Letramento e alfabetização digital de professores do Ensino Fundamental: um diálogo entre educação midiática e as novas tecnologias

Luciana Oliveira Santos da Silva Matos

Mestranda em Novas Tecnologias Digitais para Educação (UniCarioca), pós-graduada em Português como Língua Estrangeira (PUC-Rio), graduada em Letras – Português/Inglês (UFF), professora do Ensino Fundamental (SME/RJ)

Sheila Ferreira da Silva Arantes

Doutoranda em Informática, professora do Mestrado em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca), pós-graduada em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF), em Gestão escolar (UBM) e em Psicopedagogia Institucional (UCB), graduada em Pedagogia (UniverCidade)

Antônio Carlos de Abreu Mól

Doutor em Engenharia Nuclear (UFRJ), mestre em Engenharia Nuclear (UFRJ), graduado em Engenharia Eletrônica (UFRJ)

Paulo Victor Rodrigues de Carvalho

Doutor em Engenharia de Produção (UFRJ), mestre em Engenharia Elétrica (UFRJ) e graduado em Engenharia Eletrônica (UFRJ)

Apenas o fato de o professor ter escolhido essa profissão nos dias de hoje já é um grande desafio. Estar em sala de aula, na frente de muitos alunos e com a responsabilidade de ensinar e trocar conhecimentos com variadas realidades de vida não é nada simples. Esses fatores têm um impacto grande no momento de utilizar a tecnologia e conseguir usufruir de tudo o que ela pode proporcionar. Tecnologias como smartphones, celulares e internet estão nas mãos de professores, gestores, alunos e da família.

Se por um lado encontramos tantas variedades de situações e contextos dentro de sala de aula e no contexto educacional, fora desse mundo somos soterrados todos os dias com mídias, recursos, dispositivos e novas tecnologias que se reinventam e modificam todos os dias para os mais variados fins: compras, mensagens, diversão, para auxiliar nas contas e uma infinidade de possibilidades mediadas por tecnologias digitais. Por meio desses dispositivos, acessamos conteúdos, desenvolvemos projetos, conversamos de várias formas e compartilhamos nosso conhecimento.

Tecnologias como smartphones, celulares e internet estão nas mãos de professores, gestores, alunos e família. Com esses dispositivos, podemos construir conteúdos, desenvolver projetos, conversar e compartilhar nosso conhecimento. Tudo isso pode e deve ser um grande aliado do professor. Moran (2017) apresenta alguns motivos pelos quais podemos e devemos utilizar a tecnologia como grande aliada em sala de aula. Com a tecnologia podemos motivar os nossos alunos com vídeos, histórias e jogos. Diversos sites e plataformas permitem postar e acessar conteúdo para apoio à aprendizagem em sala de aula e montar um acervo virtual a fim de dar voz aos alunos, possibilitando que eles exponham suas opiniões e informações prévias ligadas ao que é exposto em sala. Também podemos inverter a forma de ensinar ao usar a tecnologia. Os alunos podem ter acesso em casa e levantar suas dúvidas ao professor. A partir do que for exposto, os docentes preparam aulas e atividades específicas. Assim, a tecnologia é capaz de personalizar o processo de aprendizado com possibilidades para que o aluno estude no seu ritmo. Há plataformas que ainda permitem essa personalização de atividades e recursos atrativos aos alunos como os jogos interativos.

Frequentemente nos deparamos em escolas e salas de aula com professores resistentes ao uso de recursos digitais, utilizando-os de forma meramente técnica ou superficial. A presença da educação midiática nas escolas com professores capacitados para mediar e conduzir os alunos à leitura e à interpretação de mídias nos seus formatos e meios é algo necessário e urgente. Manter os professores atualizados e com formação continuada de qualidade, que atenda às novas necessidades e à realidade do processo ensino-aprendizado, precisa ser algo pensado e implementado, pois os professores se deparam com algo além do vivido, alunos que não aprendem da mesma forma ou que vivem uma realidade diferente do que a escola lhes apresenta.

O novo século trouxe diversas mudanças para a sociedade e para a educação. Não apenas temos mais meios educacionais a serem usados e explorados, mas alunos diferentes, mais conectados com o mundo e cada vez mais conscientes de seu papel como cidadãos do mundo. A partir dessa realidade, a escola e o professor devem estar preparados para capacitar o aluno para ser um indivíduo autônomo, competente e consciente de suas responsabilidades. Sendo assim, o aluno preparado para os desafios do século XXI não é aquele que simplesmente sabe, mas aquele capaz de pesquisar, compreender e expressar seus conhecimentos. É um aluno que sabe ler e usar as mídias tecnológicas, um aluno com letramento digital que vê o texto escrito de formas diversas em um mesmo suporte: a tela do computador.

Ainda pensando sobre o letramento digital, a falta dessa familiarização com eletrônicos pode ocasionar ao professor uma angústia muito grande, pois o mundo está conectado e não se pode admitir problemas com as máquinas e a tecnologia que nos rodeia. O professor é visto com um analfabeto digital, recaindo nele o estigma que as pessoas iletradas e analfabetas vivem em nossa sociedade (Buzato, 2001). A falta de letramento digital dos professores que utilizam a tecnologia em sua rotina de sala de aula de forma meramente operacional e técnica, caracteriza o problema desta pesquisa. A metodologia empregada na formação continuada dos professores precisa ser voltada para a era digital, pensada para ir além da técnica ou da mera instrumentalização. A formação precisa ser algo que proporcione um preparo ao professor para atuar em contextos digitais de forma reflexiva, crítica e criativa (Silva, 2012), com a alfabetização e o letramento digital permeados pela proposta da educação midiática de forma indissociável.

O professor conectado e a educação midiática

O professor deste século – que nesta seção chamamos de professor conectado – é aquele que precisa de um perfil mais abrangente do que o perfil docente de 30 ou 20 anos atrás. Afinal, nossos alunos não são mais os mesmos e o acesso que eles têm às informações não é igual ao de antes. Em tudo isso, apenas a escola permanece igual. Como seria o perfil de um professor conectado? Além de habilidades como  boa comunicação, pensamento crítico, empatia e liderança, o professor precisa da capacidade de lidar com a tecnologia e suas variações.

Não estamos falando no domínio de todas as tecnologias que existem voltadas para a educação, mas em ter a capacidade para lidar com aquelas que contribuem para atender às mudanças tecnológicas e aos anseios de nossos alunos. Mas será que apenas saber lidar com a tecnologia e dominar do ponto de vista técnico seria o suficiente? As informações e conteúdos disponibilizados pelo professor em sala de aula podem ser confrontados e questionados com apenas um clique. Alunos conseguem “aprender” diversas coisas com vídeos no YouTube. O aluno não vê mais o professor como transmissor principal e única fonte de conhecimento, mas como alguém que vai orientar, mediar o conhecimento que eles conseguem e descobrem em suas navegações online. A facilidade da internet e a velocidade da informação nos apresentam um novo perfil de estudante que exige um novo perfil de professor. Um professor atento às novas fontes de informações e que possui o letramento digital necessário para esse novo momento, um letramento que permita associar informação, utilizar as novas tecnologias numa perspectiva crítica e ser capaz de transformá-las em conhecimento (Freitas, 2010).

O uso de elementos como hipertexto e internet viabilizam uma forma de aprendizagem considerada por muitos como ideal: o aluno absorve o como fazer motivado por uma situação e utiliza as tecnologias para pesquisa, checagem de fatos e até mesmo para produção de mídias sobre o assunto abordado (Xavier, 2013). As tecnologias permitem esse tipo de aprendizad.o que precisa ser guiado e conduzido pelo professor que por sua vez precisa estar preparado para essa educação midiática e para a avalanche de informações que chegam aos nossos alunos. Todos os dias eles são impactados pelas mídias mais diversificadas: palavras impressas no papel, redes sociais, televisão etc. Eles estão imersos (ou submersos) numa sociedade cada vez mais midiática, “soterrados” numa avalanche de informações audiovisuais, textuais e propagandas praticamente em tempo real. Esse excesso de informações que chegam de todas as formas e por todos os tipos de dispositivos é um verdadeiro desafio, não apenas aos alunos, mas para todos que vivemos em sociedade, especialmente para os docentes. Como saber lidar com as opiniões e com aquilo que é um fato? Como saber o que pode ser compartilhado e o que deve ser rejeitado em aplicativos de mensagens?  Não temos como fugir. Falar de comunicação na escola é cada vez mais necessário. Precisamos preparar nossos alunos para interagir com a diversidade em plataformas digitais.

A integração da tecnologia com a educação serve com um meio para que os professores aprimorem seu aprendizado e criem oportunidades para se conectarem com os alunos, incentivando-os a se conectarem com informações por novas maneiras (Moraes, 2023).

A partir dessa urgência, temos a educação midiática como proposta de ferramenta para desenvolver a habilidade de leitura crítica de forma autônoma e integrada, como produtores e apreciadores de conteúdo.

Mas, afinal, o que seria a educação midiática? É a forma de mudar a relação dos nossos alunos com o conhecimento, educando-os para um mundo cada vez mais conectado (Ferrari et al., 2020). A educação midiática permite interpretar o que lemos em um site ou em aplicativos de mensagens. Diante de um texto ou vídeo, o aluno se torna ávido pela pesquisa, indo mais a fundo de questões como a intenção do autor, a veracidade daquilo que está sendo exposto ou a finalidade da veiculação daquele conteúdo. Educação midiática é um conjunto de habilidades que permite acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica e reflexiva no ambiente informatizado e midiático em formatos diferentes (Ferrari et al., 2020). É preciso saber ler, filtrar e questionar as informações que nos chegam e não apenas consumi-las. De acordo com o Guia da Educação Midiática (Ferrari et al., 2020), os pilares da educação midiática são desenvolvidos a partir de uma mandala com três eixos: ler, escrever e participar.

Ler é o eixo que vai auxiliar o nosso aluno a ir além do que está no papel, a entender as intenções dos mais variados fluxos de informação: gráficos, mapas, embalagens de produtos, memes, vídeos, notícias. É refletir a respeito do que não foi dito, a intencionalidade da escrita e a veracidade daquilo que se lê. O eixo escrever traz as habilidades ligadas à fluência digital, dando voz aos nossos alunos e a possibilidade para que criem conteúdo para audiências reais, dialogando com a sociedade e envolvendo-se com questões relevantes. Por fim, no eixo participar, o objetivo principal é incentivar estudantes a refletir sobre o seu papel como participantes nesse mundo midiático, seja como criadores de conteúdo ou como leitores da informação, ensinando a dialogar, a discordar e a reagir nas redes sociais e de forma não agressiva, combatendo o discurso de ódio, a discriminação e refletindo sobre a cultura do cancelamento, tão na moda nos dias de hoje.

A Educação para as mídias é algo inevitável e que não pode mais ser adiado como camada dentro de nossos planejamentos em sala de aula. É preciso preparar nossos alunos, desde muito cedo, para trafegarem com segurança e confiança entre os universos offline e online de maneira que percebam o quanto são influenciados, o quanto influenciam e de que maneira podem atuar como cidadãos ativos e potenciais contribuintes para o debate público. Ainda que novos, os nossos alunos precisam se perceber como cidadãos que compreendem a diversidade, as mídias, as diferentes formas de aprender e de como se comunicar assertivamente, dentro e fora do mundo digital.

A escola precisa ser esse local que facilite e promova a formação digital de todos: professores, alunos e o meio familiar, promovendo e articulando tudo o que é oferecido no mundo digital por meio das tecnologias digitais nas diversas práticas sociais de toda a comunidade escolar (Araújo et al., 2023).

Metodologia

O percurso metodológico desta pesquisa se inicia com pesquisas bibliográficas acerca do letramento e de suas diferenças acerca da alfabetização. Como exposto aqui anteriormente, o professor não familiarizado com conceitos técnicos acerca de tecnologias usadas dentro e fora de sala de aula, se considera muitas vezes um analfabeto digital, estigmatizado e, às vezes, incapaz de lidar com alunos que chegam em sua sala de aula. 

Diferente do que ocorreu em outras partes do mundo e em países mais desenvolvidos, o conceito de letramento e alfabetização no Brasil sempre foi mesclado. São dois fenômenos que se confundem e até se fundem (Soares, 2004). Podemos estabelecer uma comparação entre a alfabetização e o letramento tradicionais, quando os códigos linguísticos, como letras e palavras, são usados para a escrita. Na alfabetização e letramento para a cultura digital, assume-se formas de mídias como telas, links, computadores e dispositivos. O professor alfabetizado digitalmente sabe usar as tecnologias de forma tecnicista, focando em saber usar. Assim sendo, o professor letrado digitalmente vai usar o seu conhecimento acerca do mundo digital de forma plena, refletindo em como usá-lo e por quê.

Desse modo, a pesquisa de campo ocorreu em duas etapas: a primeira consistiu em uma formação com 32 professores do interior de Minas Gerais, que contou com um encontro presencial e quatro encontros online. A segunda etapa envolveu um grupo de 47 professores da capital do Rio de Janeiro, com cinco encontros online. A etapa ocorrida em Minas Gerais teve um encontro presencial por se tratar de uma escola inteira envolvida na formação: todos os professores eram da mesma escola e o primeiro encontro ocorreu lá mesmo. A formação de professores ocorrida no Rio de Janeiro teve um número maior de participantes e de locais diferentes, optando-se pela modalidade online. Nesses encontros, os professores foram expostos a diversos conceitos, como: letramento e alfabetização digital, educação midiática, aprendizagem significativa, além de variados recursos digitais apresentados com tutoriais para serem usados dentro da sala de aula, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem.

Para que essas formações fossem desenvolvidas, sequências didáticas foram elaboradas baseadas no framework, conceito desenvolvido por Arantes (2022), e aplicadas a cada dia no que se tornou um curso de extensão universitária intitulado Letramento e Alfabetização Digital do Professor Conectado. Ao final das formações, os professores responderam a um formulário que segue a escala Likert para que se pudesse ter uma avaliação significativa e resultados pertinentes. Toda a base teórica utilizada e aplicada foi publicada no ebook “Letramento e alfabetização digital na formação continuada do professor conectado”. Esse ebook foi disponibilizado para os alunos junto com as sequências didáticas e os demais materiais base em um site desenvolvido para esse fim e postado de forma pública para que os participantes tivessem acesso e fossem motivados a ler e a participar de forma ativa da formação oferecida.

Resultados

O intuito desta pesquisa é a aplicação das sequências didáticas em uma formação com professores do interior de Minas Gerais e da cidade do Rio de Janeiro, mostrando a importância do letramento e da alfabetização digital aos docentes em sua prática pedagógica a fim de afetá-los de maneira significativa pelo uso dos componentes digitais, vendo a tecnologia como aliada, não como uma inimiga que eventualmente poderá evoluir e substituí-lo, deixando-o à margem, sem emprego e sem perspectivas.

O uso das novas tecnologias amplia e melhora o conhecimento de quem recebe as informações (Bazhuni et al., 2021). No caso desta pesquisa, dentro do ambiente educacional e lidando com professores, o uso e a incorporação dessas ferramentas e da camada midiática permitem que novas propostas se formem e que haja um desenvolvimento profissional, assim como uma formação significativa.

Tanto o grupo de professores do Rio de Janeiro quanto o grupo de Minas afirmaram que o uso da ferramenta Zoom na modalidade de curso online não era algo novo para eles, mostrando que eles já tinham alguma familiaridade com cursos no formato EaD, com ferramentas tecnológicas usadas para esse fim. Nas rodas de conversa realizadas no primeiro dia, ambos os grupos relataram que haviam usado a plataforma supracitada em formações durante a pandemia, porém no gráfico ao final da formação somente 40% dos professores do Rio de Janeiro afirmaram que nunca tinham feito um curso que fosse totalmente online, enquanto os professores de Ouro Preto (50%) afirmaram que nunca tinham feito um curso nessa modalidade (Gráficos 1 e 2). Isso pode evidenciar que no coletivo exista certa vergonha em admitir a falta de “intimidade” com essas ferramentas e/ou modalidades de ensino, principalmente após o período de pandemia quando todos foram jogados e submersos nesse mundo.

Gráfico 1: Participação em curso online

Gráfico 2: Participação em curso online

Também foram apresentadas ferramentas digitais que podem ser usadas em sala de aula para que os professores coloquem em prática toda a teoria aprendida: recursos como QRcodes, Padlet, ferramentas de gamificação como Kahoot e outras plataformas digitais usadas com fins pedagógicos. O jogo Kahoot, de forma mais específica, foi utilizado como forma de avaliação em um dos últimos encontros virtuais, com perguntas nas quais os participantes avaliavam a jornada dentro da formação continuada até ali. Jogos digitais podem e devem ser utilizados para avaliar de forma consistente, atrativa e clara esses jogos unindo questões de aprendizagem à ludicidade dentro de atividades avaliativas em diversos ambientes (Bazhuni et al., 2021). O Padlet foi algo novo para os professores: a sua maioria não conhecia e nunca tinha ouvido falar de tal ferramenta. Eram 32 professores de forma presencial na escola em Ouro Preto. Apenas 15 foram capazes de postar suas apresentações no mural virtual. No caso do Rio de Janeiro, 57 professores atenderam à formação de modo virtual. No primeiro dia, apenas 40 foram capazes de postar sua apresentação no mural virtual. Porém, no último dia, essa mesma ferramenta foi utilizada e os professores foram capazes de não apenas postar, mas explorar novas formas de se expressar, dando novos sentidos e indo além da parte técnica. Foram explorados diversos gêneros textuais, hashtags, link, desenhos, memes, vídeos e outras formas midiáticas que foram apresentadas nos dias de formação, mostrando o letramento realizado por cada um deles.

Os resultados, no que tange ao uso das ferramentas digitais apresentadas durante os dias de formação continuada, também se expandem no uso do QRcode. Foram apresentados plataformas e usos para o código de barra estilizado e muitos já eram capazes de criar seus próprios QRcodes com aplicabilidade dentro de sala de aula. Professores que se consideravam analfabetos digitais e outros que tinham aversão à tecnologia, começaram a entender o uso e a importância de certos aplicativos e tecnologias dentro de sala de aula e/ou como parte de seus planejamentos. A camada midiática fazia sentido e se encaixava como numa metáfora em alusão a um ‘pavê’ que ia se assentando com o que era apresentado. A alfabetização e o letramento digital para o professor conectado começavam a acontecer e cada vez mais era visível a cada encontro, ficando claro aos professores como urgência na revolução dos paradigmas para o processo de ensino-aprendizagem.

Apenas 15% dos professores de Ouro Preto e 48% dos professores do Rio de Janeiro afirmaram usar recursos tecnológicos em suas salas de aula no início da formação. (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3: Uso de recursos tecnológicos em sala

Gráfico 4: Uso de recursos tecnológicos em sala

Mesmo com o número de professores do Rio de Janeiro sendo quase a metade dos participantes a declarar que já utilizavam a tecnologia em suas práticas de sala de aula, 89% desses professores declararam que o curso proporcionou a mudança de suas atuações na escola; entre os de Ouro Preto, 65% concordaram (Gráficos 5 e 6).

Gráfico 5: Avaliação do curso

Gráfico 6: Avaliação do curso

Isso evidencia que a tecnologia era usada apenas como um fim em si mesma, ocupando agora um novo espaço. A tela e os dispositivos começam a ter um novo significado para cada um deles, dentro da condição de letrados digitalmente.

Em síntese, a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. [...] A hipótese é de que essas mudanças tenham consequências sociais, cognitivas e discursivas, e estejam, assim, configurando um letramento digital, isto é, um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel (Soares, 2002, p. 151).

Nos dados colhidos na pesquisa ao final da formação, 75% dos professores do interior de Minas declararam que o curso os fez repensar nas estratégias de ensino-aprendizagem que usavam. No caso dos professores do Rio de Janeiro, 95,7% deles declararam que a formação os fez repensar nas estratégias, como mostram os Gráficos 7 e 8.

Gráfico 7: Avaliação do curso

Gráfico 8: Avaliação do curso

De acordo com a teoria de David Ausubel, a aprendizagem significativa é um processo por meio do qual uma nova informação se relaciona com algo da estrutura do indivíduo, algo que ele define como subsunçor. O novo conhecimento seria então ancorado em conceitos preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz (Moreira, 2017). A partir desse entendimento, o professor não é aquele que transmite conhecimento para os alunos, pois alunos não são tábuas rasas a serem preenchidas; tudo aquilo que o aluno traz consigo influencia no seu processo de aprendizagem, dentro e fora de sala de aula. Assim, o professor letrado digitalmente é aquele que vai mostrar ao seu aluno como a tecnologia e as mídias podem ser usadas de forma responsável, benéfica e crítica. O aluno vai poder vivenciar e ter voz dentro do mundo digital de forma saudável, tendo total percepção da veracidade das informações que chegam até ele, sabendo realizar buscas e atuando de forma segura online. Tudo isso porque ele tem o exemplo de seu próprio professor que vai agregar valor ao que ele mesmo falar ou demostrar, uma vez que foi testado por ele (Greco; Dutra, 2023).

Isso ficou evidente nos últimos encontros da formação: os professores se mostravam mais confiantes e seguros para falar, demonstrando o que sabiam para os demais participantes. Aqueles que sequer abriam a câmera, vibravam e participavam dos jogos, comentando cada ponto. Comentários a respeito de como os aspectos de sua aula seria conduzida, pesquisas realizadas e a maneira como o aluno ia fazer parte do processo de aprendizagem e do planejamento foram recorrentes nos últimos dias em que estivemos juntos, uma vez que eles agora tinham mais conhecimento e ferramentas a recorrer. Podia-se perceber que o letramento digital e tecnológico começava a fazer sentido e que a  maioria dos professores presentes ia pensar e refletir sobre o uso digital de forma significativa, dentro e fora de sala de aula.

Considerações finais

O mundo em que vivemos não é o mesmo de anos atrás. A velocidade da informação nos chega pela quantidade de mídias que temos ao nosso alcance.Fica a sensação, em meio a tantas mudanças, de que a escola permanece a mesma, com cadernos, quadros, uniformes, provas. Livros didáticos e métodos de ensino que nos remetem à época de quando estávamos no lugar de nossos alunos.

Por falar em alunos, se a escola nos parece igual, definitivamente eles não o são. Nossos alunos de hoje em dia são sujeitos conectados, expostos às diferentes mídias, vivendo num mundo aonde as informações chegam numa velocidade incrível.

Dentro e fora do contexto educacional, somos soterrados com mídias, recursos, dispositivos e novas tecnologias que se reinventam e modificam todos os dias pelos mais variados fins, mediados por tecnologias digitais.

Em cada sequência didática apresentada e usada dentro da formação continuada aqui explicitada, a metodologia proposta é conduzida de forma que cada participante identifique a necessidade de ser alfabetizado e letrado digitalmente, pois saber usar os programas e as ferramentas digitais da mesma forma que uma criança aprende as letras e os códigos linguísticos é uma necessidade premente. Assim como a alfabetização e o letramento são coisas indissociáveis, o mesmo ocorre ao se falar sobre alfabetização e letramento digital – o professor precisa refletir sobre a prática social e o uso daquela ferramenta digital em questão e não apenas dominar a parte técnica de como ela pode ser utilizada. Por meio dessa capacitação com a aplicação das sequências didáticas e da leitura do material didático, professores do Ensino Fundamental tiveram ampliado o conhecimento sobre a tecnologia digital dentro de sala de aula, sendo capazes de refletir a educação midiática, e não apenas saber usá-la, mas por que usá-la. O professor foi levado à reflexão sobre sua prática pedagógica, se o aplicativo ou recurso digital que está levando para a sala de aula vai habilitar o aluno a lidar com situações cotidianas de sua vida e vai trazer uma função social para ele, com uma abordagem práticapara auxiliar de forma real o seu processo de ensino-aprendizagem.

Neste artigo, o objetivo de mostrar as nuances da formação continuada do professor conectado e de que forma o letramento digital foi abordado e conduzido nos cinco encontros online e presenciais, fica claro a partir do uso da tecnologia que não tem um fim em si mesma. A tecnologia dentro do contexto pedagógico não pode ser apenas mais um componente curricular, ou ainda, algo a ser inserido como algo secundário ou plano de fundo, algo extra. A educação midiática e o letramento digital precisam ser algo como uma camada a ser colocada em todos os componentes curriculares e não como algo à parte.

A tecnologia por si só não garante a aprendizagem dos alunos de forma moderna, mas deixa a escola pronta para o novo século, com novas formas de aprender. Nem vai substituir o professor, pois ele será sempre a chave principal, o componente mais importante nesse processo de modernidade e inclusão digital, acompanhando, conduzindo e motivando os alunos. A formação continuada do professor é tão importante quanto o seu letramento e a sua alfabetização digital.

Referências

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Publicado em 10 de setembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

MATOS, Luciana Oliveira Santos da Silva; ARANTES, Sheila Ferreira da Silva; MÓL, Antônio Carlos de Abreu; CARVALHO, Paulo Victor Rodrigues de. Letramento e alfabetização digital de professores do Ensino Fundamental: um diálogo entre educação midiática e as novas tecnologias. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 33, 10 de setembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/33/letramento-e-alfabetizacao-digital-de-professores-do-ensino-fundamental-um-dialogo-entre-educacao-midiatica-e-as-novas-tecnologias

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Professor Walter • 1 mês atrás

Excelente artigo! Estou utilizando como referência em vários projetos e nas minhas aulas na escola. O conteúdo é muito bem estruturado e claro, o que facilita bastante o aprendizado dos meus alunos. A abordagem dos temas é completa e atual, o que tem contribuído de forma significativa para o desenvolvimento dos nossos estudos. Com certeza continuarei usando este material como apoio nas minhas aulas. Parabéns pelo trabalho!

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