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O expressionismo abstrato
Nataraj Trinta
Number Ten por Mark Rothko, 1952.
Seattle Art Museum.
Se, por um lado, as obras de Willem de Kooning, Jackson Pollock, Hans Hofmann, Rothko e Barnett Newman, entre outros, causavam extrema polêmica no período pós-guerra, o crítico de arte Clement Greenberg denunciava os perigos de considerar a arte norte-americana abstrata como simples ruptura com a arte passada. Na década de 1950, todos os campos artísticos (música, literatura etc.) rompiam com estritas regras definidas pelos cânones de seu meio e extrapolavam antigos polos de influência, chamando atenção para produções artísticas fora da Europa. Mas, segundo Meyer Schapiro, embora parecesse arbitrário ressaltar as artes visuais, era na pintura que se observava uma verdadeira revolução. O historiador da arte comparou as experiências mais intimistas e profundamente pessoais e as invenções e experimentos que atritavam os limites da arte às mais importantes revoluções sociais, científicas e tecnológicas.
Pela leitura de críticos e historiadores da arte sobre a pintura americana do pós-guerra, como entender as alegações dos escritores que afirmavam que a ideia de humanidade da arte foi enormemente ampliada nesse período? Quais as características dessa nova arte e suas influências e em que sentido configuravam o “novo”?
Tela Idyll por Hans Hofmann, 1955.
A pintura que alcançou autonomia em solo americano e hegemonia na arte na metade do século XX recebeu inúmeras designações: american-type painting, action painting e expressionismo abstrato. Estes não eram só “rótulos”, mas formas de identificar um determinado grupo de artistas e obras.
Harold Rosemberg inventou a expressão action painting para designar o momento em que as telas apareciam como arenas abertas, ao invés de um espaço onde um objeto real ou imaginário era reproduzido. A pintura tornava-se o meio de se confrontar com a natureza problemática da individualidade moderna e, embora não houvesse um conceito expresso de vanguarda no movimento, a action painting levava consigo os pressupostos tradicionais de uma vanguarda, exigindo a demolição de valores preexistentes. O artista não apresentaria mais uma imagem, mas uma ação sobre a tela em branco, que por sua vez oferecia a oportunidade para um fazer ainda não engolido pela máquina da sociedade capitalista. O pintor americano descobria, portanto, uma nova função para a arte como “a ação” que pertencia a ele próprio em um período de guerra e colapso das esquerdas.
Visitante observando obra de Newman.
Meyer Schapiro também insistia que, nas primeiras décadas do século XX, pintores e escultores romperam com a tradição estabelecida de suas artes como representativas. De produtores de imagens limitadas por concordância com as formas naturais, os protagonistas do modernismo descobriram campos inteiramente novos de construção da forma e da expressão, gerando uma nova atitude em relação à arte. O artista passava a acreditar que o essencial era que cada obra tivesse uma ordem ou coerência individual, uma qualidade estrutural de unidade e necessidade, independente do tipo de formas usadas; e que as formas e cores escolhidas tivessem clara fisionomia expressiva através da força intrínseca das cores e linhas, opondo-se à relevância de expressões faciais, gestos e movimentos. Essa visão possibilitou a apreciação de diversos tipos de arte antiga e das artes de povos não-europeus antes pouco valorizadas, visto que a verdadeira arte deveria exibir certo grau de conformidade à natureza. Essa transformação da arte desbancou definitivamente, no pós-guerra, não apenas a representação como também a contenção expressiva. Muitos tipos de desenho, pintura e escultura antes ignorados foram tidos no mesmo nível da arte ocidental “civilizada” – e isso não teria ocorrido sem a revolução da pintura moderna.
Visitante observa uma tela do pintor
americano Mark Rothko (1903-1970)
no Museu Kunsthalle em Hamburg, Alemanha. 2008.
A ideia de humanidade da arte foi enormemente ampliada, e sua noção mudou de um aspecto imagético para outro expressivo, construtivo e inventivo. Um processo que culminou no expressionismo abstrato, com o fim da mimese, a contestação ao figurativo, com a introdução da caligrafia japonesa e de outros signos visuais referentes a distintas culturas e com a referência das escalas dos murais mexicanos. Saía-se da tela de cavalete europeia para as grandes obras que, não raro, apresentavam mais de dois metros de altura.
Tela Sea Change de Jackson Pollock, 1947.
Seattle Art Museum.
A humanidade da arte, de acordo com Rosemberg e Schapiro, não se confinava à imagem do homem, mas se encontrava na expressão do artista. Era sua atividade inventiva e seu poder de imprimir numa obra sentimentos e qualidades de pensamento que podiam ser exercidos numa gama ilimitada de temas e elementos que, para pensadores influenciados pela filosofia existencialista, faziam a diferença em um momento em que a pintura e a escultura eram os últimos objetos pessoais feitos à mão e inseridos em uma sociedade em que quase tudo era produzido em massa, industrialmente e através da divisão do trabalho.
Clement Greenberg negava a subjetividade do artista como o único elo entre o passado e a “arte abstrata recente” e afirmava que os termos informal e action painting designavam um tipo de arte absolutamente nova e limitada a um grupo de quatro ou cinco pintores. Segundo Greenberg, não era supérfluo insistir que o modernismo (movimento do qual o expressionismo abstrato é um prolongamento, por dialogar com convenções estabelecidas pela arte pictórica anterior) jamais pretendeu uma ruptura. Significava uma transição, uma separação da tradição, mas era também uma continuidade “sem hiato” com o passado.
Tela Door to the River de Willem de Kooning, 1960.
Geoffrey Clements Collection.
Os três escritores, no entanto, concordavam que foi a ênfase conferida à planaridade da superfície a característica mais fundamental para os processos pelos quais a arte pictórica se criticou e se definiu no modernismo. A representação ou ilustração, enquanto tal, não afetava em si a singularidade da arte; eram as associações das coisas representadas que o faziam. A pintura abstrata recente consumava a insistência dos impressionistas no óptico como o único sentido que uma arte plenamente pictórica poderia invocar.
A distância das áreas em guerra, a emigração de diversos artistas europeus (como Mondrian, Léger, Chagall), a aquisição de obras e construção de museus e galerias e o apoio de políticas governamentais a partir do New Deal (como o Federal Art Project) permitiram nos EUA a leitura, na primeira metade do século XX, de importantes obras de Klee, Miró, Kandinsky, Matisse, Picasso etc.
Tela de Jackson Pollock no Museum of Modern Art,
Manhattan, New York.
O termo expressionismo abstrato – cunhado por Robert Coates em referência à influência declarada dos expressionismos alemão, russo e judaico sobre os artistas americanos – não era isento de problemas com relação à sua interpretação... Supõe-se geralmente que os expressionistas abstratos partem de impulsos inspirados, mas Greenberg chama atenção para a influência do cubismo em Gorky, Willem de Kooning, Hans Hofmann e Jackson Pollock, entre outros, ao se depararem com o problema da ilusão de profundidade superficial ainda presente nas telas de Picasso, Braque e Léger, e a regularidade retilínea e curvilínea de seus trabalhos.
Tela Woman IV de Willem de Kooning, 1952-1953.
Burstein Collection.
A reação ao rigor linear do cubismo se deu a partir da afirmação do pictórico. Uma pintura definida através da cor e do contorno através de um tratamento solto, rápido, composto por massas de tinta que construíam manchas e se confundiam em lugar de definir formas separadas. Um fazer artístico definido por ritmos largos e bem aparentes, construído a partir de tons que se acentuavam ou se degradavam; cores de saturação ou densidade desiguais; marcas visíveis de pincel, espátula, dedo ou trapo que davam cada vez mais a cara da “nova” visualidade.
A pintura abstrata tinha pouco a ver com a abstração lógica ou matemática de Mondrian. Para o artista americano, as formas elementares possuíam fisionomia; eram formas expressivas vivas e irregulares, compostas por elementos que correspondiam, em seu caráter dinâmico, à sensação e agiam por sua textura e cor. As objeções aos mestres da pintura abstrata, como Mondrian, eram em grande parte as mesmas colocadas aos grandes mestres do século XIX. Eram chamados de secos, intelectuais e materiais demais.
Tela Convergence de Jackson Pollock, 1952.
Albright-Knox Art Gallery.
Porém o mais radical de todos os fenômenos do expressionismo abstrato foi seu esforço em repudiar o contraste de valor como construtor da ilusão de tridimensionalidade. Se por um lado os cubistas recusaram o sombreamento escultural, por outro restituíram a importância do contraste de valor para o desenho e a forma, e é nesse movimento de oposição à composição baseada no chiaroscuro que foi possível, dentre tantas formas, por exemplo, o all over de Jackson Pollock.Entende-se por all over uma superfície coberta por motivos uniformes que geram a impressão de um papel de parede, uma qualidade decorativa que enfatiza uma superfície lisa e uma profundidade chapada sem prender o espectador a nenhum elemento. Uma pintura composta de elementos “repetitivos” e inteligível apenas através do todo da obra.
Tela Orange Outline por Franz Kline, 1955.
North Carolina Museum of Art.
Mas o que tornava as artes visuais tão importantes para Schapiro era seu alto grau de não-comunicação. Não se podia extrair uma mensagem da pintura através de meios corriqueiros, afinal não havia um código claro ou um vocabulário definido. O artista não desejava criar uma obra em que transmitia uma mensagem preparada e completa para um receptor relativamente impessoal, mas visava um todo que atingia o estado mental e sensorial do espectador. A pintura e a escultura, portanto não comunicariam, mas induziriam uma postura de comunhão, contemplação e vivência do sentimento e da imaginação do artista.
Tela 1948-D por Clyfford Still, 1948.
Bibliografia
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
GREENBERG, Clement. Arte Abstrata. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
___________. Abstração pós-pictórica. FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
__________. Pintura “à americana”. FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
__________. Pintura “de tipo americano”. Arte e Cultura: ensaios críticos, São Paulo: Ática, 1989.
_________. Pintura modernista. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
NEWMAN, Barnett. Resposta a Clement Greenberg. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
ROSENBERG, Harold. Action painting:crise e distorções. In: FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecilia (org.). Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Jorge Zahar, 1997.
SCHAPIRO, Meyer. A Pintura Abstrata Recente. A arte moderna: séculos XIX e XX. São Paulo: Edusp, 1996.
__________. Sobre a humanidade da Pintura Abstrata. A Arte moderna: séculos XIX e XX. São Paulo: Editora Edusp, 1996.
Publicado em 13 de outubro de 2009
Publicado em 06 de outubro de 2009
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