagem contínua por parte de todos os personagens que ali convivem. Na escola, deparamo-nos com inúmeros desafios ao conviver com diferentes gerações e com a grande diversidade de aparatos tecnológicos que nos cercam e nos instigam. Dessa maneira, o professor necessita estudar diariamente.

É nesse contexto educativo, marcado por tantos desafios e rápidas transformações, que acreditamos ser essencial a utilização de diários, pois

escrever sobre o que estamos fazendo como profissional (em uma aula ou em outro contexto) é um procedimento excelente para nos conscientizarmos de nosso padrão de trabalho. É uma forma de distanciamento reflexivo que nos permite ver em perspectiva nosso modo particular de atuar (Zabalza, 2004, p. 10).

Zabalza (2004) destaca que a primeira coisa que surpreende o pesquisador ao começar a se familiarizar com os diários é que existem diferentes formas e maneiras de utilizá-los; dentre elas, temos três tipos:   

Tipos de diários

Maneiras em que são utilizados

Organizador estrutural da aula

Nesse tipo de diário, o professor registra horário, organização e sequência das atividades.

Descrição de tarefas

Aqui, o foco principal são as tarefas nas quais professores e alunos estão envolvidos. Alguns docentes descrevem as atividades de forma detalhada, enquanto um segundo grupo apenas as identifica. Em alguns casos, encontramos o discurso do professor voltado para a descrição da tarefa, indicando como utiliza essa tarefa e/ou qual o objetivo de utilizá-la.

Expressivos e auto expressivos

O foco desse tipo de diário é registrar os “movimentos e sujeitos” envolvidos no processo didático. São descritivos quanto ao nome do aluno, ao que ele faz, ao seu progresso e a como o professor os percebe. É nesse tipo de diário que o professor registra como se vê, como se sente e como ocorre sua atuação. Aqui, o fator pessoal é preponderante em relação ao fator atividade escolar.

Para Zabalza (2004), não existe um tipo de diário superior ou inferior ao outro; o importante, para esse autor, é que esses diários possam ser integrados, ou seja, que apresentem informações sobre como as atividades são desenvolvidas e como o docente enxerga a dinâmica do grupo.

Quando é desenvolvido um diário focado nas tarefas ou nas pessoas, esse registro é considerado uma grande oportunidade para o professor refletir sobre o processo de ensino e seu desenvolvimento enquanto profissional. Para Zabalza (2004), o estilo de registro nos diários pode ser um indício de como o professor enfrenta a tarefa do ensino.

Os diários dão ao professor a oportunidade de rever elementos que muitas vezes passam despercebidos durante as ações diárias em sua profissão, bem como de observar como a interação afeta a ele e seus alunos. Ao registrar sua caminhada, que muitas vezes está permeada de sentimentos, o diário possibilita ao professor reconstruir sua experiência, permitindo o distanciamento e a análise do que foi desenvolvido. Essa reconstrução constante da prática pedagógica é essencial, pois a ação didática é considerada complexa, visto que, durante uma única aula, o docente pode se deparar com imprevisibilidade, dilemas e conflitos.

Para Zabalza (2004), quando é dada ao professor a oportunidade de refletir sobre sua prática, ocorre a transposição, pois nele o docente deixa um terreno de certezas dadas para um terreno de tomadas de decisões. Não existe a possibilidade de ser um professor melhor sem a reflexão e indagação sobre sua prática.

Entre as contribuições da escrita de diários, Fonseca (2022) aponta que, tanto para o professor em sala de aula quanto para o aluno das licenciaturas, o diário ajuda no letramento e estimula o desenvolvimento individual por meio da reflexão. É por meio dessa prática de registro que o professor tem a capacidade de interpretar os movimentos da sala de aula, construir sua teoria e avaliar sua metodologia. De acordo com Lacerda (2021), a leitura e a escrita são atividades diárias que se coadunam com a criatividade do professor e devem estar alicerçadas numa prática crítico-reflexiva.

Nessa mesma direção, temos as contribuições de diferentes autores que complementam as discussões sobre as contribuições do diário para a educação.

Quadro 1: Contribuições do diário de campo, segundo os autores

Autores

Concepções de diário

Galiazzi; Lindemann (2003)

  • Escrever um diário não é simples, mas é uma forma eficiente do professor perceber e organizar seus pensamentos;
  • Ao escrever sobre a sua prática, o professor aprende, reconstrói e reflete sua atividade profissional;
  • Por meio do diário, o professor é levado a refletir sobre sua ação didática e dessa forma buscar soluções para os problemas encontrados no contexto educativo;
  • No Ensino Superior, o diário possibilita ao professor conhecer algumas particularidades do contexto educacional em que seu aluno de licenciatura está inserido;
  • O diário é um “espaço “ no qual o professor pode desabafar e relatar situações desestabilizadores;
  • Ferramenta importante na construção de professores reflexivos quando ele tem a possibilidade de dialogar consigo mesmo e com os outros professores quando os diários são socializados;
  • Instrumento de diálogo entre formador e formando.   

Charréu; Oliveira (2005)

  • Registro biográfico da atuação docente;
  • Quando utilizado com frequência, permite ao professor analisar e refletir sobre sua atuação educativa;
  • Permite voltar as suas anotações para rever e avaliar o que foi realizado;
  • Ferramenta que auxilia o professor a detectar problemas, concepções didáticas e pedagógicas;
  • São considerados como “lentes micro” que ajuda os licenciados a se aproximar daquilo que buscam compreender melhor;
  • Possibilita ao escritor, olhar para o interior de si mesmo, seus anseios, angustias que prejudiquem seus movimentos enquanto estudantes em formação.

Abreu et al. (2020)

  • Propicia o processo reflexivo onde o professor relaciona os acontecimentos práticos com os conhecimentos teóricos;
  • Contribui para que o educador tenha momentos de autoanálise;
  • Ao socializar suas anotações com outros professores, contribui significativamente para formação docente, visto que outros profissionais ao relatarem seus desafios, conjuntamente descobrem novas alternativas como direcionamento aos desafios.

André; Potin (2010)

  • Oferece informações sobre os alunos, a didática e metodologia do professor;
  • Possibilita a tomada de consciência do aprendizado, a reorganização e aperfeiçoamento do seu ensino.

Barreiros; Gianotto (2016)

  • Possibilita que o professor investigue sua caminhada, primeiro como narrador e posteriormente como um analista de seus registros;
  • A reflexão sobre as anotações no diário pode ser em grupo, mas o resultado dessa reflexão precisa ser pessoal;
  • O simples fato de descrever suas ações educativas, já contribui para um momento de reflexão, e posteriormente contribui para mudança de concepção sobre a sua prática, tendo como pontapé inicial o acervo histórico construído.

A partir desse quadro, podemos observar o quanto o diário de campo contribui na caminhada docente, que vai desde sua inserção na licenciatura e se estende na formação permanente. O diário revela, então, indícios sobre a dinâmica escolar e sobre os métodos empregados pelos professores na resolução de situações do contexto educativo. Isso certamente fornece informações valiosas para o desenvolvimento do trabalho, tanto de forma individual quanto no apoio aos professores em formação.

Contribuições do diário na formação inicial de professores

Nesse contexto da discussão sobre formação inicial de professores, o diário possibilita ao aluno de licenciatura conhecer como se dá a construção do seu conhecimento relacionado às disciplinas e/ou à atuação nos locais de formação. O mesmo é considerado uma ferramenta de “raio-X” da caminhada do aluno de licenciatura, pois, através dele, podemos detectar o que está dando certo e o que precisa ser aprimorado; ou seja, ele possibilita, de forma efetiva, realizar as adequações importantes para a prática de ensinar e ressignificar a teoria aprendida.

Outra contribuição do diário é apresentada por Galiazzi e Lindemann (2003) em um trabalho desenvolvido por estagiários e formadores no curso de licenciatura. Neste artigo, as autoras apontam que a utilização de diários durante o estágio sustenta a conexão entre escrita, reflexão e aprendizagem. Através do diário de estágio, era percebido pelo professor formador diferentes teorias pessoais dos alunos estagiários, que, ao serem discutidas em grupo, apresentavam modificações no conhecimento profissional dos alunos de licenciatura, além de proporcionar desabafo e amparo em situações desestabilizadoras em que os estagiários se encontravam. As contribuições de Galiazzi e Lindemann (2003) não param por aí: essas autoras relatam a experiência dos estagiários na aula de ciências, que registraram em seus diários a importância de discutir em sala de aula com os alunos os aspectos ambientais em detrimento de conteúdos tradicionais. Esse registro evidencia o entendimento enriquecedor de currículo tanto para os estagiários quanto para a professora universitária.

Torna-se evidente que o diário utilizado na formação inicial de professores propicia a troca de ideias e vivências pedagógicas a partir do momento em que o licenciado compartilha com professores e pares suas anotações nos diários ou expõe a aula ministrada no estágio. Esse compartilhamento de vivências através dos registros do diário permite trocar informações, discutir sobre os problemas enfrentados e acolher dúvidas entre os licenciados. É essa leitura do coletivo que propicia o fluxo de informações, no qual cada um pode expressar seus temores, angústias, problemas e dificuldades. Nessa interação entre licenciados e professor orientador de estágio surge a oportunidade para que o professor universitário avalie suas práticas, reavaliando suas ações profissionais, bem como os materiais disponibilizados aos licenciados (Charréu; Oliveira, 2005).

Há um entendimento geral de que os processos de formação inicial devem propiciar atividades que envolvam, de maneira realista, a complexidade do ensino, com o objetivo de unir teoria e prática. Essa dimensão prática nos currículos de formação inicial é entendida como um componente integrador que visa situar o aluno de licenciatura no contexto da atuação, uma atuação que vai além da execução e se transforma em um exercício de análise fundamentado na teoria.

Esse movimento colaborativo desde a formação inicial traz inúmeras contribuições para o aluno de licenciatura que, posteriormente, irá atuar em sala de aula. Esses problemas apresentados terão maiores possibilidades de apontar para novas alternativas. “Assim, vemos o diário como um instrumento de reflexões e de tomada de consciência da aprendizagem, possibilitando a reorganização e o aperfeiçoamento do ensino” (André; Pontin, 2010, p. 15).

Isso permite afirmar que o uso do diário permite uma dupla avaliação: de um lado, o aluno se depara, através dos registros no diário, com suas dificuldades, sucessos e aprendizados, pelos quais vai construindo e reconstruindo seu conhecimento profissional; do outro, o professor formador avalia, a partir dos registros, como foi desenvolvido o processo de aprendizado do futuro professor, como ocorreu seu ensino e quais sucessos e conflitos requerem transformações.

O diário na formação continuada de professores

Imbernón (2011), ao falar sobre a formação continuada, nos diz que ela assume um papel que vai além de simplesmente atualizar conhecimentos científicos, pedagógicos e didáticos. Para esse autor, a formação continuada se transforma em uma oportunidade de criar ambientes de participação, reflexão e desenvolvimento, permitindo que as pessoas aprendam e se ajustem para lidar com mudanças e incertezas. Nesse contexto, o diário desempenha um papel crucial na criação de ambientes participativos, reflexivos e de aprendizagem. Ele funciona como um instrumento que evidencia as práticas docentes, permitindo o registro e a reflexão sobre as experiências ao longo da jornada do docente. Além disso, o ato de registrar ilumina as ações diárias, proporcionando uma visão mais clara e aprofundada do processo educativo.

Essa formação continuada deve se basear na reflexão dos profissionais sobre sua prática, permitindo-lhes analisar suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes, entre outros aspectos. Esse processo deve ser contínuo, com autoavaliações que orientem e aprimorem seu trabalho (Imbernón, 2011). Nesse contexto, fica claro que os diários oferecem aos professores a oportunidade de revisitar aspectos de seu universo pessoal que muitas vezes permanecem ocultos de sua própria percepção enquanto estão envolvidos nas atividades diárias de trabalho (Zabalza, 2004).

Quando se trata do foco principal no currículo de formação do professor, Imbernón (2011) destaca a importância do desenvolvimento de ferramentas intelectuais que promovam a capacidade de reflexão sobre a própria prática docente. O objetivo central é aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a educação e a realidade social de maneira colaborativa. Nesse sentido, o diário cumpre um papel importante como ferramenta intelectual ao possibilitar ao docente escrever sobre si mesmo, envolvendo a concretização dos processos mencionados anteriormente: ao escrever, racionaliza-se a vivência, reconstruindo a experiência. Isso permite um distanciamento e uma análise mais aprofundada (Zabalza, 2004).

Outra contribuição interessante que Imbernón (2011) traz para a discussão sobre a formação continuada de professores é que esta deve ser centrada na escola, ou seja, abrange todas as estratégias utilizadas em conjunto por formadores e professores para direcionar os programas de formação de maneira a atender às necessidades específicas da instituição e melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem nas salas de aula e na escola como um todo.

Quando se menciona formação centrada na escola, entende-se que a própria instituição educacional se torna o principal local de formação, superando outras ações formativas. Essa abordagem representa mais do que uma simples mudança no local da formação, pois não se trata de uma simples transferência física, nem tampouco de um novo agrupamento de professores para formá-los, mas sim de um novo enfoque para redefinir conteúdos, estratégias, protagonistas e propósitos da formação (Imbernón, 2011, p. 85). Assim, a utilização do diário aponta para a construção de um docente reflexivo que, por meio do diálogo consigo mesmo e com os demais docentes, estabelece conhecimentos mais fundamentados. Quanto mais conscientes forem os professores de suas práticas, maiores serão as possibilidades de sair de um “terreno de certezas dadas [...] e de rotinas procedimentais, para um terreno de tomada de decisões, de debate, [...] de criação” (Zabalza, 2004, p. 23).

Conclusão  

Acreditamos que a formação inicial de professores deve propiciar uma educação voltada para a pesquisa, a qual ajuda o aluno das licenciaturas a aprender a observar o mundo sob diversas óticas. Nessa perspectiva, entendemos a grande necessidade de que os alunos da licenciatura conheçam e utilizem ferramentas reflexivas empregadas no meio acadêmico, como o diário, de modo que este não seja utilizado de maneira restrita, reproduzindo na escrita apenas o que é observado, mas permitindo que o futuro professor registre seus diálogos consigo mesmo, realizando uma leitura mais profunda e pessoal dos acontecimentos ao seu redor. Já no contexto da formação continuada, é necessário que professores em serviço conheçam e aprendam a utilizar o diário como uma oportunidade de reflexão, consigo mesmos e com outros professores em serviço. Dessa forma, entendemos que esse movimento se constitui em uma grande possibilidade de aprendizado mútuo.

Nossa contribuição com este artigo é evidenciar a necessidade do uso de ferramentas de reflexão, como o diário, desde a formação inicial até a formação continuada, para que o aluno de licenciatura e os professores em serviço desenvolvam essa prática como um instrumento valioso de distanciamento reflexivo sobre a forma de aprender, compreender e refletir sobre sua educação. O aluno de licenciatura que, desde a formação inicial, tem a oportunidade de aprender e utilizar o diário como ferramenta de promoção reconstrutiva de suas experiências diárias terá maiores possibilidades de desenvolver, enquanto professor, a reflexão sobre sua própria prática docente.

Referências

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BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em Educação. Porto: Porto, 1994.

CHARRÉU, Leonardo V.; OLIVEIRA, Marilda O. Diários de aula e portfólios como instrumentos metodológicos da prática educativa em artes visuais. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 45, nº 156, p. 410-425, abr./jun. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/J4TnqVktbqHLbCbVLgqSHsH/. Acesso em: 13 maio 2024.

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MARCONI, Marina A.; LAKATOS, Eva M. Técnicas em pesquisa. São Paulo: Atlas, 2021.

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ZABALZA, Miguel A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Publicado em 12 de novembro de 2025

Como citar este artigo (ABNT)

ANDO, Daniela de Araújo; NASCIMENTO, Laura Perazza Mendes. Investigador de si próprio: o diário como ferramenta relevante na formação de professores. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 25, nº 43, 12 de novembro de 2025. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/25/43/investigador-de-si-proprio-o-diario-como-ferramenta-relevante-na-formacao-de-professores

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