O uso de tecnologia digital por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental: desafios e possibilidades
Luciana Batista Pimenta Rodrigues
Mestranda em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação (UniCarioca)
Sheila Ferreira da Silva Arantes
Mestra em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, professora do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca)
André Cotelli do Espírito Santo
Mestre em Ciência e Tecnologias Nucleares (INE) Professor do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca)
Antônio Carlos de Abreu Mól
Doutor em Engenharia Nuclear (Coppe/UFRJ)
Ana Paula Legey de Siqueira
Pós-doutora em Divulgação Científica (IEN/CNEN)
Introdução
Tecnologia na educação é um assunto extenso, com muitas vertentes. Dentre elas, levar o uso de tecnologias digitais para dentro da sala de aula nos anos iniciais do Ensino Fundamental exige um olhar sobre a formação do professor, sobre como esse profissional pode trazer o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) para sua prática profissional, com foco voltado para a construção do conhecimento pelo aluno, por meio de uma utilização que envolva mais do que apenas torná-lo usuário de aplicativos e programas. É necessário que o estudante construa conhecimentos sobre essa tecnologia que está por toda parte. É preciso, ainda, buscar desenvolver nele um grau de consciência crítica e autonomia para que faça um uso produtivo dos recursos da TDIC. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê o uso de tecnologias em suas competências gerais, sendo que a competência de nº 5 é a mais explícita:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva (BNCC, 2018, p. 11).
Referencial teórico
Wing (2016) já falava sobre o pensamento computacional como algo essencial para todos, devendo ser incluído como habilidade acessível a todas as crianças, pois está ligado à resolução de problemas, com aplicações possíveis até mesmo em questões do cotidiano, através do uso de abstração, reconhecimento de padrões, pensamento algorítmico e decomposição para fazer frente a tarefas mais complexas. Raabe, Brackmann e Campos (2020) menciona que essa definição de pensamento computacional impulsionou a discussão sobre como se pode incluí-lo na Educação Básica. A partir daí, chama atenção a iniciativa da computação desplugada, ou seja, atividades desenvolvidas para serem usadas em sala de aula visando ao ensino dos conceitos da computação, mas sem o uso do computador.
Corroborando com essa ideia, o desenvolvimento de materiais didáticos para o ensino da computação desplugada (MDCD) torna mais acessível a aprendizagem desse conhecimento por crianças, por ser mais concreto e poder ser utilizado na ausência de recursos tecnológicos digitais, realidade de grande parte das escolas brasileiras (Cruz et al., 2021).
Harari (2018) elucida que precisamos ter uma melhor noção do desafio em que a tecnologia nos coloca e que a revolução tecnológica, em breve, poderá excluir muitas pessoas do mercado de trabalho e, a partir daí, gerar uma verdadeira multidão de excluídos.
Dito isso, a questão que fica é: como iniciar, por onde começar essa inserção da tecnologia em sala de aula? Como introduzi-la no dia a dia do professor? Como esse professor pode levar essa tecnologia para sua prática?
A partir dessas reflexões iniciais, este trabalho pretende discutir alternativas para que professores da Educação Básica possam iniciar o trabalho com tecnologias digitais e desenvolver o pensamento computacional em suas salas de aula.
A tecnologia já está presente na vida cotidiana da maioria das pessoas. Por meio dela, a população tem acesso a programas e serviços governamentais, desde a emissão de documentos até sistemas de redistribuição de renda. A atual geração de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental já nasceu em um mundo permeado por tecnologia digital por todos os lados, e não consegue pensar uma vida sem essas tecnologias (Indalécio; Ribeiro, 2015). Sendo assim, não é mais possível que a escola se mantenha de fora de tais discussões, sob pena de passar a fazer parte de um mundo paralelo, que ignora o que se passa à sua volta.
Uma ferramenta que pode ser norteadora para o uso de tecnologia na educação é o Currículo de Referência em Tecnologia e Computação, desenvolvido pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB). O referido documento busca auxiliar nas práticas pedagógicas que possam ser adotadas nesses tempos em que já não se aprende nem se ensina da mesma forma (CIEB, 2018). Nele é possível encontrar várias atividades e indicações de sites e aplicativos para que o aluno e o professor se familiarizem com o mundo digital. De igual modo, faz menção às atividades de computação desplugada.
Procedimentos metodológicos
Buscou-se na literatura, nas bases de dados de revistas eletrônicas, trabalhos que fizessem menção ao uso da computação nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e como se poderia trabalhá-la, junto à utilização de ferramentas digitais, trazendo a sala de aula para o mundo tecnológico em que os alunos já vivem. Nas leituras realizadas, verificou-se que as atividades de computação desplugada aparecem como uma opção, uma alternativa à falta de equipamentos nas escolas.
O estudo de Cruz et al. (2018) buscou desenvolver e avaliar um material de computação desplugada, de modo que ele fosse acessível ao professor. Durante o trabalho, docentes que iriam usá-lo participaram ativamente de sua criação e avaliaram a qualidade do material após aplicação com alunos.
Mantegazini e Cardoso (2022) também mencionam, em seus estudos, que atividades de computação desplugada podem servir como uma alternativa à falta ou escassez de material tecnológico. Os autores desenvolveram atividades desplugadas inspiradas no Scratch para o ensino de Matemática, especificamente, adição e subtração.
Selecionados os artigos a serem analisados, procedeu-se ao estudo deles, sendo observadas, também, as referências feitas pelos autores.
Discussão dos resultados
Os estudos realizados mostram que a formação dos professores precisa ser reconfigurada e colocar um pouco mais de foco nas questões de tecnologia e computação.
O aluno dos dias atuais já não é o mesmo de duas ou três décadas passadas e, como tal, já tem novas formas de aprender, o que acaba exigindo novas formas de ensinar. O uso de tecnologia na sala de aula já se tornou necessário para que os estudantes possam atuar com algum nível de segurança, criticidade e conhecimento específico num mundo em que quase tudo acontece de maneira digital. As TDIC acabam por levar o professor a trabalhar de forma colaborativa, pois a troca de conhecimentos ocorre de forma natural, tornando a escola o local ideal para exercitar o intercâmbio de saberes.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), em seu Parecer CEB/CNE nº 2/22 (Brasil, 2022), homologado em 3 de outubro de 2022, estabelece normas sobre computação na Educação Básica como complemento à BNCC, com foco na “compreensão das estruturas abstratas que serão utilizadas para interação e manipulação de dados, informações e resoluções de problemas”. Para que se chegue a tais resultados, a formação do professor é imprescindível.
Na Base Nacional Comum Curricular para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, Resolução CNE/CP nº 2/19, alterada pela Resolução CNE/CP nº 2/22, o uso de tecnologia digital já é previsto e está presente, de forma bem clara, nas competências gerais docentes relacionadas na publicação. Esse mesmo documento menciona que o professor é o responsável por sua formação.
A tecnologia na sala de aula transporta o professor para um ambiente de novas práticas, que usam recursos disponibilizados na rede, para tornar as atividades cotidianas mais atrativas para os alunos, dando uma abordagem diferente ao que é cotidianamente passado em sala de aula (Sousa et al., 2019). José Moran (2008) ressalta que os estudantes gostam de surpresas, novidades em termos de métodos e técnicas de ensino-aprendizagem. Transformações periódicas são necessárias para que a escola possa se adequar às novas gerações de alunos e professores. De outra forma, não serão atingidos bons resultados esperados e desejados (Sousa et al., 2019). Essas transformações periódicas mantêm a escola atualizada e conectada com o tempo e o espaço em que se situa. De outra forma, os conhecimentos e conteúdos trabalhados lá estarão desvinculados do que acontece à sua volta.
Nesse ponto, a formação do professor é crucial. O domínio do conhecimento em tecnologia é imprescindível para que o docente use os recursos digitais de forma consciente e consiga aproveitar ao máximo as possibilidades disponíveis (Sousa et al., 2019). Isso garantirá a qualidade de seu trabalho e a melhor formação do discente para atuar em um mundo em que grande parte das questões da vida cotidiana acontece por meios digitais.
O uso de sequências didáticas pode ser uma forma de se planejarem formações continuadas em serviço para os professores, pois permite uma organização coerente e organizada dos conteúdos. Arantes (2019) desenvolveu um framework para a montagem de sequências didáticas que é de grande valia para o planejamento de formações. As sequências didáticas possibilitam o encadeamento lógico dos conteúdos a serem trabalhados, desde o diagnóstico até a avaliação. Seu uso, no caso deste estudo, se justifica dada a urgência de os professores terem contato com todo tipo de novidade e dominarem questões que envolvem tecnologia para além do mero uso de aplicativos e redes sociais. Portanto, um conteúdo organizado e desdobrado de maneira sequencial e lógica pode tornar essa formação mais estruturada e otimizada em relação ao tempo.
Considerações finais
Sousa et al. (2019) convocam uma reflexão a respeito do momento em que os aparatos tecnológicos farão parte das práticas cotidianas na busca de uma aprendizagem significativa e eficiente. Tal consideração busca tratar esses equipamentos não apenas como ferramentas para distração, o que, consequentemente, afetaria as condições de aprendizagem. É fato que condições materiais são imprescindíveis para que o uso das tecnologias digitais seja possível, como aquisição de equipamentos, manutenção e conexão de internet.
A adoção de tecnologias em sala de aula deve ter como foco a autonomia, o pensamento crítico e a promoção da cidadania, uma vez que boa parte da sociedade já tem parte de sua vida resolvida via smartphones e notebooks. Por sua vez, os professores necessitam de formação continuada e atualização constantes, porque o mundo atual não para de mudar e é preciso disciplina, organização e interesse por parte da escola em acompanhar tantas mudanças.
Referências
ARANTES, Sheila da Silva F. Reforço escolar em sociedades civis em prol da alfabetização: interface entre sequências didáticas e tecnologias digitais na educação. 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação) – Centro Universitário Unicarioca, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://proximal.unicarioca.edu.br/portal/reforco-escolar-em-sociedades-civis-em-prol-da-alfabetizacao-interface-entre-sequencia-didatica-e-tecnologias-digitais. Acesso em: 9 jun. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/MEC nº 2/19. Brasília: Ministério da Educação, 2019. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/dezembro-2019-pdf/135951-rcp002-19/file. Acesso em: 28 nov. 2022.
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 30 out. 2022.
CRUZ, Marcia E. J. Kniphoff da; MARQUES, Samanta Ghisleni; OLIVEIRA, Wilk. Desenvolvimento e avaliação de material didático desplugado para o ensino de computação na Educação Básica. Revista Brasileira de Informática na Educação, Porto Alegre, v. 29, p. 160-187, mar. 2021. Disponível em: https://sol.sbc.org.br/journals/index.php/rbie/article/view/2993. Acesso em: 19 jul. 2023.
HARARI, Yuval Noah. 21 Lições para o Século XXI. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
INDALÉCIO, Anderson Bençal; RIBEIRO, Maria das Graças Martins. Gerações Z e alfa: os novos desafios para a educação contemporânea. Revista Unifev: Ciência e Tecnologia, Votuporanga, v. 2, n. 1, 2017. Disponível em: http://docplayer.com.br/56692777-Geracoes-z-e-alfa-os-novos-desafios-para-a-educacao-contemporanea-indalecio-anderson-bencal-1-ribeiro-maria-da-graca-martins-2.html. Acesso em: 8 nov. 2022.
MANTEGAZINI, Dhangeli Zuliani; CARDOSO, Valdinei Cesar. O uso de atividades desplugadas baseadas no Scratch para o ensino das estruturas aditivas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 25, jul. 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/25/o-uso-de-atividades-desplugadas-baseadas-no-scratch-para-o-ensino-das-estruturas-aditivas. Acesso em: 24 nov. 2022.
MORAN, José. Aprendizagem significativa. [Entrevista cedida ao] Portal Escola Conectada. São Paulo: Instituto Ayrton Senna, 2008. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/168553457/Entrevista-Aprendizagem-Significativa. Acesso em: 24 nov. 2022.
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WING, Jeannette. Pensamento computacional: um conjunto de atitudes e habilidades que todos, não só cientistas da computação, ficaram ansiosos para aprender e usar. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, Curitiba, v. 9, nº 2, p. 1-10, 2016. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbect/article/view/4711/pdf. Acesso em: 1 nov. 2022.
Publicado em 01 de agosto de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
RODRIGUES, Luciana Batista Pimenta; ARANTES, Sheila Ferreira da Silva; ESPÍRITO SANTO, André Cotelli do; MÓL, Antônio Carlos de Abreu; SIQUEIRA, Ana Paula Legey de. O uso de tecnologia digital por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental: desafios e possibilidades. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 29, 1º de agosto de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/29/o-uso-de-tecnologia-digital-por-professores-dos-anos-iniciais-do-ensino-fundamental-desafios-e-possibilidades
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