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Webrádio: um novo meio para uma pedagogia crítica da sociedade

Fábio Rapello Alencar

Jornalista com MBA em Marketing Empresarial (UFF)

Todo homem tem direito à liberdade de opiniões e expressão. Esse direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

(Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Aspectos como distanciamento geográfico e ambientes socioculturais divergentes, que antes dificultavam a colaboração entre os indivíduos e diminuíam o acesso a um grande número de informações, são superados devido principalmente ao avanço das mídias digitais e à expansão e à melhoria da internet. Com isso, novas técnicas surgem e permitem, através da utilização crescente de multimídias e ferramentas colaborativas, novos processos de produção de conteúdos voltados para o desenvolvimento do indivíduo em todas as suas dimensões – material, emocional, social, psicológica, pois, “quando bem utilizadas, as tecnologias, em contexto pedagógico, podem favorecer experiências enriquecedoras, potencializando novas formas de ensinar e aprender” (Bottentuit e Coutinho, 2008).

A união da educação com a comunicação mediada pelas tecnologias da informação tem grande potencial de transformação social no sentido da plena cidadania, propiciando, com isso, visão de conjunto; o novo indivíduo estará se preparando para entender a sociedade em sua macroestrutura – globalização – e em sua infraestrutura – cultura local –, tornando-se, assim, um elemento de ação, transformação e desenvolvimento social. Essas constatações apontam para a necessidade de ações contínuas de aplicação de novas tecnologias no processo pedagógico.

A interação entre Comunicação e Educação tem chamado a atenção de muitos pesquisadores nos últimos anos, tanto que no I Fórum Nacional sobre Mídia e Educação – Perspectivas para a Qualidade da Informação, ocorrido em 1999 em São Paulo, foram feitas quatro recomendações para ampliar essa interação:

  1. a) reconhecer a inter-relação Comunicação e Educação como um novo campo de intervenção social e de atuação profissional, considerando que a informação é um fator fundamental para a educação;
  2. b) difundir o binômio Comunicação e Educação como potencial transformador da sociedade em direção à plena cidadania;
  3. c) flexibilizar os currículos de Comunicação, inserindo conhecimentos e práticas da área educacional para que o profissional de Comunicação tenha possibilidade de ampliar sua atuação como “educomunicador” (o novo profissional, que atua ao mesmo tempo nos campos da Educação e da Comunicação, motivado pela formação de cidadãos críticos, participativos e inseridos em seu meio social);
  4. d) incentivar a formação permanente dos profissionais de Comunicação e Educação através de ação das Universidades. No caso, sugere-se que as faculdades de Comunicação e as de Educação criem, juntas, um currículo básico, a ser ministrado a cada final de ano para os formandos das duas áreas, com informações básicas sobre a inter-relação Mídia e Educação (Schaun, 2001).

Na possibilidade do surgimento de uma nova disciplina, em que a informação passe a ter um papel central na educação dos indivíduos, é de grande importância o posicionamento crítico em relação aos meios de divulgação dessa informação e aos seus conteúdos produzidos. O sociólogo norte-americano Douglas Kellner (2001) chama a atenção para a necessidade de criar meios para a distinção “entre o melhor e o pior da mídia e cultivar as subculturas contestadoras e alternativas”.

Na sociedade atual, entendida por alguns como pós-moderna, observa-se que questões como identidade, liberdade, tempo e esperança, entre outras, tomam dimensão até então nunca vista. Como exemplo, podemos citar o sociólogo Zygmunt Bauman (1997). Ele fala sobre a tendência de “abolição do tempo”, nivelando o fluxo de informações “num presente contínuo”; sobre a identidade, ele diz que está no “eixo da estratégia pós-moderna” e deve manter-se dinâmica, fluídica, em constante movimento.

O nome do jogo é mobilidade: a pessoa deve poder mudar [a identidade] quando as necessidades impelem ou os sonhos solicitam. A essa aptidão os “turistas” dão o nome de liberdade, autonomia ou independência, e prezam isso mais do que qualquer outra coisa, uma vez que é a conditio sine qua non de tudo o mais que seus corações desejam (Bauman, 1997).

Sonhos, comportamentos, interpretação

Mas quem diz o que devemos sonhar? Quem determina como devemos nos comportar? É nesse instante que os meios de comunicação entram em cena. É por meio deles que é definido o que deve ser dito, a forma como será dito e, o mais grave, eles é que definem também a forma de entendermos todas as informações transmitidas.

Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de “nós” e “eles”. Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a reconstituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global (Kellner, 2001).

O professor Milton Santos corrobora a observação de Kellner ao afirmar que o indivíduo vive sob uma “dupla tirania”, liderada pelo dinheiro e pela informação, “intimamente relacionadas”, pois as duas “fornecem as bases do sistema ideológico que legitima ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas” (Santos, 2001).

Então como os indivíduos podem resistir a esse bombardeio de significados e mensagens hegemônicas, desenvolver sua interpretação da cultura e utilizar os meios de comunicação de massa para criar seus próprios significados, estilos de vida e identidade própria? A definição que Kellner tem de cultura dá uma pista de como deve ser a cultura como representação de uma sociedade igualitária e justa.

A cultura, em seu sentido mais amplo, é uma forma de atividade que implica alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades. A cultura modela indivíduos, evidenciando e cultivando suas potencialidades e capacidades de fala, ação e criatividade (Kellner, 2001).

O somatório desses fatores mostra a necessidade de criar alternativas que ofereçam aos indivíduos meios de defesa contra o ambiente cultural sedutor em que vivem; contra a utilização dos meios de comunicação como fonte de uma pedagogia cultural que induz os “indivíduos a identificarem-se com as ideologias, as posições e as representações sociais e políticas dominantes” (Kellner, 2001).

Rádio para a pedagogia

Acreditamos que é possível utilizar essas mesmas ferramentas – meios de comunicação de massa e, mais especificamente, a rádio via web – para criar uma pedagogia crítica da sociedade, em que os cidadãos poderão falar, agir e expressar seus sentimentos, angústias e comportamentos sem que por trás dessa comunicação haja apenas interesses de grupos econômicos e/ou políticos.

As características da linguagem radiofônica com atenção à produção de conteúdo favorecem o desenvolvimento de uma programação em que questões como cidadania, democracia, sustentabilidade, empreendedorismo, saúde pública, luta contra discriminação (sexual, de gênero, de etnia e de classe, entre outras) possam ser discutidas.

Outra característica útil da convergência de mídias – neste caso, do computador com o rádio – está no sentido de facilitar o ensino através da discussão e da interdisciplinaridade de temas atuais que perpassam o conteúdo tradicional das disciplinas escolares. Com isso, podemos também criar um modelo de rádio via web que sirva para outras iniciativas que busquem a mudança social pela via do desenvolvimento do indivíduo. Enfim, utilizar efetivamente os meios técnicos como ferramentas para a mudança social.

A partir desse entendimento, a rádio via web, devido às suas características inerentes – abrangência, penetração social e popularidade, diversidade de elementos de discurso, potencial para informar, entreter, ensinar, reforçar e legitimar discursos em torno de ideias e práticas –, pode funcionar para os alunos como um dinamizador de novos saberes, a partir do que já é conhecido, do que é compreendido e apreendido da realidade de vida de cada um para posteriormente serem reaplicados e gerarem outros novos saberes, num ciclo contínuo de análise, avaliação e reaplicação.

Milton Santos diz que é possível a retomada das ideias de projeto e utopia; basta, para isso,

a conjunção de dois tipos de valores: de um lado, estão os valores fundamentais, essenciais, fundadores do homem, válidos em qualquer tempo e lugar, como liberdade, dignidade, felicidade; de outro, surgem os valores contingentes, devidos à história do presente, isto é, à história atual. A densidade e a factibilidade histórica do projeto, hoje, dependem da maneira como empreendemos a sua combinação. Por isso, é lícito dizer que o futuro são muitos; e resultarão de arranjos diferentes, segundo nosso grau de consciência, entre o reino das possibilidades e o reino da vontade. É assim que iniciativas serão articuladas e obstáculos serão superados, permitindo contrariar a força das estruturas dominantes, sejam elas presentes ou herdadas. A identificação das etapas e os ajustamentos a empreender durante o caminho dependerão da necessária clareza do projeto (Santos, 2001).

Assim, a partir dessa dinâmica, surge um novo intelectual, que Foucault chama de “intelectual específico”, ligado a uma nova relação entre a teoria e a prática de seu saber. Ele se habituará “a trabalhar não no ‘universal’, no ‘exemplar’, no ‘justo-e-verdadeiro-para-todos’, mas em setores determinados, em pontos precisos em que o situavam, sejam suas condições de trabalho, sejam suas condições de vida” (Foucault, 1993).

A relevância deste tema está na necessidade atual de uma análise crítica da sociedade com relação à cultura constituída pelos meios de comunicação. É necessário oferecer um canal alternativo à grande mídia, dominada por grandes conglomerados econômicos, para que os indivíduos possam aprender a interpretar e a criticar os significados e as mensagens inseridas nas informações veiculadas.

É necessária a criação de um modelo de programação para rádio via web, em que o conteúdo a ser veiculado possa ser desenvolvido a partir do entendimento de como as pessoas fazem a leitura do ambiente sociocultural em que estão inseridas, para que, citando Bauman,não sejam apenas “turistas” neste mundo midiatizado.

Fundamentalmente, realizar-se-á uma luta pelo poder, pois, como ensinou Foucault, poder e conhecimento/verdade estão estruturalmente ligados. Cada sociedade apresenta seu sistema de valores, com discursos aceitos como verdadeiros; criam-se os ambientes, os mecanismos e as instâncias que autorizam a classificação dos discursos como falsos ou verdadeiros, confirmando-os como tal. Também podemos pensar nas pessoas, nas técnicas e nos processos que recebem o “encargo de dizer o que funciona como verdadeiro” (Foucault, 1993).

A intenção é fazer com que os ouvintes dessas rádios se tornem os intelectuais a quem Foucault se refere em Verdade e Poder. Indivíduos que terão “tripla especificidade” em sua ação:

1) a especificidade de sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo, intelectual "orgânico" do proletariado);

2) a especificidade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que se submete ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital etc.); e, finalmente,

3) a especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas. É então que sua posição pode adquirir significação geral, que seu combate local ou específico acarrete efeitos, tenha implicações que não são somente profissionais ou setoriais (Foucault, 1993).

Foucault fala ainda em uma “nova política da verdade”, em que a questão fundamental para o intelectual não é a crítica aos conteúdos ideológicos que legitimam as relações sociais e o ambiente cultural ou lutar para mudar a “consciência” dos indivíduos, mas sim atuar para a mudança do “regime político, econômico e institucional de produção da verdade”, pois, na sua visão, “não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento” (Foucault, 1993).

É necessário tentar, através das leituras dos “textos culturais”, desenvolver práticas de intervenção e de produção alternativas às atuais para somar esforços com tantos outros pesquisadores que discutem hoje o grande potencial que os meios técnicos de comunicação têm de ser instrumento para o desenvolvimento e progresso sociocultural.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

BOTTENTUIT, João Batista; e COUTINHO, Clara Pereira. Rádio e TV na Web: vantagens pedagógicas e dinâmicas na utilização em contexto educativo. Revista Teias. Rio de Janeiro, ano 9, nº 17, p. 101-109, jan/jun 2008.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SCHAUN, Ângela. Educomunicação: algumas questões sobre cidadania, racismo e mídia. Intercom. Campo Grande, setembro de 2001.

Publicado em 13 de outubro de 2009

Publicado em 06 de outubro de 2009

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