Ciências Biológicas e Educação Especial e Inclusiva: proposições práticas
Taiana Corrêa Nicácio Braga
Licenciada em Ciências Biológicas (UERJ)
O objetivo deste estudo é apresentar propostas didáticas para o trabalho com alunos da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com Transtorno do Espectro Autista (TEA). As propostas didáticas serão mapeadas a partir das práticas encontradas na Revista Educação Pública, especificamente nas seções Biologia e Biociências e Ciências Ambientais do campo de pesquisa da própria revista para a Educação Especial e Inclusiva.
Essa pesquisa parte da premissa de que
aprendemos o tempo todo, muitas vezes sem a consciência da ocorrência do aprendizado. A aprendizagem se re-inventa sempre, pois não está confinada a um local apropriado (escola) para se aprender; ao contrário, ela se arranja nos diversos locais de aprendizagem (todos os locais) (Orrú, 2017, p. 65).
Justifica-se tal estudo pois diversos autores, como Sampaio e Mancini (2007), vêm apontando que existe um número muito reduzido de trabalhos nacionais envolvendo a escolarização de alunos da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com TEA. Com isso, torna-se relevante divulgar algumas práticas de sala de aula para potencializar e inspirar reflexões com base nos estudos já realizados, ainda que de forma reduzida, sobre o ensino de Ciências (Biológicas) para estudantes da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com TEA, não os excluindo.
É inegável que, por estarem pautadas para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir de um projeto escolar elitista, meritocrático e homogeneizador, nossas escolas produzem quadros de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos estudantes (Mantoan, 2016, p. 29).
Com isso, defendemos com este estudo que
a escola não pode continuar ignorando o que acontece ao seu redor nem anulando e marginalizando as diferenças nos processos pelos quais forma e instrui os alunos. E muito menos desconhecer que aprender implica ser capaz de expressar, dos mais variados modos, o que sabemos, implica representar o mundo a partir de nossas origens, de nossos valores e sentimentos (Mantoan, 2003, p. 12).
A escassez citada anteriormente se torna mais latente quando buscamos práticas voltadas para o ensino de Ciências para alunos com TEA. Moura (2020, p. 57), com o objetivo de “verificar e discutir o que vem sendo produzido pela comunidade acadêmica a respeito do ensino de Ciências para alunos com TEA”, identificou que, dos mais de 200 trabalhos acadêmicos das mais diversas naturezas (artigos, dissertações, teses) encontrados em diferentes repositórios, apenas seis abordavam especificamente o ensino de Ciências, sendo três no formato de artigos (Xavier; Silva; Rodrigues, 2017; Rosa; Rodrigues, 2017; Casais; Neto, 2015) e três no formato de dissertações (Dias, 2017; Fernandes, 2016; Silva, 2016).
Os três artigos encontrados tiveram como principal objetivo de pesquisa “o desenvolvimento de processos que favoreçam a inclusão de alunos com autismo, seja em sala de aula, durante as aulas de Ciências ou em ambientes não formais, como laboratórios ou museus” (Moura, 2020, p. 58).
Com relação aos objetivos das dissertações, Silva (2016) estudou as concepções que os professores de alunos com TEA possuem sobre o Ensino de Ciências e a Alfabetização Científica para esse público; Fernandes (2016) refletiu sobre a inclusão de alunos com TEA considerando a música num
currículo funcional; e Dias (2017) procurou compreender o processo de ensino-aprendizagem de alunos com TEA, buscando alternativas didático-metodológicas para o Ensino de Química.
Tais trabalhos e os que aqui serão apresentados abordam as possibilidades de vivência dos alunos da Educação Especial e Inclusiva, com vistas a proporcionar reflexões especialmente para professores que trabalham com pessoas com TEA na escola; nesse sentido, Cunha (2011) aponta que,
historicamente, o saber sobre o autismo esteve restrito à medicina, e, no campo educacional, as intervenções foram escassas. A restrição do atendimento a essas crianças apenas a instituições de intervenções clinicas e escolas de ensino especial reforçaram sua tendência ao isolamento, privando-as da possibilidade de convivência com sua geração em ambientes mais espontâneos que retratassem a vida em sociedade (Cunha, 2011, p. 83).
No que se refere à inclusão de pessoas com TEA, a Lei nº 12.764/12 se destaca, pois “institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista” (Brasil, 2012, p. 1), reconhecendo-as como pessoas com deficiência e as legitimando em todas as implicações legais para que possam usufruir dos direitos básicos no plano social, político e educacional.
De posse da compreensão dos direitos das pessoas com TEA, especialmente no que se refere aos voltados para a escolarização (Educação), apresentaremos a seguir os caminhos percorridos neste estudo para posterior apresentação das propostas didáticas para o trabalho com alunos da Educação Especial e Inclusiva presentes na Revista Educação Pública.
Passo a passo da pesquisa
A pesquisa foi realizada na Revista Educação Pública, tendo como campo de busca as seções Biologia e Biociências e Ciências Ambientais; esta última seção engloba Botânica, Ecologia, Meio Ambiente, Oceanografia e Zoologia.
A escolha da revista se deu porque ela se apresenta como importante periódico voltado para a divulgação de experiências e propostas de docentes para a Educação Básica. Além disso, é uma revista que possui seções específicas sobre Ciências Ambientais, Biologia e Biociências, possibilitando que a busca por propostas práticas com estudantes da Educação Especial e Inclusiva fosse realizada no universo de publicações focadas nas Ciências Biológicas.
O primeiro passo foi realizado marcando, no campo de busca da revista, as seções citadas. Com isso, foram identificados 167 artigos. Desse total, buscamos identificar as publicações que também se caracterizam como de Educação Especial e Inclusiva, retornando apenas cinco artigos.
Cabe ressaltar que foram consideradas todas as publicações da revista. Com isso, o recorte temporal da pesquisa foi de 2002 a 2023, incorporando desde o volume 2, nº 1, até o volume 23, nº 7, publicado em 28 de fevereiro de 2023.
O segundo passo foi a leitura na íntegra dos artigos catalogados, com o objetivo de identificar os que de fato apresentam propostas práticas das Ciências Biológicas para estudantes da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com TEA. Com isso, dois artigos foram descartados da análise, pois estavam fora desse escopo.
Por fim, na terceira etapa, esboçamos os resultados deste estudo, cujo objetivo é apresentar propostas didáticas para o trabalho com pessoas da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com TEA.
Propostas práticas das Ciências Biológicas para o trabalho com estudantes da Educação Especial e Inclusiva
O Quadro 1 apresenta os três artigos a serem discutidos.
Quadro 1: Artigos mapeados
Título do artigo |
Dados da Revista Educação Pública |
Autoras(es) |
Modelos didáticos para o ensino de Biologia e Saúde: produzindo e dando |
v. 20, nº |
Rosana Lima Gerpe |
Uso do aplicativo Google Maps como recurso tecnológico no lançamento de |
v. 20, nº 42, 3 de novembro de 2020 |
Maria Cleonice F. Pinto, Ana Paula de O. Amorim, Elisabeth Souza Carneiro e Felipe Vitório Ribeiro |
Educação Inclusiva: na prática, a teoria é outra! |
v. 21, nº 10, 23 de março de 2021 |
Luciana dos Santos e Vanessa Canuto Coelho |
No Quadro 2 apresentamos os assuntos principais das Ciências Biológicas envolvidos em cada prática.
Quadro 2: Principais temas das Ciências Biológicas presentes nas práticas mapeadas
Título do artigo |
Assunto |
Modelos didáticos para o ensino de Biologia e Saúde: produzindo e dando acesso ao saber científico |
Percepção das estruturas virais; vírus HIV; bacteriófago; vírus causador da gripe |
Uso do aplicativo Google Maps como recurso tecnológico no lançamento de foguetes da Mobfog 2019 |
Respeito à vida e reflexão sobre a possibilidade do desenvolvimento de seres vivos fora do planeta; discutir as condições ambientais necessárias ao desenvolvimento dos seres vivos tratados em Ecologia e as possíveis condições existentes em outros planetas. Além disso, o desenvolvimento de postura e valores relacionando atitudes humanas e o meio em que vive, assuntos abordados em Educação Ambiental (EA) ao trabalhar com reaproveitamento de materiais descartados, como garrafas PET |
Educação Inclusiva: na prática, a teoria é outra! |
Coronavírus, de forma simples e direta |
No Quadro 3 apresentamos a quantidade de alunos da Educação Especial e Inclusiva envolvidos em cada prática, bem como demais informações.
Quadro 3: Alunos envolvidos nas práticas
Título do artigo |
Alunos |
Modelos didáticos para o ensino de Biologia e Saúde: produzindo e dando acesso ao saber científico |
A atividade foi aplicada em uma turma de 2º ano do Ensino Médio com 32 alunos entre 15 e 17 anos, sendo uma aluna com baixa visão. |
Uso do aplicativo Google Maps como recurso tecnológico no lançamento de foguetes da Mobfog 2019 |
Cerca de vinte alunos fizeram parte efetivamente de todas as etapas da prática. Dentre eles, destacam-se dois alunos com necessidades especiais (surdez e paralisia infantil) que tiveram grande interesse em participar, motivando ainda mais a colaboração dos colegas e professores. |
Educação Inclusiva: na prática, a teoria é outra! |
A prática foi aplicada em uma turma de 6° ano que contava com um aluno com TEA que, segundo os autores, pouco interagia com os professores e os demais alunos. |
Por fim, no Quadro 4 apresentamos uma síntese das estratégias e dos materiais utilizados em cada prática.
Quadro 4: Estratégias utilizadas nas práticas
Título do artigo |
Estratégias e materiais utilizados |
Modelos didáticos para o ensino de Biologia e Saúde: produzindo e dando acesso ao saber científico |
Três modelos didáticos foram construídos: a) |
Uso do aplicativo Google Maps como recurso tecnológico no lançamento de foguetes da Mobfog 2019 |
Construção de foguetes com materiais recicláveis e de baixo custo, como garrafa PET. Além disso, foram utilizadas tecnologias digitais a partir do aplicativo Google Maps. Materiais utilizados para a confecção da base de lançamento do foguete: 2 canos de PVC marrom (20mm) de 20cm; 1 cano de PVC marrom (20mm) de 25cm; 2 canos de PVC marrom (20mm) de 10cm; 1 peça T para cano de 20mm; abraçadeiras de náilon; barbante; cola para PVC. Materiais utilizados para a construção do foguete: 2 garrafas PET de 2L; fita adesiva; tesoura; estilete; régua e fita métrica; pastas escolares para fazer as aletas. |
Educação Inclusiva: na prática, a teoria é outra! |
Elaboração de cartaz juntamente com o estudante com TEA. Para isso, foram utilizados materiais disponíveis na própria escola (cartolina, canetinhas etc.) que possam realmente inserir o aluno com deficiência nas atividades propostas ao coletivo de forma genuína. |
Notas conclusivas
Todos os três artigos elencados nesta pesquisa nos levaram ao entendimento de que o objetivo deste estudo foi alcançado, uma vez que apresentamos propostas didáticas para o trabalho com alunos da Educação Especial e Inclusiva, especialmente com um olhar para os alunos com TEA.
A partir dessas propostas práticas, elencamos a seguir as principais conclusões de cada pesquisa.
Para Gerpe (2020, p. 4), as propostas didáticas são de grande importância para “promover uma melhora significativa no processo inclusivo para a educação de alunos com deficiência visual, contemplando não só a disciplina de Biologia como também as demais disciplinas”.
Para Pinto et al. (2020, p. 8), a proposta didática realizada na pesquisa
favoreceu a acessibilidade, a aplicabilidade e a compreensão dos nossos alunos para o conteúdo proposto e em outros ambientes da escola. Eles ampliaram seus conhecimentos de Física, Química, Matemática e Biologia, além de manipular o aplicativo Google Maps para mensuração do deslocamento do foguete do ponto de partida ao ponto de aterrissagem, colaborando na inclusão do nosso aluno tanto no ambiente escolar quanto no uso de tecnologias que fazem parte do nosso cotidiano.
Por fim, Santos e Coelho (2021, p. 4), único artigo que apresentou proposta prática para estudantes com TEA, chamam a atenção, a partir da ação didática aplicada, para o fato de que é importante ter em mente que
o primeiro movimento educacional a ser observado é que, na perspectiva inclusiva, todos têm o direito de acessar o mesmo currículo e articular metodologias que promovam o contato com todo o conteúdo curricular através da garantia da acessibilidade de tais conceitos acadêmicos por meio da eliminação dos obstáculos que impedem a plena participação nos processos educacionais.
Cabe enfatizar que apenas o trabalho mencionado imediatamente acima se referiu a uma atividade com aluno autista. A carência por pesquisas, especialmente por propostas práticas com pessoas com TEA e no campo das Ciências Biológicas, também se estabeleceu em nossa pesquisa, na medida em que a Revista Educação Pública possui um número significativo de artigos e do fato de que foram considerados mais de 20 anos no que tange ao recorte temporal deste estudo. Nesse sentido, fica o convite de que avancemos em pesquisas sobre Educação Especial e Inclusiva nas Ciências Biológicas, especialmente com alunos autistas.
Referências
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GERPE, Rosana Lima. Modelos didáticos para o ensino de Biologia e Saúde: produzindo e dando acesso ao saber científico. Revista Educação Pública, v. 20, nº 15, 28 de abril de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/15/modelos-didaticos-para-o-ensino-de-biologia-e-saude-produzindo-e-dando-acesso-ao-saber-cientifico. Acesso em: 01 mar. 2023.
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Publicado em 05 de dezembro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
BRAGA, Taiana Corrêa Nicácio. Ciências Biológicas e Educação Especial e Inclusiva: proposições práticas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 47, 5 de dezembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/47/ciencias-biologicas-e-educacao-especial-e-inclusiva-proposicoes-praticas
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