Desafios e possibilidades no processo de avaliação do(a) aluno(a) surdo(a)

Antonia Pereira da Silva

Licenciatura Plena em Letras – Libras (UFPB)

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Doutorando Prodema (UFPB)

Introdução

No Brasil, muito tem se falado em processos de avaliação escolar e do sistema educacional como um todo – avaliações quantitativa e qualitativa, avaliações institucional, docente e do processo de ensino-aprendizagem. Um tema atual e necessário que merece atenção especial, uma vez que todos, de uma forma ou de outra, a cada momento encontram-se na posição ora de avaliador, ora de avaliado, já que o ato de avaliar nasce com o próprio homem (Gremaud et al., 2009).

Em se tratando da avaliação da aprendizagem, discente e docente estão diretamente ligados, e por que não dizer, indissociáveis nesse processo chamado de ensino-aprendizagem, pois, de acordo com Luckesi “educador e educando, aliados, constroem a aprendizagem, testemunhando-a à escola, e esta à sociedade” (Luckesi, 2006, p. 175).

Educandos portadores de necessidades/dificuldades

Em se tratando de alunos com algum problema físico, esse processo de avaliação deve levar em consideração as necessidades e dificuldades do alunado no processo de ensino-aprendizagem, garantindo a inclusão escolar preconizada pela legislação brasileira desde 1988 até os dias atuais (Quadro 1).

Quadro 1 – Legislação que garante a inclusão dos(as) alunos(as) com deficiência psicomotora.

Dispositivo legal Descrição
Leis
  • Constituição Federal de 1988 – Educação Especial
  • Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN
  • Lei nº 9.394/96 – LDBEN – Educação Especial
  • Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – Educação Especial
  • Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente
  • Lei nº 10.098/94 – Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências
  • Lei nº 10.436/02 – Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências
  • Lei nº 7.853/89 – Corde – Apoio às pessoas portadoras de deficiência
  • Lei nº 8.859/94 – Modifica dispositivos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977, estendendo aos alunos de Ensino Especial o direito à participação em atividades de estágio
  • Lei nº 12.764/90 – Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e altera o § 3º do Art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
Decretos
  • Decreto nº 186/08 – Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York em 30 de março de 2007
  • Decreto nº 6.949/07 – Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007
  • Decreto nº 6.094/07 – Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação
  • Decreto nº 6.215/07 – Institui o Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência – CGPD
  • Decreto nº 6.214/07 – Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência
  • Decreto nº 6.571/08 – Dispõe sobre o atendimento educacional especializado
  • Decreto nº 5.626/05 – Regulamenta a Lei nº 10.436, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras
  • Decreto nº 2.208/97 – Regulamenta Lei nº 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
  • Decreto nº 3.298/99 – Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências
  • Decreto nº 914/93 – Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
  • Decreto nº 2.264/97 – Regulamenta a Lei nº 9.424/96
  • Decreto nº 3.076/99 – Cria o Conade
  • Decreto nº 3.691/00 – Regulamenta a Lei nº 8.899/96
  • Decreto nº 3.952/01 – Conselho Nacional de Combate à Discriminação
  • Decreto nº 5.296/04 – Regulamenta as Leis n° 10.048 e 10.098 com ênfase na promoção de acessibilidade
  • Decreto nº 3.956/01 – (Convenção da Guatemala) Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência
Portarias
  • Portaria nº 976/06 – Critérios de acessibilidade nos eventos do MEC
  • Portaria nº 1.793/94 – Dispõe sobre a necessidade de complementar os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de necessidades especiais e dá outras providências
  • Portaria nº 3.284/03 – Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições
  • Portaria nº 319/99 – Institui no Ministério da Educação, vinculada à Secretaria de Educação Especial/SEESP, a Comissão Brasileira do Braille, de caráter permanente
  • Portaria nº 554/00 – Aprova o Regulamento Interno da Comissão Brasileira do Braille
  • Portaria nº 8/01 – Estágios
Resoluções
  • Resolução nº4/09 CNE/CEB
  • Resolução CNE/CP nº 1/02 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
  • Resolução CNE/CEB nº 2/01 –Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
  • Resolução CNE/CP nº 2/02 – Institui a duração e a carga horária de cursos
  • Resolução nº 02/81 – Prazo de conclusão do curso de graduação
  • Resolução nº 05/87 – Altera a redação do Art. 1º da Resolução nº 2/81
Aviso
  • Aviso Circular nº 277/96 – Dirigido aos reitores das IES solicitando a execução adequada de uma política educacional dirigida aos portadores de necessidades especiais

Fonte: Site Inclusão Já (2016).

Uma gama de leis, decretos, portarias e resoluções foram criados visando a proteção dos direitos dos portadores de necessidades especiais ou de deficiências físicas, cognitivas e psicológicas, visando sua acessibilidade e inserção na sociedade, como cidadão participativo do seu processo de desenvolvimento (Figura 1). No entanto, ao se tratar principalmente da educação, pouco se reflete nas escolas e demais níveis de ensino (Lacerda, 2006; Oliveira; Córdula, 2016). Algumas das políticas públicas são aplicadas nos níveis básicos da educação, porém no ensino superior não se tem a mesma situação (Bisol et al., 2010).

Figura 1: Sociedade no fomento da legislação e transformação de políticas públicas para a escola no atendimento pleno do educando e da família.

Fonte: Os autores (2016).

Segundo a legislação vigente, as escolas devem possibilitar os processos de inclusão ao matricular alunos(as) portadores(as) de necessidades especiais, caso a procurem e, no caso do(a) aluno(a) portador(a) de surdez, ter em seu quadro de funcionários um intérprete para acompanhar esses educandos nas aulas regulares, para assim permitir o acesso ao conhecimento, ao processo de ensino-aprendizagem e à comunicação professor(es)-aluno(s) (Brasil, 2002; 2005; 2010; 2015; Magalhães, 2013).

Cultura/Identidade surda

Pode-se dizer que a identidade cultural caracteriza o sujeito. No entanto, o surdo ainda enfrenta dificuldades para se apropriar da sua cultura e da sua identidade. Quadros e Perlin (2007, p. 27) afirmam que “as opressões das práticas ouvintistas são comuns na história passada e presente para o povo surdo”. O fato de muitos surdos nascerem em lares de ouvintes dificulta sua identificação com a cultura surda; “é importante considerar aqui que o sujeito surdo inicia seu contato com o mundo ouvinte na infância e raros são os sujeitos surdos que têm contato com o mundo surdo ao nascer” (Quadros; Perlin, 2007, p. 91). Logo, deve ser oferecido um ambiente propício e que proporcione o contato com aquilo que mais o identifica, como forma de comunicação visual. E a escola, como centro do processo educativo, deve ser o lugar favorável para que isso aconteça.

Quando se trata de cultura, considerada “o conjunto de símbolos, ideias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família” (Johnson, 1997, p. 59), convém salientar que o surdo não é um estrangeiro em seu país; então, mesmo diante das características peculiares que envolvem o ser Surdo, ele está inserido em uma sociedade que também lhe pertence e que deve acolhê-lo sem desrespeitar sua identidade (Cananéa, 2011). Aliás, identidade esta inerente a todo ser humano.

Legislação e os direitos dos Surdos

Oportunidade nem todos a têm, pelo menos ainda, mas direitos, uma ampla legislação lhes garante. No caso dos Surdos, o ponto de partida se deu com a Lei nº 10.346, de 24 de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais em todo o país. Está devidamente regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. A partir de então, leis e decretos vêm sendo discutidos e aprovados. Os direitos linguísticos dos Surdos, bem como o acesso e permanência deles nas escolas de ensino regular, agora são amparados pelas políticas públicas vigentes. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu Capítulo IV, Art. 28, Inciso IV- Do Direito à Educação, apresenta “oferta de educação bilíngue em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas” (Brasil, 2015, p. 6). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, “visando constituir políticas públicas promotoras de uma educação de qualidade para todos os alunos” (Brasil, 2008, p. 2), apresenta um norte para a Educação Especial, pautada numa prática pedagógica tanto na escola comum como no atendimento educacional especializado. Em se tratando dos Surdos, esse documento diz que “cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras” (Brasil, 2008, p. 17).

O processo de inclusão dos Surdos

É um tema com certa complexidade e tratado com especial atenção, principalmente quando a direcionamos para os surdos. Neste momento, em que o cenário se apresenta fecundo para amplas discussões para os processos de inclusão, a realidade deve ser observada, analisada e amparada legalmente para que se compreenda que as políticas públicas ainda necessitam de um redirecionamento de atitudes.

A educação dos Surdos começou a ser estruturada há apenas dois séculos e atualmente passa por três abordagens distintas: o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilinguismo (Faria; Assis, 2010; Faria; Cavalcante, 2010).

O Oralismo é uma proposta educacional que ganhou seu ápice no ano de 1880, quando em Milão realizou-se um congresso que discutiu e aprovou a melhor forma de educação para os surdos, que resultou na aprovação do oralismo puro, declarando que este seria superior à língua de sinais. Vale lembrar que os surdos foram impedidos de votar (Faria; Cavalcante, 2010). Essa proposta visava a capacitação para o uso da fala oral, ou seja, os surdos deveriam adaptar-se à cultura ouvinte, que tem como principal característica o oralismo. Logo eram ensinados a usar a voz e a leitura labial, tanto na escola como na sociedade (Faria; Assis, 2010; Faria; Cavalcante, 2010). As línguas de sinais eram proibidas. A identidade surda não era respeitada e sua identidade, não observada. Foram, portanto, obrigados a adaptar-se a uma cultura ouvintista majoritária que os considerava deficientes e por que não dizer incapazes de participar efetivamente de uma sociedade, porque eram “anormais” a ela, simplesmente pelo fato de não ouvir (Faria; Assis, 2010; Faria; Cavalcante, 2010). Segundo Quadros e Perlin (2007, p. 26),

esta visão ouvintista incapacita o sujeito surdo e não respeita a sua língua de sinais e sua cultura. A falta de audição tem um impacto enorme para a comunidade ouvinte, que estereotipa os surdos como “deficientes”, pois a fala e a audição desempenham o papel de destaque na vida “normal” dessa sociedade.

Essa proposta durou muito tempo; no entanto, não apresentou resultados positivos, por não levar em consideração aspectos próprios dos Surdos.

Em meados da década de 1960, mediante publicações de William Stokoe atestando a legitimidade da língua de sinais, surgiu a Comunicação Total, que também não atingiu o resultado esperado, mesmo compreendendo os surdos por suas características e aceitando qualquer recurso que facilitasse a comunicação (Faria; Cavalcante, 2010). No entanto, essa abordagem não deu a devida importância à língua de sinais. Posteriormente a ela tem-se o Bilinguismo, modelo que aponta a importância de o Surdo aprender as duas línguas: o português, no caso do Brasil, seja na modalidade oral e/ou escrita, e a língua de sinais (Libras), esta é considerada sua língua materna (Lorenzetti, 2001; Faria; Cavalcante, 2010).

A partir da valorização da língua de sinais com o bilinguismo, surgem novas possibilidades na educação dos Surdos, mediante renovação e redirecionamento das práticas pedagógicas. Fernandes (2013, p. 2) complementa essa afirmativa dizendo que “a implementação desse projeto dependerá da articulação planejada, organizada e sistematizada dos dois contextos de ensino para dar acesso às duas línguas indispensáveis à sua escolarização”.

Processos de avaliação do educando

A avaliação parte do pressuposto de que se faz necessário analisar algum fato, fenômeno e/ou se processos foram alcançados a partir das informações obtidas por uma metodologia de mensuração/testes até chegar ao entendimento dos seus resultados, para identificar se os processos foram atingidos – no caso da escola, os de ensino-aprendizagem – e se as explicações do porquê dos fatos ou fenômenos ocorrem (Darsie, 1996; Fernandes, 2001; Luckesi, 2006). Poderia dizer ainda que avaliar é fazer um julgamento de algo, de alguém, de alguma ação. Estamos sempre fazendo avaliações, sejam simples ou complexas. “Afinal, são da natureza humana, atos como o de julgar, mensurar e observar” (Gremaud et al., 2009, p. 20).

A avaliação no contexto educacional considera a quantidade de informações apreendidas pelos alunos como uma forma de selecionar, aprovar, promover e ingressá-los em novas fases da aprendizagem (Libâneo, 1994); levando em consideração o seu progresso com o objetivo de apresentar-lhes melhores condições para seu desenvolvimento. Para isso, o ensino deve ser “exigente, competente, mas também inteligente, baseado em princípios científicos e na compreensão da estrutura do conhecimento e do processo de desenvolvimento do educando”(Fernandes, 2001, p.36).

Nos estudos de Gremaud et al. (2009, p. 22-23), destacam-se os seguintes tipos de avaliação: diagnóstica, formativa e somativa.

A avaliação diagnóstica tem como função básica informar sobre o contexto em que o trabalho pedagógico irá realizar-se e, também, sobre os sujeitos que participarão desse trabalho.[...] A avaliação formativa indica os avanços e as dificuldades que aparecem ao longo do processo.[...] A avaliação somativa ocorre ao final da instrução, com a finalidade de verificar o que o aluno efetivamente aprendeu.

Esses processos avaliativos identificam o processo de ensino-aprendizagem e por essa identificação busca promover melhores condições de desenvolvimento, não se preocupando simplesmente em identificar as etapas da aprendizagem ou simplesmente avaliar o conjunto de conhecimentos apreendidos, mostrando se os alunos estão aptos ou apresentam competência para ingressar em outro nível de ensino (Fernandes, 2001). A avaliação não deve ser entendida como uma simples ferramenta de medir conhecimentos ou de aprovação ou reprovação do avaliado, mas como suporte utilizado pelo professor ou equipe escolar como meio de ver ou rever o trabalho pedagógico sempre que necessário (Gremaud, 2009).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996, p. 7) determina que a avaliação seja “contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”(Art. 24, Inciso V, item “a”).

Partindo dessa compreensão, entende-se que avaliar no contexto educacional é uma atividade necessária e que está diretamente associada à aprendizagem do aluno. É o meio pelo qual se percebe o seu desenvolvimento, como forma de intervenção (Libâneo, 1994; Luckesi, 2006).

Defino a avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por si, é um ato acolhedor integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado, incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma situação para, então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe suporte de mudança, se necessário (Luckesi, 2006, p. 172).

O professor, nesse contexto, deixa de atuar como protagonista de uma relação que se configura entre aquele que estar apto a aprender (o aluno) para aquele que “tudo” sabe (o professor), para aquele que se apresenta como personagem que não só tem a função de transmitir ou repassar conhecimentos, mas também o dever de avaliar a apreensão desse conhecimento transmitido por ele (Fernandes, 2001). Figura essa que durante muito tempo se apresentou como detentor do saber (Libâneo, 1994).

As práticas educativas se modificam, assumindo novas formas. “O saber do educador deixa de ser o centro de gravidade do ato pedagógico, centrando-se agora no educando” (Fernandes, 2001, p. 25).

Nesse momento de renovação, não se concebe mais a ideia de um ensino homogêneo, já que o saber não o é. O professor deve ampliar o seu olhar para que este alcance a individualidade dos seus alunos (Luckesi, 2006), devendo ser levada em consideração no momento da avaliação deles.Se o saber não é homogêneo, se cada um de acordo com suas especificidades tem uma forma de aprender, logo a avaliação assume outra conotação, a de encaminhar o educando para a construção do seu conhecimento (Antunes, 2012), deixando de se apresentar como ferramenta de “punição” e passando a ser instrumento de construção e degustação do saber para a vida (Córdula, 2013).

Mecanismos de avaliação do educando

Dentre os instrumentos de avaliação dos educandos, provas ou testes escritos continuam ainda os que mais são utilizados pelos professores(as) (Luckesi, 2006; Chueiri, 2008). Espera-se que esses instrumentos

a) sejam adequados ao tipo de conduta e de habilidade que estamos avaliando (informação, compreensão, análise, síntese, aplicação...); b) sejam adequados aos conteúdos essenciais planejados e, de fato, realizados no processo de ensino (o instrumento necessita cobrir todos os conteúdos que são considerados essenciais numa determinada unidade de ensino-aprendizagem; c) adequados na linguagem, na clareza e na precisão da comunicação (importa que o educando compreenda exatamente o que se está pedindo dele); adequados ao processo de aprendizagem do educando (um instrumento não deve dificultar a aprendizagem do educando, mas, ao contrário, servir-lhe de reforço do que já aprendeu. Responder as questões significativas significa aprofundar as aprendizagens já realizadas) (Luckesi, 2000, p. 7).

A prova como recurso predominante no processo de avaliação do educando deve ser repensado tanto pela ótica didático-pedagógica como meio de atribuição de valores aos educandos (Gatti, 2003).

A avalição é uma tarefa complexa que não se resume à realização de provas e à atribuição de notas. A mensuração apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apreciação qualitativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas de diagnóstico e de controle em relação às quais se recorre a instrumentos de verificação do rendimento escolar (Libâneo, 1994, p. 195).

Outros instrumentos de avaliação que trazem uma avaliação cognitiva mais ampla são aqueles que envolvem não apenas a leitura de bibliografias, mas as concepções internalizadas pelos educandos, o seu contexto de vida e sua percepção/conhecimento de mundo, tendo suas características bem delineadas (Figura 2).

Figura 2: Características do processo de avaliação escolar.

Fonte: A partir de Libâneo (1994, p. 200-202).

Quando são utilizados, provas e testes devem ser diversificados quanto aos tipos de questões que possuem: dissertativas, objetivas, de relacionar, de completar, com múltiplas escolhas, de verificação das repostas quanto a serem verdadeiras ou não; com enunciados explicativos e contextualizados, para que o educando recorde do tema tratado; com pequenos textos para auxiliar na resolução das questões que seguem a ele (Libâneo, 1994; Luckesi, 2006).

A avaliação deve considerar a criticidade do educando sobre as temáticas envolvidas, mostrando assim a sua autonomia por meio do seu discurso e da forma como se expressa perante o problemática (Freire, 1996). Nesse sentido, a técnica da problematização leva o educando a uma profunda reflexão e contextualização dos temas tratados, conduzindo-os ao pensamento reflexivo e à busca de soluções a partir de suas experiências de vida e conhecimentos adquiridos (Pozo, 1998).

Mecanismos de avaliação do educando surdo

Para os processos de avaliação escolar do educando surdo, é necessário compreender que seu aprendizado e manifestação linguística ocorrem predominantemente pelo campo visual (Faria; Assis, 2010). A complexidade da Libras se deve ao gestual e às expressões faciais (Fernandes, 2013).

Portanto, o(a) professor(a) deve fazer uso dos recursos visuais para que consiga maximizar o processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação escolar desses educandos (Quadros; Stumpf, 2009).

Quaisquer que sejam os instrumentos – prova, teste, redação, monografia, dramatização, exposição oral, arguição etc. –, necessitam manifestar qualidade satisfatória como instrumento para ser utilizado na avaliação da aprendizagem escolar, sob pena de estarmos qualificando inadequadamente nossos educandos e, consequentemente, praticando injustiças. Muitas vezes, nossos educandos são competentes em suas habilidades, mas nossos instrumentos de coleta de dados são inadequados e, por isso, os julgamos, incorretamente, como incompetentes (Luckesi, 2000, p. 7).

Os recursos que podem ser mais utilizados são: painéis, objetivos manipuláveis, cartazes, vídeos com legendas, vídeos educativos em Libras, aplicativos para aparelhos celulares (tradutores, educativos) e sites com jogos e atividades online (Leite; Ribeiro, 2012). O desenho, como recurso didático visual, é uma expressão muito forte para o educando surdo, sendo o meio pelo qual aprende, se comunica e interage com o mundo ao seu redor (Zerbato; Lacerda, 2015). Ele deve ser hipervalorizado e explorado pelos professores como forma de atingir plenos resultados para o desenvolvimento educacional desses educandos.

Para que o(a) professor(a) consiga apreender novas metodologias, técnicas e instrumentos especificamente no processo de ensino-aprendizagem e avaliação do(a) educando(a) surdo(a), faz-se necessária uma educação continuada voltadaà sua prática magisterial inclusiva, direito desse profissional e dever das redes de ensino em todas as esferas (privado e público – federal, estadual e municipal) (Brasil, 1996; Tenor; Deliberato, 2015).

Nesse sentido, a Lei nº 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, em seu Capítulo IV, Art. 28, dispõe:

X Adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;

XI Formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio (Brasil, 2015, p. 7).

Quando os processos de educação dos educandos surdos forem tardios, os reflexos negativos surgirão ao longo do tempo e principalmente, na aquisição da segunda língua, o português (Silva, 2015). Portanto, desde o diagnóstico, a inserção no ensino regular, o convívio familiar e o círculo de amizades que se construirão ao longo da vida desse educando contribuirão fortemente para a aquisição da sua primeira e segunda línguas, para o desenvolvimento global como sujeito social e para sua plena formação escolar (Silva, 2015).

Percebe-se então que o antigo modelo de avaliação esteve diretamente ligado a práticas de exclusão, uma vez que por ele, se determinava quem estava de acordo com os padrões preestabelecidos (Chueiri, 2008; Antunes, 2012). Do mesmo modo, a nova forma de conceber a avaliação, agregando novos conceitos que auxiliam o processo de inclusão, quando percebe o indivíduo como ser único e capaz de aprender de diversas formas e demonstrar suas habilidades e superar suas dificuldades, promove verdadeiramente uma avaliação global do sujeito (Fernandes, 2001; Lacerda, 2006). Os educandos possuem direito inalienável de ser avaliados pelas suas competências e habilidades, conhecimentos formados e adquiridos, de forma qualitativa, respeitando sua individualidade, necessidades, dificuldades e potencialidades (Antunes, 2012). Portanto, ratifica-se aqui a concepção de uma avaliação educacional para construir, intervir e incluir o sujeito surdo como cidadão histórico, transformador e indissociável da sociedade.

Considerações finais

Os processos de avaliação escolar analisam não só o desenvolvimento cognitivo do educando como também as habilidades, competências adquiridas, a ampliação da percepção de mundo e a criticidade.

Quando esse processo tem como principal instrumento as provas e testes, limita-se à análise do desenvolvimento do educando, pois outros aprendizados qualitativos muitas vezes não têm como ser avaliados por esse mecanismo. E, quando aplicados, devem ser planejados para que se torne diversificado, contextualizado, problematizador e que consiga realmente ser um instrumento capaz de inferir sobre a aprendizagem real do educando.

Quando esses processos de avaliação são para inclusão do educando surdo, devem ser planejados sob o prisma da deficiência física, adotando como parâmetro o aspecto visual como principal meio de assimilação de conhecimentos por esses alunos. Assim, o professor(a) garante os processos de inclusão, de ensino-aprendizagem, de avaliação ampla, contextualizada e de valorização dos indivíduos como transformadores da sociedade.

Referências

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Publicado em 04 de abril de 2017

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